Estávamos em 1945 e já se
escrevia assim sobre a Europa na Revista Ver e Crer nº 2 de Junho de 1945.
A 8 de Maio a Europa ouviu soar
a notícia de que tinha acabado a guerra. Ao fim de cinco anos e meio de lutas
sem paralelo possível, no meio de tantas incertezas e também inquietações, a
boa nova chega como um sopro de esperança em dias melhores. Fim da guerra, não
quer dizer, porém, fim de canseiras, nem de trabalhos. O Esfôrço na paz tem de
ser maior ainda, mais alegre, mais feliz, pois significará a tarefa de
restituir o lar, o pão e a justiça aos que o perderam e de os dar aos que nunca
os chegaram a ter. A pobre Humanidade poderá, então mostrar a serenidade do seu
optimismo e do sorriso aberto da sua confiança.
Na paz prepara-se a guerra, na
guerra prepara-se a paz. De cada vez que os diplomatas se reúnem para decidir a
nova regra internacional, os povos julgam que tudo foi definitivamente
regulado…
Três séculos de tratados á
procura da ordem na Europa.
(Europa,
desenhada pelo cartógrafo antuérpio Abraham Ortelius em 1595)
Mais uma vez a Europa se debate
nas ansiedades tormentosas de procurar a fórmula para se reagrupar, depois de
ter passado pela tortura sangrenta de mais uma guerra. Desta vez, porém, esta
tentativa de arranjo reveste-se de um aspecto novo, inteiramente novo, de cuja
significação nem sempre teremos a paz de espírito precisa para nos
apercebermos, mas que ficará, por certo como um dos grandes pontos de
referência, de cada vez que, para o futuro, se fizer a história dos grandes
acontecimentos diplomáticos de todos os tempos: a Europa perdeu a sua posição
de incontestável hegemonia no trato entre as nações. Por certo, já antes desta
guerra tinha havido outras cuja significação, cujos reflexos e cuja onda de
interesses iam além do nosso continente, mas é fóra de dúvida que a importância
dominante em todos os problemas diplomáticos mundiais pertencia à velha Europa.
Ainda na liquidação da guerra de 1914-18, não obstante a intervenção de
asiáticos e americanos, não obstante o papel de relêvo que Woodrow Wilson
tomou, em certo momento como orientador de espírito das negociações e até como
inspirador da nova regra, foi na Europa o logar escolhido onde ocorreram os
representantes de países de todo o mundo para fixar as normas que iam reger a
vida das nações: a paz de Versalhes; como foi na Europa que tomou sede a
organização internacional então estabelecida: a Liga de Genebra. Agora é fóra
de dúvida que assistimos a uma deslocação de hemogenia: mesmo sem fazer entrar
em linha de conta pormenores reveladores dêsse sintoma – o próprio facto de ter
sido atribuído a um americano, o general Dwight Eisenhower, o comando supremo
das fôrças aliadas que combateram a ocidente – é preciso recordar que foi em
território extra-europeu que se efectuaram as principais assembleias das nações
durante esta guerra: as cidades americanas de Warn Springs, Bretton Woods,
Dumbarton Oaks e, finalmente, San Francisco da Califórnia foram sede e cenário
das grandes conferencias internacionais.
Isto acontece, entretanto, pela
primeira vez. Todos os grandes instrumentos diplomáticos que têm dominado a
vida dos povos e as suas relações entre si foram forjados na Europa.
Quais foram esses instrumentos
diplomáticos? Quais foram os grandes momentos, os grandes pilares a fixar na
história dessa evolução?
Naturalmente, desde que os
homens se organizaram para a vida em sociedade, os organismos sociais, sendo de
formação humana, passaram a sofrer das
mesmas virtudes e defeitos que caracterizam os indivíduos: as mesmas paixões,
as mesmas ambições, como tudo, como se compreende, em ponto grande. Os pequenos
conflitos entre os homens generalizaram-se, passaram a conflitos de classe, de
tribu, de cidade, de estado. As desordens passaram a guerras. Tôda a História,
afinal, ao menos como se ensina, é a História das guerras: a História da
descoberta, a História do pensamento, do esfôrço do homem para dominar as
fôrças naturais, domesticá-las pô-las ao seu serviço é quási sempre apresentada
como episódio secundário, informação complementar, como se o estado de guerra
fosse, realmente, o estado natural da existência social e a razão mater de tôda
a vida dos povos. E sempre as guerras se fizeram acompanhar por episódios a que
podemos chamar tratados de aliança: e sempre as guerras acabaram por outros
episódios a que podemos chamar tratados de paz. Mas êsses lances não tinham ainda
a verdadeira essência de espírito e substância para se considerarem
instrumentos diplomáticos. A acção diplomática, tal como hoje a concebemos, só
se revelou, afinal, no século XVII, durante as negociações que tiveram têrmo
com o que se chamou a Paz da Westfalia, em 1648.
Três séculos a percorrer
A guerra ao domínio dos
Habsburgos
1648 –
A paz de Westfália
A paz de Ausburgo (1555) fôra
uma paz de compromisso. Não tinha resolvido nenhum dos problemas latentes entre
as duas Europas – a católica e a protestante – e só fôra possível pelo
manifesto estado de fadiga entre os beligerantes. O próprio princípio que
domina a sua ordenação - «cujus regio ejus religio» - pôe suficientemente em
evidência o seu carácter transaccional. Por isso, quando, em 1618, de novo
romperam as hostilidades, elas apareceram como consequência natural do choque
de dois grupos de rivalidades latentes, de que a Áustria católica e a Prússia
protestante se tinham feito, após a abdicação de Carlos V, os dois polos
aglutinantes.
(Banquete da Guarda Civil de
Amsterdã em celebração da Paz de Münster, por Bartholomeus van der Helst (1648)
Foi a guerra dos trinta anos.
Como acontece muitas vezes nas lutas de longa duração, também nesta as
coligações se fizeram e desfizeram e, a certa altura, principalmente quando a
França de Richelieu se dispôs a intervir, a contenda perdeu todo o seu carácter
inicial de guerra religiosa para se tornar pura e simplesmente numa tentativa
de procurar uma espécie de equilíbrio, europeu. A Espanha dos Habsburgos caira
em decadência, no mesmo tempo que a França crescia de importância, com o
impulso dos ministros Sully, Richelieu e Mazarino, Richelieu morreu em 1642,
mas pode dizer-se que a sua inspiração esteve presente nas conferências da
Westfália, tanto como no jôgo de influências, que levaram ás negociações. Não
foi estranho por isso, Richelieu à revolta que, em 1640, levou á restauração da
independência de Portugal. O ministro Françês via na tentativa, por assim
dizer, uma espécie de manobra a virar as atenções para ocidente, dividindo
assim as suas fôrças e diminuindo a importância da sua influência na grande
partida que, se disputava no tabuleiro continental. De resto Richelieu tinha o
génio dos grandes golpes. Êle pressentiu, a uma distância considerável, que o
perigo para a França havia de estar sempre no vizinho de leste: a Alemanha. Por
isso, o ministro-cardeal, não perdeu a oportunidade de encorajar um general
aventureiro, Bernardo de Weimar, quando êste pensou em fundar um principado
independente nas margens do Reno: era já a concepção do Estado-tampão, mas o
príncipe morreu subitamente e Richelieu teve que se contentar em tomar ao seu
serviço o exército que êle tinha contratado.
(Ratificação
do Tratado de Münster (1648), que inaugurou o moderno sistema internacional, ao
acatar princípios como a soberania estatal e o Estado-nação. Quadro de Gerard
Terborch)
Os nove anos que se seguiram
foram de má fortuna para o partido imperial. A guerra durou tanto que os que
tinham dado o sinal para o seu começo já haviam desaparecido do mundo dos
vivos. A decadência da Casa de Áustria acentuava-se e por toda a parte se punha
em evidência que os beligerantes estavam exaustos: de espírito e de bens. Não
havia homens, nem armas, nem dinheiro – nem desejo de continuar uma guerra
cujas causas já se tinham esquecido. A última arrancada foi em 1648, quando os
exércitos franceses e suecos, marchando respectivamente pelo vale do Reno e
pela Boémia, convergiam sõbre Viena. A guerra acabava, assim, no mesmo ponto
onde tinha começado…
O equilíbrio europeu
Tinha-se formado, já então, uma
certa concepção de ordem diplomática: o pensamento que dominava os inspiradores
dessa ordem fazia admitir como sendo do interesse de todos os Estados da Europa
que nenhum deles devia ser tão forte que pudesse ser tentado a querer dominar
os outros: quando um estado já poderoso procurasse ainda mais engrandecer-se,
todos os outros deviam sentir-se ameaçados e reunir-se contra êle para
estabelecer o equilíbrio Europeu. Era êste o princípio fundamental, a novidade
que dominava o pensamento dos homens que iam então negociar o termo da guerra e
o restablecimente da harmonia entre os povos.
As negociações, abertas
oficialmente ainda em plena guerra, começaram simultaneamente nas cidades de
Munster e Osnabruck. Como a guerra em geral, a maior parte das potências
estavam representadas. São desta época algumas figuras diplomáticas cujo nome
se fixou: os suecos Oxenstierna e Salvius, os franceses d’Avaux e Servien, o
austríaco Trautmannsdorf; e dois italianos, o veneziano Contarini, e o romano
Fabius Chigi, que depois foi papa sob a designação de Alexandre VII, os quais
presidiram aos trabalhos. Considera-se geralmente que a tarefa dos congressos
de Westfália foi da maior importância, pois que, tendo sido por assim dizer, o
primeiro congresso diplomático de todos os tempos, foi preciso instituir tôdas
as regras de trabalho.
(Armand
Jean du Plessis, Cardeal de Richelieu, Duque de Richelieu e de Fronsac (Paris,
9 de setembro de 1585 - Paris, 4 de dezembro de 1642) foi um político francês,
que foi primeiro-ministro de Luís XIII de 1628 a 1642; foi arquitecto do
absolutismo na França e da liderança francesa na Europa.)
Richelieu tinha morrido, mas
Mazarino, seu continuador do mesmo porte, revelou-se verdadeiro mestre na arte:
junto de tôdas as côrtes dos principados alemães fez pôr em evidência o perigo
das ambições do imperador, sugerindo que a França era a potência naturalmente
indicada para conter essa febre de ambição e, dêsse modo, não lhe foi difícil
fomentar uma verdadeira «clientela» que deu particular importância à sua
própria posição.
A Europa no fim da guerra
A guerra dos trinta anos deixou
a Alemanha devastada, o comércio e a indústria caíram quási no zero: as perdas
de população foram tais que algumas aldeias desceram de 600 a 20 habitantes! No
quadro geral da Europa, deu-se por finda a hegemonia da Casa da Áustria. Os arquiduques
austríacos continuavam a ter o título de imperadores da Alemanha, mas êste
título era apenas nominal, pois se reconhecia os príncipes e sua autonomia
perante o imperador e se lhes atribuía o direito de concluir alianças entre si
ou com as potências estrangeiras.
A França e a Suécia, «cabeças»
da coligação, receberam importantes compensações territoriais. A Suécia tomou o
comando do norte, assegurou para si o predomínio Báltico (pelo pôrto de
Stettin) e certa influência no mar do Norte. A França fixou-se no Reno, com as
«testas de pontes» (como hoje se diria) de Brisach e Philippsbourg na margem
oriental.
Duas nações ganharam então, a
sua independência: a Holanda e a Suíça.
Do significado inicial – guerra
religiosa – não havia mais que uma recordação. As nações perceberam que se
batiam por motivos de natureza temporal: por isso, quando o Papa Inocêncio X
publicou uma bula, condenando os termos da paz, a sua palavra foi ouvida mas
ficou sem consequências. A própria igreja, estava numa fase de decadência, pois
os cultos da Reforma tinham sido reconhecidos pela letra dos tratados.
(Papa
Inocêncio X, nascido Giambattista Pamphili, ou Pamphilj (Roma, 6 de maio de
1574 — Roma, 7 de janeiro de 1655) foi Papa de 15 de setembro de 1644 até à
data da sua morte.)
Fundamentalmente, o objectivo
da guerra foi atingido: a hegemonia da Casa de Áustria teve ponto final. Quanto
á sua expressão construtiva, talvez valha a pena registar esta opinião de
Wells: «Em 1648, os príncipes e os diplomatas reuniram-se no meio das ruinas,
para tentar na medida do possível, repor em pé a Europa central. Não se deixou
ao Imperador mais que uma sombra de poder. No entanto, um príncipe alemão, o
eleitor Hohenzollerm de Brandeburgo, viu os seus territórios aumentados de tal
maneira que se tornou o soberano mais poderoso depois do Imperador. Êstes
territórios vieram a tornar-se pouco depois (1701) o reino da Prússia». Seja
como fôr, em 1648 instituiu-se a regra pela qual a Europa ficou a reger-se
durante algumas dezenas de anos.
1713 – O tratado de Utrecht
(Tratado
de Utrecht – 1713)
A paz de Westfália foi o
modelo, a espinha dorsal da paz que se pretendeu oferecer à Europa. Mas teve os
seus complementos locais. O tratado dos Pireneus, assinado em 1659, pôs termo à
guerra entre a Espanha e a França. Pela
conclusão dêste instrumento diplomático, a França pelo menos oficialmente,
desinteressou-se do destino de Portugal, que teve de continuar a luta, socorrendo-se
da aliança inglesa. Os altos e baixos da campanha custaram-nos Tânger e
Bombaim. A resistência, porém, não sucumbiu e, finalmente, no tempo de D. Pedro
II, a Espanha decidiu-se reconhecer a
independência de Portugal, pelo tratado de Lisboa, assinado em 13 de
Fevereiro de 1668. A possessão de Ceuta, porém, foi atribuída aos espanhois.
Tinham sido 27 anos de luta, desde o sinal dado pelos conjurados do 1º de
Dezembro.
Todo o período que se segue é
assinalado pelo predomínio da França no quadro geral das relações europeias. Luíz
XIV teve que fazer frente, por sua vez, à ameaça de novas coligações. Alguns
episódios diplomáticos: a paz de Aix-la-Chapelle (1668), pela qual a França
anexou o Franco-Condado e doze praças da Flandres.
Dêste congresso de Nimegue – a
pitoresca cidade holandesa posta em evidência, durante esta guerra, por uma
acção de tropas britânicas, quando Montgomery tentou, pela primeira vez, forçar
a passagem do Reno – ficaram alguns curiosos pormenores. Porque as ruas da
cidade eram estreitas e tortuosas, as delegações estrangeiras convencionaram
entre si que as carruagens seriam puxadas apenas por uma parelha, em vez de
duas. Luíz XIV, quando soube disso, recusou-se a aceitar, para os seus
representantes diplomáticos o que lhe pareceu, verdadeiramente, ser uma
humilhação. Uma tempestade num copo de água, poderia julgar-se. Mas o pessoal
de serviço doméstico das delegações francesas e espanhola chegou, só por isso,
a travar uma pequena mas autêntica batalha de rua…
A grande aliança
Depois foi, para o poderio de
Luiz XIV, o quarto minguante. A Europa começava a temer uma hegemonia perigosa:
a paz de Ryswick (1673) foi ainda assinada por uma França vitoriosa, mas que
era, ao mesmo tempo, uma França já fatigada.
(Luís
XIV de Bourbon, conhecido como "Rei-Sol" (5 de setembro de 1638,
Saint-Geramin-en-Laye, França - 1 de setembro de 1715, Versailles, França) foi
o 64. monarca da França, tendo governado de 1643 até 1715.)
A morte de Carlos II, de
Espanha, sem descendentes, em 1760, fez surgir muitos pretendentes por essa
Europa fóra, ainda em vida do herdeiro de Filipe IV, que fez testamento em
favor de Filipe de Anjou, neto de Luíz XIV. O espanhol tinha pensado que a
tutela do francês seria bastante para assegurar a unidade da herança. Mas a
Europa desconfiada do predomínio Françês, formou uma coligação contra os
Bourbons. Foi a guerra da sucessão, em que a França e a Espanha tiveram que
fazer frente à grande aliança, formada pelo tratado da Haia (1701), com a
Holanda, Alemanha, Dinamarca, Suécia, Saboia, Inglaterra e Portugal. É a época
do grande Malborough. Dizia o artigo 7º do tratado: «A paz não se fará se não
de comum acôrdo e com a condição de que as duas corôas da França e da Espanha
nunca serão reunidas». Os Ingleses tomaram Gibraltar (1704) e, no ano seguinte,
os portugueses entraram em Madrid, sob o comando do Marquês de Minas. Dois
episódios ditaram o fim da guerra, porque a coligação deixou de ter interesse
no objectivo inicial: a revolução de palácio que originou o eclipse de
Malborough e a morte do Imperador José, que levou ao trono o arquiduque Carlos.
Como êste era o pretendente que a coligação opunha a Filipe de Anjou, a
manutenção da sua candidatura equivalia o restabelecer na Europa o perigo dos
Habsburgos… Por tudo isso, apesar do compromisso daquele citado artigo 7º,
desde 1711 que começaram a pressentir-se tentativas de paz separada. Luíz XIV
revelou-se nesta emergência, o interprete à altura das conveniências nacionais,
a que soube sacrificar o interesse dinástico. Em 1712, a coligação estava
desfeita e só o austríaco continuou o combate. Mas foi derrotado no ano
seguinte e aceitou a paz de Utrecht. No plano Europeu, afastou-se
simultaneamente, o perigo da união dinástica franco-espanhola sob a égide
bourbónica: a hegemonia da França: e o receio de que ressuscitasse o predomínio
austríaco. A Inglaterra fez prevalecer a fórmula do equilíbrio continental. No
plano extra-europeu, reconheceu-se à Inglaterra o direito á Terra Nova, à Nova
Escócia e aos territórios da baía de Hudson: a Portugal, o direito às margens
do Amazonas.
A Guerra contra o domínio de
Napoleão
1815 – O congresso de Viena
(Documento
da Acta do Congresso de Viena)
O período que se segue ao
tratado de Utrecht é caracterizado, talvez, por quatro figuras de dominadores:
ainda Luiz XIV, Pedro, o Grande, que aproximou a Rússia da Europa,
«ocidentalizando-a»: Frederico, o Grande, que significa o despertar do
prussianismo; finalmente, Napoleão Bonaparte. Acontecimentos fundamentais:
depois da guerra da sucessão de Espanha, a guerra da sucessão da Áustria e a
guerra da sucessão da Polónia; a guerra dos sete anos (1756-1763), a partilha
da Polónia, o despertar do turco. E uma fiada de tratados: a quádrupla aliança,
Viena (1738), Aix-la-Chapelle (1748), Paris (1763), com os seus preliminares de
Fonteinebleau.
(Congresso
de Viena, reunião em prol da restauração das monarquias europeias.)
Vem então o sôpro ciclónico da
Revolução. A rivalidade entre a França e a Inglaterra tem que se alimentar. Não
é difícil, realmente fomentar a suspeita do continente inteiro contra os homens
de 1789. Depois a revolução metamorfoseia-se, toma a expressão cesariana,
Bonaparte é Napoleão – talvez a figura mais discutida de toda a História,
aquele de quem se diz que uma vida inteira não chegaria hoje para ler tudo
quanto dêle se escreveu. Mas não haverá nesta curiosidade algumas coisas de
paixão, talvez alguma coisa de morbidez? Wells considera a silhueta napoleónica
por um prisma bastante diferente do habitual: «Dá-se geralmente nas histórias
do século XIX um lugar completamente desproporcionado de Napoleão I.
(Napoleão
Bonaparte nasceu em Ajaccio, capital da Córcega, em 15 de agosto de 1869.
Desenvolveu sua carreira militar justamente no período da Revolução Francesa.
Aos 19 anos já era tenente de artilharia do Grande Exército francês.)
Êsse homem não teve senão uma
influência medíocre no vasto movimento que levava a humanidade para a frente: o
seu reino foi apenas um entreacto, a doença infecciosa de um organismo cansado.
E mesmo sob êste aspecto, conheceram-se micróbios mais activos: esse novo César
matou menos gente que a pneumónica em 1918 e transformou menos a ordem social e
política que a peste no tempo do Justiniano».
A ventura napoleónica
Napoleão soube somar todos os
factores que lhe podiam ser favoráveis: a sua aptidão de chefe militar; a
desorganização da europa; o clima “revolucionário” do tempo; a sua ambição
pessoal. Os convencionais falaram a mais pura linguagem patriótica. Na véspera
da declaração de guerra à Grã-Bretanha e à Holanda, em 1793, Danton proclamava
com a maior lucidez:
- Os limites da França, estão
marcados pela Natureza. Atingi-los-emos nos seus quatro pontos principais: o
Oceano, o Reno, os Alpes e os Pirinéus. De Richelieu a Clemenceu – ou mesmo a
De Gaulle – todos os grandes momentos da França fizeram repetir essa fórmula.
A aventura napoleónica, que
fulminou a Europa e foi liquidar-se perante a tenacidade indomável da
Grã-Bretanha, constitue o mais interessante paralelo histórico da dolorosa
experiência da Europa dos nossos dias. Dir-se-ia que passo a passo tudo se
repartiu no mesmo ritmo. Quando Napoleão foi a Tilsit (1807) encontrar-se com o
tzar Alexandre, ofereceu-lhe um acordo e uma partilha de influência que lhe
deixasse as mãos livres a ocidente, não seria capaz de supor que o seu gesto
viria a ser repetido, 132 anos depois, com a espectaculosa viagem de Ribbentrop
a Moscovo.
(Neste
quadro, Ingres retratou Napoleão como um ser quase divino, coberto por um manto
de veludo e tendo a cabeça cingida por uma coroa de louros. O cetro, símbolo do
poder imperial, está sendo segurado pela sua mão direita.)
No ano seguinte, apesar do explendor de que se
revestiu, a entrevista de Erfurt não deixou dúvidas quanto ao destino trágico
dêsse «casamento de conveniência»; a réplica de Erfurt, nos nossos dias, foi a
viagem de Molotov a Berlim. Estava a Europa dominada e só a Inglaterra resistia
quando Napoleão resolveu virar o dente ao seu amigo de véspera: sabe-se que a
incursão pela esterpe, que o levou até Moscovo, foi o ponto final da sua bôa
estrela,1812 não foi só o tema heróico das sonoras harmonias de Tchaikowski: foi o comêço do fim. A penosa
retirada da Rússia foi, por duas vezes, o esfrangalhamento da máquina militar
que tinha submetido a Europa. O resto foi a consequência, até Waterloo, ponto
final do pesadelo belicoso de Napoleão.
A Europa ia tentar refazer-se.
Os vencedores convocaram o Congresso de Viena. Ia pelo continente inteiro um
sôpro delirante. Saía-se de uma guerra custosa e prolongada e todos queriam dar
largas ao prazer que as circunstâncias tinham refreado. O congresso de Viena
foi convocado em Maio de 1815, mas só em Setembro estavam presentes tôdas as
delegações: nada menos que 216 chefes de missão representando todos os Estados
existentes ou desejosos de existir. «Tôda a alta sociedade europeia estava lá:
imperadores, reis, príncipes, duques, generais, rainhas, princesas e damas de
toda a ordem, esposas legítimas ou aventureiras», escreve Edmond Rossier. Ou,
então: «Havia em tôrno do congresso uma verdadeira vida de salão; muitas
mulheres lindas, uma plêiade de estrelas e de uniformes, jantares e bailes sem
fim, frases de espírito. Ignoramos se os dois milhões de mortos que apodreciam
nos campos de batalha riram dessas frases de espírito, admiraram essas
elegâncias ou se maravilharam da habilidade dos diplomatas» (Wells).
«OCongresso dança mas não anda», escrevia o príncipe de Ligne.
As figuras do Congresso
No meio desta atmosfera
buliçosa de frivolidade, - em que também se pensava de negócios particulares –
o Congresso abriu a 30 de Outubro de 1814 e foi concluído pela assinatura do
seu «Acto Final» em 9 de Junho do ano seguinte. As principais figuras diplomáticas dêsse grande acontecimento
foram: o príncipe de Methernich, portador da idêia de que todos os soberanos
formavam uma grande família e de que todos os govêrnos eram interessados em se
sustentar mutuamente contra os seus súbditos e em regular as suas querelas pelo
sistema de arbitragem; o extraordinário Talleyrand – servidor sucessivamente do
rei, da Convenção da Republica, do Consulado, do Império e da Restauração! –
que, representante do país vencido, não teve grande trabalho em se atribuir um
logar de grande «vedeta»; o duque de
Wellington, pela Inglaterra; Hardenberg, pela Prússia. O Conde de Palmela,
António Saldanha da Gama (depois Conde do Pôrto Santo) e Joaquim Lobo da
Silveira formavam a delegação portuguesa.
Do arranjo territorial decidido
em 1815 não vale a pena falar, porque pouco ficou, dado o seu caracter
artificial. Mas alguns aspectos são de referir: a Inglaterra manteve o
predomínio marítimo e a posse da Ilha de Malta; a Suiça viu reconhecidas a sua
estrutura federativa e a sua neutralidade perpétua; a liberdade de navegação
nos rios internacionais; a abolição do tráfico de negros.
O equilíbrio da Europa
procurava-se pela presença de cinco grandes potências: Inglaterra, França,
Rússia, Prússia e Áustria. O princípio inspirador dos seus govêrnos era o do
absolutismo, que teria de combates todos os vestígios do ideário da Revolução
Francesa. A Santa Aliança, inspirada pelo tzar Alexandre, assinada
inicialmente pela Rússia, a Prússia e a
Áustria - «Em nome da Santíssima Trindade» -
e aberta à assinatura de todos os príncipes europeus (só a Inglaterra e a Turquia se abstiveram) era virtualmente o complemento
do Congresso de Viena. A Europa, com pouca vontade, mas sem forças, ia ter a
sua lei para perto de 40 anos.
A guerra contra o domínio
prussiano
1871 – Bismarck em Versalhes
(De
branco, bem no centro desta tela de Anton von Werner, Otto von Bismarck
(1815-1898) está no auge de sua carreira política. Trata-se da sagração do imperador
Guilherme 1º, em 18 de Janeiro de 1871. O Império Alemão era proclamado
justamente no salão dos espelhos do Palácio de Versalhes, na França. As
relações teuto-francesas permanecerão tensas por décadas.)
A arquitectura jurídica
internacional posta de pé em Viena mostrou-se firme pelo seu carácter negativo:
não deixar que se manifestassem tentativas de ressurreição do espírito
revolucionário. Os monarcas sentiam-se ligados pela necessidade de provar à sua
própria defesa, à das suas dinastias e à do regime do estreito absolutismo que
tinha instituído. Essa política, traduziu-se sem demora, numa série de
intervenções. Em 1820 foi um ano de levantamentos populares: em Portugal, em
Espanha, em Itália. O Congresso de Verona – era ainda o espírito de Metternich
que tudo orientava - decidiu que o
exército francês entrasse em Espanha para vencer a revolução de Cadiz e
restaurar o Bourbon. Na Itália as prisões encheram-se. É do fundo de um
calabouço que Sílvio Pélico escreve as suas estrofes imortais. O movimento e
jugulado mas a sua significação não cessa de se acentuar. A revolta da Grécia
contra os turcos é da mesma inspiração. As Côrtes europeias alarmam-se, mas o
movimento entusiasma a Europa. De tôda a parte acorrem voluntários por tôda a
parte aparecem os Amigos da Grécia, Lord Byron foi um deles – e tudo
sacrificou: talento, fortuna, bem-estar.
(George
Gordon Byron, 6º Barão Byron FRS (Londres, 22 de janeiro de 1788 — Missolonghi,
19 de abril de 1824), conhecido como Lord Byron, foi um poeta britânico e uma
das figuras mais influentes do romantismo.)
Havia uma expressão intelectual
– evidentemente romântica – que contagiava os povos. Contra o Conselho de
Mathernich, as potências decidem-se a tomar partido – e a Grécia tem a sua
independência reconhecida pelo tratado
de Andrinopla (1830).
Já antes disso o continente americano
dera sinal de si: o Brasil declarou-se independente, a Espanha perdeu todas as
suas colónias americanas (nessa altura, 1823, apenas pôde reter Cuba e as Filipinas) e Monroe proclama a sua
frase histórica: «A américa para os americanos». 1830 foi outro ano de
sobressaltos: a Europa à procura da sua fórmula: revolta em Paris contra as
ordenanças de Julho com a subida ao poder de Luiz Filipe, que aceitou a fórmula
de ser rei «pela graça de Deus e pela vontade do povo»: revolução na Bélgica,
que se separou da Holanda contra o determinado em Viena, e se proclamou
independente; revolução na Polónia, triunfante por um momento, mas que liquidou
na partilha do país; levantamento na Itália (Bolonha, Modena e Parma); na
Alemanha, registavam-se os primeiros sinais para a unidade política, pela união
aduaneira; em Portugal e Espanha, duas Rainhas:
(D.
Maria I (Lisboa, 17 de Dezembro de 1734, - Rio de Janeiro, 20 de Março de
1816).
Maria I e Maria Cristina –
subscreviam constituições liberais. A outra vaga de rebeliões é de 48: na
Áustria, na Itália, na Alemanha em França, Luiz Filipe abdicou em seu neto, mas
os franceses proclamavam a Republica: pela segunda vem a revolução francesa
- a de 1789 e a de 1848 – era atraiçoada
pelos Bonapartes.
(Rainha
Maria Cristina Fernanda (Palermo, 27 de abril de 1806 – Le Havre, 22 de julho
de 1878)
A Luiz Napoleão, eleito
presidente, bastaram dois anos para se fazer proclamar Imperador, pelo golpe de
Estado de 2 de Dezembro. Pela segunda vez, a fórmula imperial, sob a égide
napoleónica ia levar o país à derrota. Em 1852, Napoleão III tinha garantido.
«O Império é a paz!». Mas o seu govêrno – ou as circunstâncias – só revelaram o
contrário: expedição à Crimeia e guerra de Itália (1859), expedições à China e à
Cochichina (1860), expedição à Síria (1861), expedição ao México (1867). No
fim, a fatal guerra franco-prussiana.
O Imperador - «Napoléon, le
petit», como dizem os franceses – tinha-se fiado na mão livre que tinha deixado
ao prussiano, já então dirigido por Bismarck, a quem geralmente se atribue o
poder galvanizador da unidade alemã. Essa unidade, porém, estava feita desde
1848. Bismarck só a aproveitou para lhe dar o feitio do seu temperamento
militar. Por isso a ilusão de Napoleão III foi cruel: a guerra franco-prussiana
foi pouco mais de um episódio, que concluiu nas derrotas de Metz e de Sedan,
ruiu o império e proclamou-se a Republica, que continuou a luta por honra da
França. Mas a denodada resistência de Paris durante o trágico cêrco estava
longe de poder alterar o rumo dos acontecimentos. O cidadão Thiers
encaminhou-se para Versalhes a fim de receber as condições da paz, aí na grande
Galeria dos Espelhos, por entre uma impressionante parada de uniformes, o Rei
da Prússia, Guilherme, foi proclamado Imperador da Alemanha.
Os preliminares foram assinados
em Versalhes, 26 de Fevereiro de 1871. A 10 de Maio assinava-se em Francfort o
tratado definitivo. A França perdia a Alsácia e a Lorena. A Alemanha tornava-se
a primeira potência, a mais temida entre as grandes potencias da Europa. A era
dos grandes sobressaltos apenas tinha tido o seu começo. A maior provação ia
começar.
1919 – O Tratado de Versalhes
(Tratado
de Versalhes, um tratado de paz que pôs fim oficialmente à Primeira Guerra
Mundial.)
O período que segue à guerra de
70 é, por assim dizer, dos nossos dias. Está suficientemente recordado com
frequência para que se torne necessário insistir nos seus pormenores. O caso da
Alsácia e da Lorena foi a razão latente, pois por mais de uma vez a história
tem demonstrado o perigo das anexações sem consulta dos povos interessados. A
França, duramente vencida, só pensou em pagar a indeminização para se ser livre
da presença do exército ocupante. Chorando as suas províncias perdidas,
instituiu o serviço militar obrigatório. A Alemanha não cessou de fazer
aumentar o seu potencial bélico. O resto do continente fez o mesmo: prevenção
geral.
(O Tratado de Versalhes foi
assinado pelas potências europeias em 28 de junho de 1919, impondo severas
obrigações aos alemães.)
No quadro geral da Europa, a
Itália tinha-se unificado, sob a inspiração de Cavour e de Garibaldi e com
beneplácito Inglês. A Rússia por seu turno, denunciou o tratado de Paris de
1856, relativo à neutralização do Mar Negro. A Europa Ocidental, entretida com
as suas querelas particulares, deferiu a questão para uma conferência de
embaixadores (Londres, 1871) que mantem, de um modo geral, a Convenção dos
Estreitos, mas amplia as prorrogativas do Sultão, que poderá, em tempo de paz,
abrir passagem nos Dardanelos aos navios de guerra estrangeiros. O tzar
espreita Constantinopla…
A França vencida parece
isolada. As outras grandes potências que deviam possivelmente desconfiar do
perigo de uma acentuada hegemonia alemã, mostraram-se ao que parece, mais
desconfiados da natureza do regime político interno da França. Bismarck põe a
idéia e chama para ela a adesão do russo e do austríaco. É a «Triplice» que se desenha, com um certo ar
de ressurreição da Santa Aliança. Mas o sentido geral é de inquietação e de
suspeita. Já em 1875 o partido militar alemão parece alarmar-se com o rápido
esfôrço francês de restauração. A «Cruzada» é detida por conselho dos russos,
abertamente apoiados de Londres. A «Entente» começa a encontrar a sua razão de
ser.
Sucedem-se guerras locais,
tratados e conferências: a questão do Oriente, o levante da Bosnia e da
Herzegovina, a Rússia.
(Afirma-se
o tratado de San Stefano (1878)
O tratado de San Stefano (1878)
oferece um rosário de transformação à Europa oriental: a Roménia torna-se
independente, constitui-se a Grande Bulgária, sobre o olhar protector da
Rússia. Nesse mesmo ano, reúne-se uma das mais importantes assembleias da história
diplomática europeia: o congresso de Berlim. Bismarck preside. A Inglaterra
faz-se representar por Disraeli e Salisbury. A nata da diplomacia europeia
estava presente. Desde o congresso de Paris (1856, para regular a guerra da
Crimeia) que não se via coisa de tanta monta. Rossier considera: «Bismarck
presidia com altivez e imparcialidade, poupava os grandes, mas testemunhava um
desinteresse total em face de certas reclamações dos pequenos» …
O tratado tem 36 artigos – é o
complemento do de San Stefano - e regulou a vida da Europa por 36 anos, até
1914. Todo êsse período é de paz armada e assiste-se ao desenvolvimento dos
sistemas de aliança que só poderiam
esperar o pretexto para se chocar. É o período da expansão colonial, com o
intermédio da nova conferência de Berlim (1884), de cujas possíveis clausulas
secretas tanto se falou e escreveu em Portugal. Segue-se um rosário de
incidentes: fachoda, o «coup d’Agadir»,
a guerra do Transvaal, a primeira guerra dos italianos na Etiópia, que lhes
custou o desastre de Aduá.
(Na Conferencia
de Algeciras (15 Janeiro de 7 de abril de 1906) estabeleceu-se a divisão de
Marrocos em zonas de influência entre França e Espanha.)
A Conferência de Algeciras
(1906) é um esfôrço para regular a questão de Marrocos. A Alemanha imperial não
cessa de elevar a voz e de bater o pé.
Depois é a guerra nos Balcans
(1912). Finalmente, em 1914 o atentado de Serajevo faz desencadear as
hostilidades na Europa, por quatro longos, terríveis anos. Em 1918, a Alemanha
e seus aderentes- os impérios centrais – batidos, depois da intervenção
americana, pediram a paz. O Kaiser e seu
filho refugiaram-se na Holanda. O Reich operou a sua transformação política e
assinou o armistício de Novembro. O Congresso de Paris, para tratar da paz,
abriu a 12 de Janeiro de 1919. Tal como Viena, um século antes, a capital
francesa tornou-se a encruzilhada das nações. Todos os desejos, todos os
propósitos, tôdas as ambições ali iam desaguar. Os curiosos eram mais que os
delegados. Os delegados americanos – Wilson à frente – chegaram acompanhados de
suas esposas. E não faltou quem comentasse (Wells) que uma Europa devastada e
retalhada de sofrimento havia de sentir certa surpresa ao ver desembarcar tanta
gente com ar de quem vinha em viagem de recreio. O próprio Wilson, com as suas
lunetas de professor, passou a aparecer fotografado nos jornais em calções de
«golf», visitando os logares inscritos nos roteiros de turismo.
A atmosfera era de alívio – e
de inconsciência. «Com a corrida aos negócios e aos milhões, a corrida aos
divertimentos e aos prazeres. A cada canto abrem as suas portas os dancings onde se comprime uma população
misturada de gestos e costumes confusos. Dansa-se com frenesim no dia seguinte
à guerra, como se dansava no dia seguinte, ao da Revolução, para se aturdir,
para esquecer as emoções da véspera, para se recompor das inquietações
sofridas» - escreveu Zévaês no seu curioso depoimento. Mas não haverá nesta
curiosidade algumas coisas de paixão, talvez alguma coisa de morbidez? Wells
considera a silhueta napoleónica por um prisma bastante diferente do habitual:
«Dá-se geralmente nas histórias do século XIX um lugar completamente
desproporcionado de Napoleão I. Êsse homem não teve senão uma influência
medíocre no vasto movimento que levava a humanidade para a frente: o seu reino
foi apenas um entreacto, a doença infecciosa de um organismo cansado. E mesmo
sob êste aspecto, conheceram-se micróbios mais activos: esse novo César matou
menos gente que a pneumónica em 1918 e transformou menos a ordem social e
política que a peste no tempo do Justiniano».
A ventura napoleónica
Napoleão soube somar todos os
factores que lhe podiam ser favoráveis: a sua aptidão de chefe militar; a
desorganização da europa; o clima “revolucionário” do tempo; a sua ambição pessoal.
Os convencionais falaram a mais pura linguagem patriótica.
(Georges
Jacques Danton (26 de outubro de 1759, Arcis-sur-Aube — 5 de abril de 1794,
Paris) foi um advogado e político francês que se tornou uma figura destacada
nos estágios iniciais da Revolução Francesa.)
Na véspera da declaração de guerra à Grã-Bretanha e à
Holanda, em 1793, Danton proclamava com a maior lucidez:
- Os limites da França, estão
marcados pela Natureza. Atingi-los-emos nos seus quatro pontos principais: o
Oceano, o Reno, os Alpes e os Pirinéus. De Richelieu a Clemenceu – ou mesmo a
De Gaulle – todos os grandes momentos da França fizeram repetir essa fórmula.
A aventura napoleónica, que
fulminou a Europa e foi liquidar-se perante a tenacidade indomável da
Grã-Bretanha, constitue o mais interessante paralelo histórico da dolorosa
experiência da Europa dos nossos dias. Dir-se-ia que passo a passo tudo se
repartiu no mesmo ritmo.
(Os Tratados de Tilsit foram
celebrados pela França de Napoleão I com a Rússia (secreto, 7 de julho de 1807)
e com a Prússia (público, 9 de julho de 1807), na localidade de Tilsit, hoje
Sovetsk.)
Quando Napoleão foi a Tilsit
(1807) encontrar-se com o tzar Alexandre, ofereceu-lhe um acordo e uma partilha
de influência que lhe deixasse as mãos livres a ocidente, não seria capaz de
supor que o seu gesto viria a ser repetido, 132 anos depois, com a
espectaculosa viagem de Ribbentrop a Moscovo. No ano seguinte, apesar do
explendor de que se revestiu, a entrevista de Erfurt não deixou dúvidas quanto
ao destino trágico dêsse «casamento de conveniência»; a réplica de Erfurt, nos
nossos dias, foi a viagem de Molotov a Berlim. Estava a Europa dominada e só a
Inglaterra resistia quando Napoleão resolveu virar o dente ao seu amigo de
véspera: sabe-se que a incursão pela esterpe, que o levou até Moscovo, foi o
ponto final da sua bôa estrela,1812 não foi só o tema heróico das sonoras
harmonias de Tchaikowski: foi o comêço
do fim. A penosa retirada da Rússia foi, por duas vezes, o esfrangalhamento da
máquina militar que tinha submetido a Europa. O resto foi a consequência, até
Waterloo, ponto final do pesadelo belicoso de Napoleão.
A Europa ia tentar refazer-se.
(Era
Napoleónica e Congresso de Viena)
Os vencedores convocaram o
Congresso de Viena. Ia pelo continente inteiro um sôpro delirante. Saía-se de
uma guerra custosa e prolongada e todos queriam dar largas ao prazer que as
circunstâncias tinham refreado. O congresso de Viena foi convocado em Maio de
1815, mas só em Setembro estavam presentes tôdas as delegações: nada menos que
216 chefes de missão representando todos os Estados existentes ou desejosos de
existir. «Tôda a alta sociedade europeia estava lá: imperadores, reis,
príncipes, duques, generais, rainhas, princesas e damas de toda a ordem,
esposas legítimas ou aventureiras», escreve Edmond Rossier. Ou, então: «Havia
em tôrno do congresso uma verdadeira vida de salão; muitas mulheres lindas, uma
plêiade de estrelas e de uniformes, jantares e bailes sem fim, frases de
espírito. Ignoramos se os dois milhões de mortos que apodreciam nos campos de
batalha riram dessas frases de espírito, admiraram essas elegâncias ou se
maravilharam da habilidade dos diplomatas» (Wells). «OCongresso dança mas não
anda», escrevia o príncipe de Ligne.
As figuras do Congresso
No meio desta atmosfera
buliçosa de frivolidade, - em que também se pensava de negócios particulares –
o Congresso abriu a 30 de Outubro de 1814 e foi concluído pela assinatura do
seu «Acto Final» em 9 de Junho do ano seguinte.
(Principe
de Methernich)
As principais figuras diplomáticas dêsse grande acontecimento
foram: o príncipe de Methernich, portador da idêia de que todos os soberanos
formavam uma grande família e de que todos os govêrnos eram interessados em se
sustentar mutuamente contra os seus súbditos e em regular as suas querelas pelo
sistema de arbitragem; o extraordinário Talleyrand – servidor sucessivamente do
rei, da Convenção da Republica, do Consulado, do Império e da Restauração! –
que, representante do país vencido, não teve grande trabalho em se atribuir um
logar de grande «vedeta»; o duque de
Wellington, pela Inglaterra; Hardenberg, pela Prússia. O Conde de Palmela,
António Saldanha da Gama (depois Conde do Pôrto Santo) e Joaquim Lobo da
Silveira formavam a delegação portuguesa.
(D.
Pedro de Sousa Holstein, 1.º Duque de Palmela, (Turim, Reino da Sardenha, 8 de
Maio de 1781 — Lisboa, 12 de Outubro de 1850) foi um político e militar
português do tempo da monarquia.)
(3
Novembro 1814 - Abertura do Congresso de Viena. A delegação portuguesa era
chefiada por António Saldanha da Gama.)
(Joaquim
Lobo da Silveira, diplomata destacado em Estocolmo, n Congresso de Viena.)
Do arranjo territorial decidido
em 1815 não vale a pena falar, porque pouco ficou, dado o seu caracter
artificial. Mas alguns aspectos são de referir: a Inglaterra manteve o
predomínio marítimo e a posse da Ilha de Malta; a Suiça viu reconhecidas a sua
estrutura federativa e a sua neutralidade perpétua; a liberdade de navegação
nos rios internacionais; a abolição do tráfico de negros.
O equilíbrio da Europa
procurava-se pela presença de cinco grandes potências: Inglaterra, França,
Rússia, Prússia e Áustria. O princípio inspirador dos seus govêrnos era o do
absolutismo, que teria de combates todos os vestígios do ideário da Revolução
Francesa. A Santa Aliança, inspirada pelo tzar Alexandre, assinada
inicialmente pela Rússia, a Prússia e a
Áustria - «Em nome da Santíssima Trindade» -
e aberta à assinatura de todos os príncipes europeus (só a Inglaterra e a Turquia se abstiveram) era virtualmente o complemento
do Congresso de Viena. A Europa, com pouca vontade, mas sem forças, ia ter a
sua lei para perto de 40 anos.
A guerra contra o domínio
prussiano
1871 – Bismarck em Versalhes
(Bismarck
em Versalhes)
A arquitectura jurídica
internacional posta de pé em Viena mostrou-se firme pelo seu carácter negativo:
não deixar que se manifestassem tentativas de ressurreição do espírito
revolucionário. Os monarcas sentiam-se ligados pela necessidade de provar à sua
própria defesa, à das suas dinastias e à do regime do estreito absolutismo que
tinha instituído. Essa política, traduziu-se sem demora, numa série de
intervenções. Em 1820 foi um ano de levantamentos populares: em Portugal, em
Espanha, em Itália. O Congresso de Verona – era ainda o espírito de Metternich
que tudo orientava - decidiu que o
exército francês entrasse em Espanha para vencer a revolução de Cadiz e
restaurar o Bourbon. Na Itália as prisões encheram-se. É do fundo de um calabouço
que Sílvio Pélico escreve as suas estrofes imortais. O movimento e jugulado mas
a sua significação não cessa de se acentuar. A revolta da Grécia contra os
turcos é da mesma inspiração. As Côrtes europeias alarmam-se, mas o movimento
entusiasma a Europa. De tôda a parte acorrem voluntários por tôda a parte
aparecem os Amigos da Grécia, Lord Byron foi um deles – e tudo sacrificou:
talento, fortuna, bem-estar. Havia uma expressão intelectual – evidentemente
romântica – que contagiava os povos. Contra o Conselho de Mathernich, as
potências decidem-se a tomar partido – e a Grécia tem a sua independência
reconhecida pelo tratado de Andrinopla
(1830).
Já antes disso o continente
americano dera sinal de si: o Brasil declarou-se independente, a Espanha perdeu
todas as suas colónias americanas (nessa altura, 1823, apenas pôde reter Cuba e as Filipinas) e Monroe proclama a sua
frase histórica: «A américa para os americanos». 1830 foi outro ano de
sobressaltos: a Europa à procura da sua fórmula: revolta em Paris contra as
ordenanças de Julho com a subida ao poder de Luiz Filipe, que aceitou a fórmula
de ser rei «pela graça de Deus e pela vontade do povo»: revolução na Bélgica,
que se separou da Holanda contra o determinado em Viena, e se proclamou
independente; revolução na Polónia, triunfante por um momento, mas que liquidou
na partilha do país; levantamento na Itália (Bolonha, Modena e Parma); na
Alemanha, registavam-se os primeiros sinais para a unidade política, pela união
aduaneira; em Portugal e Espanha, duas Rainhas – Maria I e Maria Cristina –
subscreviam constituições liberais. A outra vaga de rebeliões é de 48: na
Áustria, na Itália, na Alemanha em França, Luiz Filipe abdicou em seu neto, mas
os franceses proclamavam a Republica: pela segunda vem a revolução francesa - a de 1789 e a de 1848 – era atraiçoada pelos
Bonapartes. A Luiz Napoleão, eleito presidente, bastaram dois anos para se
fazer proclamar Imperador, pelo golpe de Estado de 2 de Dezembro. Pela segunda
vez, a fórmula imperial, sob a égide napoleónica ia levar o país à derrota. Em
1852, Napoleão III tinha garantido. «O Império é a paz!». Mas o seu govêrno –
ou as circunstâncias – só revelaram o contrário: expedição à Crimeia e guerra
de Itália (1859), expedições à China e à Cochichina (1860), expedição à Síria
(1861), expedição ao México (1867). No fim, a fatal guerra franco-prussiana.
(Imperador
Napoleão III)
O Imperador - «Napoléon, le
petit», como dizem os franceses – tinha-se fiado na mão livre que tinha deixado
ao prussiano, já então dirigido por Bismarck, a quem geralmente se atribue o
poder galvanizador da unidade alemã. Essa unidade, porém, estava feita desde
1848. Bismarck só a aproveitou para lhe dar o feitio do seu temperamento
militar. Por isso a ilusão de Napoleão III foi cruel: a guerra franco-prussiana
foi pouco mais de um episódio, que concluiu nas derrotas de Metz e de Sedan,
ruiu o império e proclamou-se a Republica, que continuou a luta por honra da
França. Mas a denodada resistência de Paris durante o trágico cêrco estava
longe de poder alterar o rumo dos acontecimentos. O cidadão Thiers
encaminhou-se para Versalhes a fim de receber as condições da paz, aí na grande
Galeria dos Espelhos, por entre uma impressionante parada de uniformes, o Rei
da Prússia, Guilherme, foi proclamado Imperador da Alemanha.
Os preliminares foram assinados
em Versalhes, 26 de Fevereiro de 1871. A 10 de Maio assinava-se em Francfort o
tratado definitivo. A França perdia a Alsácia e a Lorena. A Alemanha tornava-se
a primeira potência, a mais temida entre as grandes potencias da Europa. A era
dos grandes sobressaltos apenas tinha tido o seu começo. A maior provação ia
começar.
1919 – O Tratado de Versalhes
(O
Tratado de Versalhes foi um acordo que abriu portas para uma nova Guerra
Mundial)
O período que segue à guerra de
70 é, por assim dizer, dos nossos dias. Está suficientemente recordado com
frequência para que se torne necessário insistir nos seus pormenores. O caso da
Alsácia e da Lorena foi a razão latente, pois por mais de uma vez a história
tem demonstrado o perigo das anexações sem consulta dos povos interessados. A
França, duramente vencida, só pensou em pagar a indeminização para se ser livre
da presença do exército ocupante. Chorando as suas províncias perdidas,
instituiu o serviço militar obrigatório. A Alemanha não cessou de fazer aumentar
o seu potencial bélico. O resto do continente fez o mesmo: prevenção geral.
No quadro geral da Europa, a
Itália tinha-se unificado, sob a inspiração de Cavour e de Garibaldi e com
beneplácito Inglês. A Rússia por seu turno, denunciou o tratado de Paris de
1856, relativo à neutralização do Mar Negro. A Europa Ocidental, entretida com
as suas querelas particulares, deferiu a questão para uma conferência de
embaixadores (Londres, 1871) que mantem, de um modo geral, a Convenção dos
Estreitos, mas amplia as prorrogativas do Sultão, que poderá, em tempo de paz,
abrir passagem nos Dardanelos aos navios de guerra estrangeiros. O tzar
espreita Constantinopla…
A França vencida parece
isolada. As outras grandes potências que deviam possivelmente desconfiar do perigo
de uma acentuada hegemonia alemã, mostraram-se ao que parece, mais desconfiados
da natureza do regime político interno da França. Bismarck põe a idéia e chama
para ela a adesão do russo e do austríaco. É
a «Triplice» que se desenha, com um certo ar de ressurreição da Santa
Aliança. Mas o sentido geral é de inquietação e de suspeita. Já em 1875 o
partido militar alemão parece alarmar-se com o rápido esfôrço francês de
restauração. A «Cruzada» é detida por conselho dos russos, abertamente apoiados
de Londres. A «Entente» começa a encontrar a sua razão de ser.
Sucedem-se guerras locais,
tratados e conferências: a questão do Oriente, o levante da Bosnia e da
Herzegovina, a Rússia. O tratado de San Stefano (1878) oferece um rosário de
transformação à Europa oriental: a Roménia torna-se independente, constitui-se
a Grande Bulgária, sobre o olhar protector da Rússia. Nesse mesmo ano, reúne-se
uma das mais importantes assembleias da história diplomática europeia: o
congresso de Berlim. Bismarck preside. A Inglaterra faz-se representar por
Disraeli e Salisbury.
(DISRAELI
BENJAMIN: (1804-1881) primeiro-ministro britânico 1874-1880 & SALISBURY
Marquês de (1830-1903) primeiro-ministro britânico 1885-1886, 1886-1892,
1895-1902.)
A nata da diplomacia europeia
estava presente. Desde o congresso de Paris (1856, para regular a guerra da
Crimeia) que não se via coisa de tanta monta. Rossier considera: «Bismarck
presidia com altivez e imparcialidade, poupava os grandes, mas testemunhava um
desinteresse total em face de certas reclamações dos pequenos» …
O tratado tem 36 artigos – é o
complemento do de San Stefano - e regulou a vida da Europa por 36 anos, até
1914. Todo êsse período é de paz armada e assiste-se ao desenvolvimento dos
sistemas de aliança que só poderiam esperar
o pretexto para se chocar. É o período da expansão colonial, com o intermédio
da nova conferência de Berlim (1884), de cujas possíveis clausulas secretas
tanto se falou e escreveu em Portugal. Segue-se um rosário de incidentes: fachoda, o «coup d’Agadir», a guerra do
Transvaal, a primeira guerra dos italianos na Etiópia, que lhes custou o
desastre de Aduá. A Conferência de Algeciras (1906) é um esfôrço para regular a
questão de Marrocos. A Alemanha imperial não cessa de elevar a voz e de bater o
pé.
(Guerra
dos Balcans, 1912-1913.)
Depois é a guerra nos Balcans
(1912). Finalmente, em 1914 o atentado de Serajevo faz desencadear as
hostilidades na Europa, por quatro longos, terríveis anos. Em 1918, a Alemanha
e seus aderentes- os impérios centrais – batidos, depois da intervenção
americana, pediram a paz. O Kaiser e seu
filho refugiaram-se na Holanda. O Reich operou a sua transformação política e
assinou o armistício de Novembro. O Congresso de Paris, para tratar da paz,
abriu a 12 de Janeiro de 1919. Tal como Viena, um século antes, a capital
francesa tornou-se a encruzilhada das nações. Todos os desejos, todos os
propósitos, tôdas as ambições ali iam desaguar. Os curiosos eram mais que os
delegados. Os delegados americanos – Wilson à frente – chegaram acompanhados de
suas esposas. E não faltou quem comentasse (Wells) que uma Europa devastada e
retalhada de sofrimento havia de sentir certa surpresa ao ver desembarcar tanta
gente com ar de quem vinha em viagem de recreio. O próprio Wilson, com as suas lunetas
de professor, passou a aparecer fotografado nos jornais em calções de «golf»,
visitando os logares inscritos nos roteiros de turismo.
A atmosfera era de alívio – e
de inconsciência. «Com a corrida aos negócios e aos milhões, a corrida aos
divertimentos e aos prazeres. A cada canto abrem as suas portas os dancings
onde se comprime uma população misturada de gestos e costumes confusos.
Dansa-se com frenesim no dia seguinte à guerra, como se dansava no dia
seguinte, ao da Revolução, para se aturdir, para esquecer as emoções da
véspera, para se recompor das inquietações sofridas» - escreveu Zévaês no seu
curioso depoimento.
(O
Congresso de Paris, óleo de desconhecido, c. 1860, Museo nazionale del
Risorgimento italiano, Turim.)
O congresso de Paris – a
Conferência da Paz – abriu solenemente e sob a atmosfera do mais franco
optimismo. A sessão solene foi presidida por Poincaré: à sua direita Wilson: à
sua esquerda Lloyd George. Pronunciado o discurso inaugural, Poincaré cedeu o
logar a Clemenceau – o «Tigre» - qua a
conferência, por aclamações, indicou para presidente. Depois a assembleia, para
simplificar, confia os seus poderes ao «Conselho dos Dez», O «Conselho dos Dez»
por sua vez reduz-se ao «Conselho dos Quatro». Eis os «Quatro» frente a frente:
Wilson, Lloyd George, Clemenceau e Orlando, chefes do poder executivo dos
Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da França e da Itália. A pouco o vigor pessoal
de Clemenceau – é conhecido o retrato que dêle deixou Keynes – impôs-se como a
figura dominante do conselho. Os quatro homens eram de formação psicológica
totalmente diferente. Destes homens – só Clemenceau falava a sua própria língua
e alguma coisa de Inglês, pois tinha vivido certo tempo na América e fôra
casado com uma americana. As reuniões no Hotel Grillon, onde a delegação
americana se tinha instalado, são fundamentais: a figura do Coronel House,
secretário de Wilson, é de primeira grandesa; Smuts faz aparecer a sua
verdadeira importância;
(Léon
Bourgeois)
Léon Bourgeois faz evocar as
conferências pacifistas da Haia, de 1899 e 1907, recordação que um comentador
disse ter sido «pouco agradável a Wilson, que julgava ter o mundo começado com
êle…».
Nesta atmosfera de «Coulisse» e
de conselhos restritos se decidiu tudo. Para 7 de Maio, foi marcada nova sessão solene para entrega do tratado de
paz à delegação alemã, convocada para êsse dia. Na Alemanha reagiu-se, o
governo demitiu-se, deixou-se passar tempo e, finalmente a 28 de Junho, cinco
anos precisos sôbre a data de Serajevo, os plenipotenciários puseram as suas
assinaturas no documento. O acto efectuou-se, simbolicamente, na mesma Galeria
dos Espelhos do Palácio de Versalhes onde, em 1871, Bismarck tinha declarado a
fundação do Império Alemão.
De Versalhes a San Francisco
A Paz de Versalhes suscitou vinte
anos de literatura especializada. Com todos os seus defeitos, não lhe faltaram
méritos. O problema das minorias nacionais, que é, talvez de impossível solução
total, foi resolvido dentro de uma medida reveladora da mais apurada boa fé e
do melhor doseamento nacional. Os pontos fundamentais no que diz respeito a
fronteiras: a França recobrou as
províncias da Alsácia e da Lorena, perdidas em 1870; a Jugo-Eslávia e a
Checo-Eslováquia apareceram como Estados; a Polónia foi reconstituída; o
tratado limita os armamentos da Alemanha, determina a ocupação temporária da
Renânia e estabelece uma série de princípios humanitários que constituem o que
se chamou a «Carta do Trabalho». Além disso, instituiu-se a Sociedade das
Nações, com sede em Genebra.
Depois do Tratado de Versalhes,
merecem registar-se os outros instrumentos diplomáticos seus complementares:
Saint-Germain (que retirou alguns fragmentos territoriais á Áustria ), Neuilly
(idem em relação à Bulgária), Trianon (idem em relação à Hungria), Sêvres (idem
em relação à Turquia); Lausanne (regulando a paz entre os Aliados e a Turquia,
a posse das ilhas do mar Egeu e o problema dos Estreitos).
1925 é uma data aparte. A
politica Francesa, orientada por Briand, encaminha-se para os acórdos de Locarno, em que, pela primeira
vez, depois de 1918, a Alemanha é admitida a negociar, não como país vencido,
mas em pleno pé de igualdade, com as outras potências. É a época da confiança
nas aparências. O sorriso inspirador de Stressmann opera o milagre. Estabelece-se
o pacto renano, entre a França, a Inglaterra, a Bélgica, a Itália e a Alemanha
e desenham-se os primeiros sintomas do sistema da segurança colectiva.
A sociedade das Nações – a
grande novidade positiva do período entre as duas guerras do nosso tempo – foi
desde o comêço enfraquecida pela ausência dos Estados-Unidos. O parlamento
norte-americano não ratificou o tratado de Versalhes, Wilson desapareceu do
xadrez internacional, os americanos mergulharam num novo banho de isolacionismo
– de que Roosevelt os libertaria – e o certo é que com essa ausência, o
organismo genebrino deixou dissolver a sua possível eficiência. Fizeram-se
negociações e estabeleceram-se tratados que só pela habilidade de legistas
especiosos podiam articular-se no pacto da Sociedade; esta, por sua vez, sem o
apoio de verdadeiros órgãos executivos e coercitivos, tinha de fazer vista
grossa a pretensões que começavam a elevar a sua voz. O Japão, a Alemanha e a
Itália cada um por sua vez, abandonaram Genebra, para ter a mão livre e nada
foi possível fazer para conter os instintos de dominação que a sua atitude
significava.
Em 1935, a Itália de Mussolini
empreende a conquista da Etiópia; o regime das sanções, aplicado sem vontade,
mostra-se ineficaz. Em Março de 1936, a Alemanha de Hitler faz avançar as suas
divisões sôbre a Renânia – que Versalhes deixara sob regime de desmilitarização
– e considera abolido o trabalho de 1919. Depois já o Mundo não para no declive
para a nova catástrofe: A Itália ocupa a Albania; a Alemanha ocupa a Áustria,
Setembro desse ano (1938) é um lance de angústia. Quando parecia que a guerra
seria inevitável, Neville Chamberlain decide-se ainda na sua última tentativa
de apaziguamento.
O acôrdo de Munich -
capitulação perante as exigências alemãs – desmembrou a Checoslováquia,
deixando que os alemães anexassem a região dos Sudetas e evitou a guerra apenas
por um ano.
(O Acordo de Munique foi que um
chapéu de acordo foi feito na Alemanha. Este acordo permitiu a Alemanha ao
anexo território dos Sudetos do Czchoslovakia da região. O acordo foi realizado
em Munique, Alemanha, e este ato foi um ato que foi efectuar a fim de apaziguar
os líderes desta área.)
Em Março do ano seguinte, as
tropas alemãs ocuparam toda a Checoslováquia. Seguiu-se a contenda de Memel.
Depois, a de Dantzig. I de Setembro de 1939 foi a data da invasão da Polónia,
comêço da guerra que se tornou Mundial e cuja solução, no quadro Europeu, foi
declarada em 8 de Maio com a capitulação da Alemanha.
Tarefa de gigantes
A construção da nova paz parece
tarefa própria para gigantes. Tem de ser, porém, acima de tudo um produto de
boa vontade, compreensão e, mais uma vez, de transigência mútuas. Os povos vêm
de uma experiência de sangue que não surpreenderá se fôr calculada em 15
milhões de vidas. Algumas das últimas grandes batalhas foram dadas pelo esfôrço
de mobilizações a um nível nunca previsto. Mais guerra? Como? Com que forças?
Por muito difícil que seja a obra de erguer a paz, mais penosa será a mínima batalha.
Quando o clarim deu o sinal de
cessar fôgo na Europa, já estava reunida em San Francisco a conferência das
Nações Unidas prevista na de Yalta, Molotov, Eden, Stethinius, ministros dos
Estrangeiros dos «Big Thethrees, tomaram os principais papéis. Evidentemente
falta a presença de Roosevelt como penhor de um acordo mais possível. A sua
experiência, o seu prestígio pessoal, o seu gosto pelas causas mais justas, o
seu próprio temperamento de conciliação terão operado milagres que não podem
repetir-se. Mas outras figuras ficam.
(Sir
Winston Churchill)
Churchill ficará principalmente
na História Inglesa: O grande Primeiro Ministro Smuts talvez venha a reflectir
mais o sentido da «Comonnwealth». Em todos os momentos capitais da evolução da
guerra, sempre a sua voz foi escolhida para anunciar as grandes decisões e as
grandes perspectivas.
(Jan
Smuts, c. 1914)
A sua experiência de 1919 –
Smuts foi, por esta altura, um dos mais activos artífices da construção
versalhiana – dá-lhe especial autoridade para desempenhar ainda um grande papel
na elaboração do novo estatuto pelo qual ficará a reger-se a vida das nações.
Por quanto tempo?
Fonte: Revista Ver e Crer nº2
Junho 1945
Texto: José Ribeiro dos Santos
Fotos da Net
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