sábado, 29 de outubro de 2016

Três Séculos de Tratados

Estávamos em 1945 e já se escrevia assim sobre a Europa na Revista Ver e Crer nº 2 de Junho de 1945.


A 8 de Maio a Europa ouviu soar a notícia de que tinha acabado a guerra. Ao fim de cinco anos e meio de lutas sem paralelo possível, no meio de tantas incertezas e também inquietações, a boa nova chega como um sopro de esperança em dias melhores. Fim da guerra, não quer dizer, porém, fim de canseiras, nem de trabalhos. O Esfôrço na paz tem de ser maior ainda, mais alegre, mais feliz, pois significará a tarefa de restituir o lar, o pão e a justiça aos que o perderam e de os dar aos que nunca os chegaram a ter. A pobre Humanidade poderá, então mostrar a serenidade do seu optimismo e do sorriso aberto da sua confiança.
Na paz prepara-se a guerra, na guerra prepara-se a paz. De cada vez que os diplomatas se reúnem para decidir a nova regra internacional, os povos julgam que tudo foi definitivamente regulado…
Três séculos de tratados á procura da ordem na Europa.

(Europa, desenhada pelo cartógrafo antuérpio Abraham Ortelius em 1595)

Mais uma vez a Europa se debate nas ansiedades tormentosas de procurar a fórmula para se reagrupar, depois de ter passado pela tortura sangrenta de mais uma guerra. Desta vez, porém, esta tentativa de arranjo reveste-se de um aspecto novo, inteiramente novo, de cuja significação nem sempre teremos a paz de espírito precisa para nos apercebermos, mas que ficará, por certo como um dos grandes pontos de referência, de cada vez que, para o futuro, se fizer a história dos grandes acontecimentos diplomáticos de todos os tempos: a Europa perdeu a sua posição de incontestável hegemonia no trato entre as nações. Por certo, já antes desta guerra tinha havido outras cuja significação, cujos reflexos e cuja onda de interesses iam além do nosso continente, mas é fóra de dúvida que a importância dominante em todos os problemas diplomáticos mundiais pertencia à velha Europa. Ainda na liquidação da guerra de 1914-18, não obstante a intervenção de asiáticos e americanos, não obstante o papel de relêvo que Woodrow Wilson tomou, em certo momento como orientador de espírito das negociações e até como inspirador da nova regra, foi na Europa o logar escolhido onde ocorreram os representantes de países de todo o mundo para fixar as normas que iam reger a vida das nações: a paz de Versalhes; como foi na Europa que tomou sede a organização internacional então estabelecida: a Liga de Genebra. Agora é fóra de dúvida que assistimos a uma deslocação de hemogenia: mesmo sem fazer entrar em linha de conta pormenores reveladores dêsse sintoma – o próprio facto de ter sido atribuído a um americano, o general Dwight Eisenhower, o comando supremo das fôrças aliadas que combateram a ocidente – é preciso recordar que foi em território extra-europeu que se efectuaram as principais assembleias das nações durante esta guerra: as cidades americanas de Warn Springs, Bretton Woods, Dumbarton Oaks e, finalmente, San Francisco da Califórnia foram sede e cenário das grandes conferencias internacionais.
Isto acontece, entretanto, pela primeira vez. Todos os grandes instrumentos diplomáticos que têm dominado a vida dos povos e as suas relações entre si foram forjados na Europa.
Quais foram esses instrumentos diplomáticos? Quais foram os grandes momentos, os grandes pilares a fixar na história dessa evolução?
Naturalmente, desde que os homens se organizaram para a vida em sociedade, os organismos sociais, sendo de formação humana, passaram a sofrer  das mesmas virtudes e defeitos que caracterizam os indivíduos: as mesmas paixões, as mesmas ambições, como tudo, como se compreende, em ponto grande. Os pequenos conflitos entre os homens generalizaram-se, passaram a conflitos de classe, de tribu, de cidade, de estado. As desordens passaram a guerras. Tôda a História, afinal, ao menos como se ensina, é a História das guerras: a História da descoberta, a História do pensamento, do esfôrço do homem para dominar as fôrças naturais, domesticá-las pô-las ao seu serviço é quási sempre apresentada como episódio secundário, informação complementar, como se o estado de guerra fosse, realmente, o estado natural da existência social e a razão mater de tôda a vida dos povos. E sempre as guerras se fizeram acompanhar por episódios a que podemos chamar tratados de aliança: e sempre as guerras acabaram por outros episódios a que podemos chamar tratados de paz. Mas êsses lances não tinham ainda a verdadeira essência de espírito e substância para se considerarem instrumentos diplomáticos. A acção diplomática, tal como hoje a concebemos, só se revelou, afinal, no século XVII, durante as negociações que tiveram têrmo com o que se chamou a Paz da Westfalia, em 1648.
Três séculos a percorrer
A guerra ao domínio dos Habsburgos
1648 – A paz de Westfália
A paz de Ausburgo (1555) fôra uma paz de compromisso. Não tinha resolvido nenhum dos problemas latentes entre as duas Europas – a católica e a protestante – e só fôra possível pelo manifesto estado de fadiga entre os beligerantes. O próprio princípio que domina a sua ordenação - «cujus regio ejus religio» - pôe suficientemente em evidência o seu carácter transaccional. Por isso, quando, em 1618, de novo romperam as hostilidades, elas apareceram como consequência natural do choque de dois grupos de rivalidades latentes, de que a Áustria católica e a Prússia protestante se tinham feito, após a abdicação de Carlos V, os dois polos aglutinantes.

(Banquete da Guarda Civil de Amsterdã em celebração da Paz de Münster, por Bartholomeus van der Helst (1648)

Foi a guerra dos trinta anos. Como acontece muitas vezes nas lutas de longa duração, também nesta as coligações se fizeram e desfizeram e, a certa altura, principalmente quando a França de Richelieu se dispôs a intervir, a contenda perdeu todo o seu carácter inicial de guerra religiosa para se tornar pura e simplesmente numa tentativa de procurar uma espécie de equilíbrio, europeu. A Espanha dos Habsburgos caira em decadência, no mesmo tempo que a França crescia de importância, com o impulso dos ministros Sully, Richelieu e Mazarino, Richelieu morreu em 1642, mas pode dizer-se que a sua inspiração esteve presente nas conferências da Westfália, tanto como no jôgo de influências, que levaram ás negociações. Não foi estranho por isso, Richelieu à revolta que, em 1640, levou á restauração da independência de Portugal. O ministro Françês via na tentativa, por assim dizer, uma espécie de manobra a virar as atenções para ocidente, dividindo assim as suas fôrças e diminuindo a importância da sua influência na grande partida que, se disputava no tabuleiro continental. De resto Richelieu tinha o génio dos grandes golpes. Êle pressentiu, a uma distância considerável, que o perigo para a França havia de estar sempre no vizinho de leste: a Alemanha. Por isso, o ministro-cardeal, não perdeu a oportunidade de encorajar um general aventureiro, Bernardo de Weimar, quando êste pensou em fundar um principado independente nas margens do Reno: era já a concepção do Estado-tampão, mas o príncipe morreu subitamente e Richelieu teve que se contentar em tomar ao seu serviço o exército que êle tinha contratado.

(Ratificação do Tratado de Münster (1648), que inaugurou o moderno sistema internacional, ao acatar princípios como a soberania estatal e o Estado-nação. Quadro de Gerard Terborch)

Os nove anos que se seguiram foram de má fortuna para o partido imperial. A guerra durou tanto que os que tinham dado o sinal para o seu começo já haviam desaparecido do mundo dos vivos. A decadência da Casa de Áustria acentuava-se e por toda a parte se punha em evidência que os beligerantes estavam exaustos: de espírito e de bens. Não havia homens, nem armas, nem dinheiro – nem desejo de continuar uma guerra cujas causas já se tinham esquecido. A última arrancada foi em 1648, quando os exércitos franceses e suecos, marchando respectivamente pelo vale do Reno e pela Boémia, convergiam sõbre Viena. A guerra acabava, assim, no mesmo ponto onde tinha começado…

O equilíbrio europeu

Tinha-se formado, já então, uma certa concepção de ordem diplomática: o pensamento que dominava os inspiradores dessa ordem fazia admitir como sendo do interesse de todos os Estados da Europa que nenhum deles devia ser tão forte que pudesse ser tentado a querer dominar os outros: quando um estado já poderoso procurasse ainda mais engrandecer-se, todos os outros deviam sentir-se ameaçados e reunir-se contra êle para estabelecer o equilíbrio Europeu. Era êste o princípio fundamental, a novidade que dominava o pensamento dos homens que iam então negociar o termo da guerra e o restablecimente da harmonia entre os povos.
As negociações, abertas oficialmente ainda em plena guerra, começaram simultaneamente nas cidades de Munster e Osnabruck. Como a guerra em geral, a maior parte das potências estavam representadas. São desta época algumas figuras diplomáticas cujo nome se fixou: os suecos Oxenstierna e Salvius, os franceses d’Avaux e Servien, o austríaco Trautmannsdorf; e dois italianos, o veneziano Contarini, e o romano Fabius Chigi, que depois foi papa sob a designação de Alexandre VII, os quais presidiram aos trabalhos. Considera-se geralmente que a tarefa dos congressos de Westfália foi da maior importância, pois que, tendo sido por assim dizer, o primeiro congresso diplomático de todos os tempos, foi preciso instituir tôdas as regras de trabalho.

(Armand Jean du Plessis, Cardeal de Richelieu, Duque de Richelieu e de Fronsac (Paris, 9 de setembro de 1585 - Paris, 4 de dezembro de 1642) foi um político francês, que foi primeiro-ministro de Luís XIII de 1628 a 1642; foi arquitecto do absolutismo na França e da liderança francesa na Europa.)

Richelieu tinha morrido, mas Mazarino, seu continuador do mesmo porte, revelou-se verdadeiro mestre na arte: junto de tôdas as côrtes dos principados alemães fez pôr em evidência o perigo das ambições do imperador, sugerindo que a França era a potência naturalmente indicada para conter essa febre de ambição e, dêsse modo, não lhe foi difícil fomentar uma verdadeira «clientela» que deu particular importância à sua própria posição.

A Europa no fim da guerra

A guerra dos trinta anos deixou a Alemanha devastada, o comércio e a indústria caíram quási no zero: as perdas de população foram tais que algumas aldeias desceram de 600 a 20 habitantes! No quadro geral da Europa, deu-se por finda a hegemonia da Casa da Áustria. Os arquiduques austríacos continuavam a ter o título de imperadores da Alemanha, mas êste título era apenas nominal, pois se reconhecia os príncipes e sua autonomia perante o imperador e se lhes atribuía o direito de concluir alianças entre si ou com as potências estrangeiras.
A França e a Suécia, «cabeças» da coligação, receberam importantes compensações territoriais. A Suécia tomou o comando do norte, assegurou para si o predomínio Báltico (pelo pôrto de Stettin) e certa influência no mar do Norte. A França fixou-se no Reno, com as «testas de pontes» (como hoje se diria) de Brisach e Philippsbourg na margem oriental.
Duas nações ganharam então, a sua independência: a Holanda e a Suíça.
Do significado inicial – guerra religiosa – não havia mais que uma recordação. As nações perceberam que se batiam por motivos de natureza temporal: por isso, quando o Papa Inocêncio X publicou uma bula, condenando os termos da paz, a sua palavra foi ouvida mas ficou sem consequências. A própria igreja, estava numa fase de decadência, pois os cultos da Reforma tinham sido reconhecidos pela letra dos tratados.

(Papa Inocêncio X, nascido Giambattista Pamphili, ou Pamphilj (Roma, 6 de maio de 1574 — Roma, 7 de janeiro de 1655) foi Papa de 15 de setembro de 1644 até à data da sua morte.)

Fundamentalmente, o objectivo da guerra foi atingido: a hegemonia da Casa de Áustria teve ponto final. Quanto á sua expressão construtiva, talvez valha a pena registar esta opinião de Wells: «Em 1648, os príncipes e os diplomatas reuniram-se no meio das ruinas, para tentar na medida do possível, repor em pé a Europa central. Não se deixou ao Imperador mais que uma sombra de poder. No entanto, um príncipe alemão, o eleitor Hohenzollerm de Brandeburgo, viu os seus territórios aumentados de tal maneira que se tornou o soberano mais poderoso depois do Imperador. Êstes territórios vieram a tornar-se pouco depois (1701) o reino da Prússia». Seja como fôr, em 1648 instituiu-se a regra pela qual a Europa ficou a reger-se durante algumas dezenas de anos.

1713 – O tratado de Utrecht

(Tratado de Utrecht – 1713)

A paz de Westfália foi o modelo, a espinha dorsal da paz que se pretendeu oferecer à Europa. Mas teve os seus complementos locais. O tratado dos Pireneus, assinado em 1659, pôs termo à guerra  entre a Espanha e a França. Pela conclusão dêste instrumento diplomático, a França pelo menos oficialmente, desinteressou-se do destino de Portugal, que teve de continuar a luta, socorrendo-se da aliança inglesa. Os altos e baixos da campanha custaram-nos Tânger e Bombaim. A resistência, porém, não sucumbiu e, finalmente, no tempo de D. Pedro II, a Espanha decidiu-se reconhecer a  independência de Portugal, pelo tratado de Lisboa, assinado em 13 de Fevereiro de 1668. A possessão de Ceuta, porém, foi atribuída aos espanhois. Tinham sido 27 anos de luta, desde o sinal dado pelos conjurados do 1º de Dezembro.
Todo o período que se segue é assinalado pelo predomínio da França no quadro geral das relações europeias. Luíz XIV teve que fazer frente, por sua vez, à ameaça de novas coligações. Alguns episódios diplomáticos: a paz de Aix-la-Chapelle (1668), pela qual a França anexou o Franco-Condado e doze praças da Flandres.
Dêste congresso de Nimegue – a pitoresca cidade holandesa posta em evidência, durante esta guerra, por uma acção de tropas britânicas, quando Montgomery tentou, pela primeira vez, forçar a passagem do Reno – ficaram alguns curiosos pormenores. Porque as ruas da cidade eram estreitas e tortuosas, as delegações estrangeiras convencionaram entre si que as carruagens seriam puxadas apenas por uma parelha, em vez de duas. Luíz XIV, quando soube disso, recusou-se a aceitar, para os seus representantes diplomáticos o que lhe pareceu, verdadeiramente, ser uma humilhação. Uma tempestade num copo de água, poderia julgar-se. Mas o pessoal de serviço doméstico das delegações francesas e espanhola chegou, só por isso, a travar uma pequena mas autêntica batalha de rua…

A grande aliança

Depois foi, para o poderio de Luiz XIV, o quarto minguante. A Europa começava a temer uma hegemonia perigosa: a paz de Ryswick (1673) foi ainda assinada por uma França vitoriosa, mas que era, ao mesmo tempo, uma França já fatigada.

(Luís XIV de Bourbon, conhecido como "Rei-Sol" (5 de setembro de 1638, Saint-Geramin-en-Laye, França - 1 de setembro de 1715, Versailles, França) foi o 64. monarca da França, tendo governado de 1643 até 1715.)

A morte de Carlos II, de Espanha, sem descendentes, em 1760, fez surgir muitos pretendentes por essa Europa fóra, ainda em vida do herdeiro de Filipe IV, que fez testamento em favor de Filipe de Anjou, neto de Luíz XIV. O espanhol tinha pensado que a tutela do francês seria bastante para assegurar a unidade da herança. Mas a Europa desconfiada do predomínio Françês, formou uma coligação contra os Bourbons. Foi a guerra da sucessão, em que a França e a Espanha tiveram que fazer frente à grande aliança, formada pelo tratado da Haia (1701), com a Holanda, Alemanha, Dinamarca, Suécia, Saboia, Inglaterra e Portugal. É a época do grande Malborough. Dizia o artigo 7º do tratado: «A paz não se fará se não de comum acôrdo e com a condição de que as duas corôas da França e da Espanha nunca serão reunidas». Os Ingleses tomaram Gibraltar (1704) e, no ano seguinte, os portugueses entraram em Madrid, sob o comando do Marquês de Minas. Dois episódios ditaram o fim da guerra, porque a coligação deixou de ter interesse no objectivo inicial: a revolução de palácio que originou o eclipse de Malborough e a morte do Imperador José, que levou ao trono o arquiduque Carlos. Como êste era o pretendente que a coligação opunha a Filipe de Anjou, a manutenção da sua candidatura equivalia o restabelecer na Europa o perigo dos Habsburgos… Por tudo isso, apesar do compromisso daquele citado artigo 7º, desde 1711 que começaram a pressentir-se tentativas de paz separada. Luíz XIV revelou-se nesta emergência, o interprete à altura das conveniências nacionais, a que soube sacrificar o interesse dinástico. Em 1712, a coligação estava desfeita e só o austríaco continuou o combate. Mas foi derrotado no ano seguinte e aceitou a paz de Utrecht. No plano Europeu, afastou-se simultaneamente, o perigo da união dinástica franco-espanhola sob a égide bourbónica: a hegemonia da França: e o receio de que ressuscitasse o predomínio austríaco. A Inglaterra fez prevalecer a fórmula do equilíbrio continental. No plano extra-europeu, reconheceu-se à Inglaterra o direito á Terra Nova, à Nova Escócia e aos territórios da baía de Hudson: a Portugal, o direito às margens do Amazonas.

A Guerra contra o domínio de Napoleão
1815 – O congresso de Viena

(Documento da Acta do Congresso de Viena)

O período que se segue ao tratado de Utrecht é caracterizado, talvez, por quatro figuras de dominadores: ainda Luiz XIV, Pedro, o Grande, que aproximou a Rússia da Europa, «ocidentalizando-a»: Frederico, o Grande, que significa o despertar do prussianismo; finalmente, Napoleão Bonaparte. Acontecimentos fundamentais: depois da guerra da sucessão de Espanha, a guerra da sucessão da Áustria e a guerra da sucessão da Polónia; a guerra dos sete anos (1756-1763), a partilha da Polónia, o despertar do turco. E uma fiada de tratados: a quádrupla aliança, Viena (1738), Aix-la-Chapelle (1748), Paris (1763), com os seus preliminares de Fonteinebleau.

(Congresso de Viena, reunião em prol da restauração das monarquias europeias.)

Vem então o sôpro ciclónico da Revolução. A rivalidade entre a França e a Inglaterra tem que se alimentar. Não é difícil, realmente fomentar a suspeita do continente inteiro contra os homens de 1789. Depois a revolução metamorfoseia-se, toma a expressão cesariana, Bonaparte é Napoleão – talvez a figura mais discutida de toda a História, aquele de quem se diz que uma vida inteira não chegaria hoje para ler tudo quanto dêle se escreveu. Mas não haverá nesta curiosidade algumas coisas de paixão, talvez alguma coisa de morbidez? Wells considera a silhueta napoleónica por um prisma bastante diferente do habitual: «Dá-se geralmente nas histórias do século XIX um lugar completamente desproporcionado de Napoleão I.

(Napoleão Bonaparte nasceu em Ajaccio, capital da Córcega, em 15 de agosto de 1869. Desenvolveu sua carreira militar justamente no período da Revolução Francesa. Aos 19 anos já era tenente de artilharia do Grande Exército francês.)

Êsse homem não teve senão uma influência medíocre no vasto movimento que levava a humanidade para a frente: o seu reino foi apenas um entreacto, a doença infecciosa de um organismo cansado. E mesmo sob êste aspecto, conheceram-se micróbios mais activos: esse novo César matou menos gente que a pneumónica em 1918 e transformou menos a ordem social e política que a peste no tempo do Justiniano».

A ventura napoleónica

Napoleão soube somar todos os factores que lhe podiam ser favoráveis: a sua aptidão de chefe militar; a desorganização da europa; o clima “revolucionário” do tempo; a sua ambição pessoal. Os convencionais falaram a mais pura linguagem patriótica. Na véspera da declaração de guerra à Grã-Bretanha e à Holanda, em 1793, Danton proclamava com a maior lucidez:
- Os limites da França, estão marcados pela Natureza. Atingi-los-emos nos seus quatro pontos principais: o Oceano, o Reno, os Alpes e os Pirinéus. De Richelieu a Clemenceu – ou mesmo a De Gaulle – todos os grandes momentos da França fizeram repetir essa fórmula.
A aventura napoleónica, que fulminou a Europa e foi liquidar-se perante a tenacidade indomável da Grã-Bretanha, constitue o mais interessante paralelo histórico da dolorosa experiência da Europa dos nossos dias. Dir-se-ia que passo a passo tudo se repartiu no mesmo ritmo. Quando Napoleão foi a Tilsit (1807) encontrar-se com o tzar Alexandre, ofereceu-lhe um acordo e uma partilha de influência que lhe deixasse as mãos livres a ocidente, não seria capaz de supor que o seu gesto viria a ser repetido, 132 anos depois, com a espectaculosa viagem de Ribbentrop a Moscovo.

(Neste quadro, Ingres retratou Napoleão como um ser quase divino, coberto por um manto de veludo e tendo a cabeça cingida por uma coroa de louros. O cetro, símbolo do poder imperial, está sendo segurado pela sua mão direita.)

 No ano seguinte, apesar do explendor de que se revestiu, a entrevista de Erfurt não deixou dúvidas quanto ao destino trágico dêsse «casamento de conveniência»; a réplica de Erfurt, nos nossos dias, foi a viagem de Molotov a Berlim. Estava a Europa dominada e só a Inglaterra resistia quando Napoleão resolveu virar o dente ao seu amigo de véspera: sabe-se que a incursão pela esterpe, que o levou até Moscovo, foi o ponto final da sua bôa estrela,1812 não foi só o tema heróico das sonoras harmonias de  Tchaikowski: foi o comêço do fim. A penosa retirada da Rússia foi, por duas vezes, o esfrangalhamento da máquina militar que tinha submetido a Europa. O resto foi a consequência, até Waterloo, ponto final do pesadelo belicoso de Napoleão.
A Europa ia tentar refazer-se. Os vencedores convocaram o Congresso de Viena. Ia pelo continente inteiro um sôpro delirante. Saía-se de uma guerra custosa e prolongada e todos queriam dar largas ao prazer que as circunstâncias tinham refreado. O congresso de Viena foi convocado em Maio de 1815, mas só em Setembro estavam presentes tôdas as delegações: nada menos que 216 chefes de missão representando todos os Estados existentes ou desejosos de existir. «Tôda a alta sociedade europeia estava lá: imperadores, reis, príncipes, duques, generais, rainhas, princesas e damas de toda a ordem, esposas legítimas ou aventureiras», escreve Edmond Rossier. Ou, então: «Havia em tôrno do congresso uma verdadeira vida de salão; muitas mulheres lindas, uma plêiade de estrelas e de uniformes, jantares e bailes sem fim, frases de espírito. Ignoramos se os dois milhões de mortos que apodreciam nos campos de batalha riram dessas frases de espírito, admiraram essas elegâncias ou se maravilharam da habilidade dos diplomatas» (Wells). «OCongresso dança mas não anda», escrevia o príncipe de Ligne.

As figuras do Congresso

No meio desta atmosfera buliçosa de frivolidade, - em que também se pensava de negócios particulares – o Congresso abriu a 30 de Outubro de 1814 e foi concluído pela assinatura do seu «Acto Final» em 9 de Junho do ano seguinte. As principais figuras  diplomáticas dêsse grande acontecimento foram: o príncipe de Methernich, portador da idêia de que todos os soberanos formavam uma grande família e de que todos os govêrnos eram interessados em se sustentar mutuamente contra os seus súbditos e em regular as suas querelas pelo sistema de arbitragem; o extraordinário Talleyrand – servidor sucessivamente do rei, da Convenção da Republica, do Consulado, do Império e da Restauração! – que, representante do país vencido, não teve grande trabalho em se atribuir um logar  de grande «vedeta»; o duque de Wellington, pela Inglaterra; Hardenberg, pela Prússia. O Conde de Palmela, António Saldanha da Gama (depois Conde do Pôrto Santo) e Joaquim Lobo da Silveira formavam a delegação portuguesa.
Do arranjo territorial decidido em 1815 não vale a pena falar, porque pouco ficou, dado o seu caracter artificial. Mas alguns aspectos são de referir: a Inglaterra manteve o predomínio marítimo e a posse da Ilha de Malta; a Suiça viu reconhecidas a sua estrutura federativa e a sua neutralidade perpétua; a liberdade de navegação nos rios internacionais; a abolição do tráfico de negros.
O equilíbrio da Europa procurava-se pela presença de cinco grandes potências: Inglaterra, França, Rússia, Prússia e Áustria. O princípio inspirador dos seus govêrnos era o do absolutismo, que teria de combates todos os vestígios do ideário da Revolução Francesa. A Santa Aliança, inspirada pelo tzar Alexandre, assinada inicialmente  pela Rússia, a Prússia e a Áustria - «Em nome da Santíssima Trindade» -  e aberta à assinatura de todos os príncipes europeus  (só a Inglaterra e a Turquia  se abstiveram) era virtualmente o complemento do Congresso de Viena. A Europa, com pouca vontade, mas sem forças, ia ter a sua lei para perto de 40 anos.

A guerra contra o domínio prussiano
1871 – Bismarck em Versalhes

(De branco, bem no centro desta tela de Anton von Werner, Otto von Bismarck (1815-1898) está no auge de sua carreira política. Trata-se da sagração do imperador Guilherme 1º, em 18 de Janeiro de 1871. O Império Alemão era proclamado justamente no salão dos espelhos do Palácio de Versalhes, na França. As relações teuto-francesas permanecerão tensas por décadas.)

A arquitectura jurídica internacional posta de pé em Viena mostrou-se firme pelo seu carácter negativo: não deixar que se manifestassem tentativas de ressurreição do espírito revolucionário. Os monarcas sentiam-se ligados pela necessidade de provar à sua própria defesa, à das suas dinastias e à do regime do estreito absolutismo que tinha instituído. Essa política, traduziu-se sem demora, numa série de intervenções. Em 1820 foi um ano de levantamentos populares: em Portugal, em Espanha, em Itália. O Congresso de Verona – era ainda o espírito de Metternich que tudo orientava -  decidiu que o exército francês entrasse em Espanha para vencer a revolução de Cadiz e restaurar o Bourbon. Na Itália as prisões encheram-se. É do fundo de um calabouço que Sílvio Pélico escreve as suas estrofes imortais. O movimento e jugulado mas a sua significação não cessa de se acentuar. A revolta da Grécia contra os turcos é da mesma inspiração. As Côrtes europeias alarmam-se, mas o movimento entusiasma a Europa. De tôda a parte acorrem voluntários por tôda a parte aparecem os Amigos da Grécia, Lord Byron foi um deles – e tudo sacrificou: talento, fortuna, bem-estar.

(George Gordon Byron, 6º Barão Byron FRS (Londres, 22 de janeiro de 1788 — Missolonghi, 19 de abril de 1824), conhecido como Lord Byron, foi um poeta britânico e uma das figuras mais influentes do romantismo.)

Havia uma expressão intelectual – evidentemente romântica – que contagiava os povos. Contra o Conselho de Mathernich, as potências decidem-se a tomar partido – e a Grécia tem a sua independência reconhecida pelo tratado  de Andrinopla (1830).
Já antes disso o continente americano dera sinal de si: o Brasil declarou-se independente, a Espanha perdeu todas as suas colónias americanas (nessa altura, 1823, apenas pôde reter  Cuba e as Filipinas) e Monroe proclama a sua frase histórica: «A américa para os americanos». 1830 foi outro ano de sobressaltos: a Europa à procura da sua fórmula: revolta em Paris contra as ordenanças de Julho com a subida ao poder de Luiz Filipe, que aceitou a fórmula de ser rei «pela graça de Deus e pela vontade do povo»: revolução na Bélgica, que se separou da Holanda contra o determinado em Viena, e se proclamou independente; revolução na Polónia, triunfante por um momento, mas que liquidou na partilha do país; levantamento na Itália (Bolonha, Modena e Parma); na Alemanha, registavam-se os primeiros sinais para a unidade política, pela união aduaneira; em Portugal e Espanha, duas Rainhas:

(D. Maria I (Lisboa, 17 de Dezembro de 1734, - Rio de Janeiro, 20 de Março de 1816).

Maria I e Maria Cristina – subscreviam constituições liberais. A outra vaga de rebeliões é de 48: na Áustria, na Itália, na Alemanha em França, Luiz Filipe abdicou em seu neto, mas os franceses proclamavam a Republica: pela segunda vem a revolução francesa -  a de 1789 e a de 1848 – era atraiçoada pelos Bonapartes.

(Rainha Maria Cristina Fernanda (Palermo, 27 de abril de 1806 – Le Havre, 22 de julho de 1878)

A Luiz Napoleão, eleito presidente, bastaram dois anos para se fazer proclamar Imperador, pelo golpe de Estado de 2 de Dezembro. Pela segunda vez, a fórmula imperial, sob a égide napoleónica ia levar o país à derrota. Em 1852, Napoleão III tinha garantido. «O Império é a paz!». Mas o seu govêrno – ou as circunstâncias – só revelaram o contrário: expedição à Crimeia e guerra de Itália (1859), expedições à China e à Cochichina (1860), expedição à Síria (1861), expedição ao México (1867). No fim, a fatal guerra franco-prussiana.
O Imperador - «Napoléon, le petit», como dizem os franceses – tinha-se fiado na mão livre que tinha deixado ao prussiano, já então dirigido por Bismarck, a quem geralmente se atribue o poder galvanizador da unidade alemã. Essa unidade, porém, estava feita desde 1848. Bismarck só a aproveitou para lhe dar o feitio do seu temperamento militar. Por isso a ilusão de Napoleão III foi cruel: a guerra franco-prussiana foi pouco mais de um episódio, que concluiu nas derrotas de Metz e de Sedan, ruiu o império e proclamou-se a Republica, que continuou a luta por honra da França. Mas a denodada resistência de Paris durante o trágico cêrco estava longe de poder alterar o rumo dos acontecimentos. O cidadão Thiers encaminhou-se para Versalhes a fim de receber as condições da paz, aí na grande Galeria dos Espelhos, por entre uma impressionante parada de uniformes, o Rei da Prússia, Guilherme, foi proclamado Imperador da Alemanha.
Os preliminares foram assinados em Versalhes, 26 de Fevereiro de 1871. A 10 de Maio assinava-se em Francfort o tratado definitivo. A França perdia a Alsácia e a Lorena. A Alemanha tornava-se a primeira potência, a mais temida entre as grandes potencias da Europa. A era dos grandes sobressaltos apenas tinha tido o seu começo. A maior provação ia começar.

1919 – O Tratado de Versalhes

(Tratado de Versalhes, um tratado de paz que pôs fim oficialmente à Primeira Guerra Mundial.)

O período que segue à guerra de 70 é, por assim dizer, dos nossos dias. Está suficientemente recordado com frequência para que se torne necessário insistir nos seus pormenores. O caso da Alsácia e da Lorena foi a razão latente, pois por mais de uma vez a história tem demonstrado o perigo das anexações sem consulta dos povos interessados. A França, duramente vencida, só pensou em pagar a indeminização para se ser livre da presença do exército ocupante. Chorando as suas províncias perdidas, instituiu o serviço militar obrigatório. A Alemanha não cessou de fazer aumentar o seu potencial bélico. O resto do continente fez o mesmo: prevenção geral.

(O Tratado de Versalhes foi assinado pelas potências europeias em 28 de junho de 1919, impondo severas obrigações aos alemães.)

No quadro geral da Europa, a Itália tinha-se unificado, sob a inspiração de Cavour e de Garibaldi e com beneplácito Inglês. A Rússia por seu turno, denunciou o tratado de Paris de 1856, relativo à neutralização do Mar Negro. A Europa Ocidental, entretida com as suas querelas particulares, deferiu a questão para uma conferência de embaixadores (Londres, 1871) que mantem, de um modo geral, a Convenção dos Estreitos, mas amplia as prorrogativas do Sultão, que poderá, em tempo de paz, abrir passagem nos Dardanelos aos navios de guerra estrangeiros. O tzar espreita Constantinopla…
A França vencida parece isolada. As outras grandes potências que deviam possivelmente desconfiar do perigo de uma acentuada hegemonia alemã, mostraram-se ao que parece, mais desconfiados da natureza do regime político interno da França. Bismarck põe a idéia e chama para ela a adesão do russo e do austríaco. É  a «Triplice» que se desenha, com um certo ar de ressurreição da Santa Aliança. Mas o sentido geral é de inquietação e de suspeita. Já em 1875 o partido militar alemão parece alarmar-se com o rápido esfôrço francês de restauração. A «Cruzada» é detida por conselho dos russos, abertamente apoiados de Londres. A «Entente» começa a encontrar a sua razão de ser.
Sucedem-se guerras locais, tratados e conferências: a questão do Oriente, o levante da Bosnia e da Herzegovina, a Rússia.

(Afirma-se o tratado de San Stefano (1878)

O tratado de San Stefano (1878) oferece um rosário de transformação à Europa oriental: a Roménia torna-se independente, constitui-se a Grande Bulgária, sobre o olhar protector da Rússia. Nesse mesmo ano, reúne-se uma das mais importantes assembleias da história diplomática europeia: o congresso de Berlim. Bismarck preside. A Inglaterra faz-se representar por Disraeli e Salisbury. A nata da diplomacia europeia estava presente. Desde o congresso de Paris (1856, para regular a guerra da Crimeia) que não se via coisa de tanta monta. Rossier considera: «Bismarck presidia com altivez e imparcialidade, poupava os grandes, mas testemunhava um desinteresse total em face de certas reclamações dos pequenos» …
O tratado tem 36 artigos – é o complemento do de San Stefano - e regulou a vida da Europa por 36 anos, até 1914. Todo êsse período é de paz armada e assiste-se ao desenvolvimento dos sistemas de aliança  que só poderiam esperar o pretexto para se chocar. É o período da expansão colonial, com o intermédio da nova conferência de Berlim (1884), de cujas possíveis clausulas secretas tanto se falou e escreveu em Portugal. Segue-se um rosário de incidentes:  fachoda, o «coup d’Agadir», a guerra do Transvaal, a primeira guerra dos italianos na Etiópia, que lhes custou o desastre de Aduá.

(Na Conferencia de Algeciras (15 Janeiro de 7 de abril de 1906) estabeleceu-se a divisão de Marrocos em zonas de influência entre França e Espanha.)

A Conferência de Algeciras (1906) é um esfôrço para regular a questão de Marrocos. A Alemanha imperial não cessa de elevar a voz e de bater o pé.
Depois é a guerra nos Balcans (1912). Finalmente, em 1914 o atentado de Serajevo faz desencadear as hostilidades na Europa, por quatro longos, terríveis anos. Em 1918, a Alemanha e seus aderentes- os impérios centrais – batidos, depois da intervenção americana, pediram a paz. O Kaiser  e seu filho refugiaram-se na Holanda. O Reich operou a sua transformação política e assinou o armistício de Novembro. O Congresso de Paris, para tratar da paz, abriu a 12 de Janeiro de 1919. Tal como Viena, um século antes, a capital francesa tornou-se a encruzilhada das nações. Todos os desejos, todos os propósitos, tôdas as ambições ali iam desaguar. Os curiosos eram mais que os delegados. Os delegados americanos – Wilson à frente – chegaram acompanhados de suas esposas. E não faltou quem comentasse (Wells) que uma Europa devastada e retalhada de sofrimento havia de sentir certa surpresa ao ver desembarcar tanta gente com ar de quem vinha em viagem de recreio. O próprio Wilson, com as suas lunetas de professor, passou a aparecer fotografado nos jornais em calções de «golf», visitando os logares inscritos nos roteiros de turismo.
A atmosfera era de alívio – e de inconsciência. «Com a corrida aos negócios e aos milhões, a corrida aos divertimentos e aos prazeres. A cada canto abrem as suas portas  os dancings onde se comprime uma população misturada de gestos e costumes confusos. Dansa-se com frenesim no dia seguinte à guerra, como se dansava no dia seguinte, ao da Revolução, para se aturdir, para esquecer as emoções da véspera, para se recompor das inquietações sofridas» - escreveu Zévaês no seu curioso depoimento. Mas não haverá nesta curiosidade algumas coisas de paixão, talvez alguma coisa de morbidez? Wells considera a silhueta napoleónica por um prisma bastante diferente do habitual: «Dá-se geralmente nas histórias do século XIX um lugar completamente desproporcionado de Napoleão I. Êsse homem não teve senão uma influência medíocre no vasto movimento que levava a humanidade para a frente: o seu reino foi apenas um entreacto, a doença infecciosa de um organismo cansado. E mesmo sob êste aspecto, conheceram-se micróbios mais activos: esse novo César matou menos gente que a pneumónica em 1918 e transformou menos a ordem social e política que a peste no tempo do Justiniano».

A ventura napoleónica

Napoleão soube somar todos os factores que lhe podiam ser favoráveis: a sua aptidão de chefe militar; a desorganização da europa; o clima “revolucionário” do tempo; a sua ambição pessoal. Os convencionais falaram a mais pura linguagem patriótica.

(Georges Jacques Danton (26 de outubro de 1759, Arcis-sur-Aube — 5 de abril de 1794, Paris) foi um advogado e político francês que se tornou uma figura destacada nos estágios iniciais da Revolução Francesa.)

Na véspera  da declaração de guerra à Grã-Bretanha e à Holanda, em 1793, Danton proclamava com a maior lucidez:
- Os limites da França, estão marcados pela Natureza. Atingi-los-emos nos seus quatro pontos principais: o Oceano, o Reno, os Alpes e os Pirinéus. De Richelieu a Clemenceu – ou mesmo a De Gaulle – todos os grandes momentos da França fizeram repetir essa fórmula.
A aventura napoleónica, que fulminou a Europa e foi liquidar-se perante a tenacidade indomável da Grã-Bretanha, constitue o mais interessante paralelo histórico da dolorosa experiência da Europa dos nossos dias. Dir-se-ia que passo a passo tudo se repartiu no mesmo ritmo.

(Os Tratados de Tilsit foram celebrados pela França de Napoleão I com a Rússia (secreto, 7 de julho de 1807) e com a Prússia (público, 9 de julho de 1807), na localidade de Tilsit, hoje Sovetsk.)

Quando Napoleão foi a Tilsit (1807) encontrar-se com o tzar Alexandre, ofereceu-lhe um acordo e uma partilha de influência que lhe deixasse as mãos livres a ocidente, não seria capaz de supor que o seu gesto viria a ser repetido, 132 anos depois, com a espectaculosa viagem de Ribbentrop a Moscovo. No ano seguinte, apesar do explendor de que se revestiu, a entrevista de Erfurt não deixou dúvidas quanto ao destino trágico dêsse «casamento de conveniência»; a réplica de Erfurt, nos nossos dias, foi a viagem de Molotov a Berlim. Estava a Europa dominada e só a Inglaterra resistia quando Napoleão resolveu virar o dente ao seu amigo de véspera: sabe-se que a incursão pela esterpe, que o levou até Moscovo, foi o ponto final da sua bôa estrela,1812 não foi só o tema heróico das sonoras harmonias de  Tchaikowski: foi o comêço do fim. A penosa retirada da Rússia foi, por duas vezes, o esfrangalhamento da máquina militar que tinha submetido a Europa. O resto foi a consequência, até Waterloo, ponto final do pesadelo belicoso de Napoleão.

A Europa ia tentar refazer-se.

(Era Napoleónica e Congresso de Viena)

Os vencedores convocaram o Congresso de Viena. Ia pelo continente inteiro um sôpro delirante. Saía-se de uma guerra custosa e prolongada e todos queriam dar largas ao prazer que as circunstâncias tinham refreado. O congresso de Viena foi convocado em Maio de 1815, mas só em Setembro estavam presentes tôdas as delegações: nada menos que 216 chefes de missão representando todos os Estados existentes ou desejosos de existir. «Tôda a alta sociedade europeia estava lá: imperadores, reis, príncipes, duques, generais, rainhas, princesas e damas de toda a ordem, esposas legítimas ou aventureiras», escreve Edmond Rossier. Ou, então: «Havia em tôrno do congresso uma verdadeira vida de salão; muitas mulheres lindas, uma plêiade de estrelas e de uniformes, jantares e bailes sem fim, frases de espírito. Ignoramos se os dois milhões de mortos que apodreciam nos campos de batalha riram dessas frases de espírito, admiraram essas elegâncias ou se maravilharam da habilidade dos diplomatas» (Wells). «OCongresso dança mas não anda», escrevia o príncipe de Ligne.

As figuras do Congresso

No meio desta atmosfera buliçosa de frivolidade, - em que também se pensava de negócios particulares – o Congresso abriu a 30 de Outubro de 1814 e foi concluído pela assinatura do seu «Acto Final» em 9 de Junho do ano seguinte.

(Principe de Methernich)

As principais figuras  diplomáticas dêsse grande acontecimento foram: o príncipe de Methernich, portador da idêia de que todos os soberanos formavam uma grande família e de que todos os govêrnos eram interessados em se sustentar mutuamente contra os seus súbditos e em regular as suas querelas pelo sistema de arbitragem; o extraordinário Talleyrand – servidor sucessivamente do rei, da Convenção da Republica, do Consulado, do Império e da Restauração! – que, representante do país vencido, não teve grande trabalho em se atribuir um logar  de grande «vedeta»; o duque de Wellington, pela Inglaterra; Hardenberg, pela Prússia. O Conde de Palmela, António Saldanha da Gama (depois Conde do Pôrto Santo) e Joaquim Lobo da Silveira formavam a delegação portuguesa.

(D. Pedro de Sousa Holstein, 1.º Duque de Palmela, (Turim, Reino da Sardenha, 8 de Maio de 1781 — Lisboa, 12 de Outubro de 1850) foi um político e militar português do tempo da monarquia.)

(3 Novembro 1814 - Abertura do Congresso de Viena. A delegação portuguesa era chefiada por António Saldanha da Gama.)

(Joaquim Lobo da Silveira, diplomata destacado em Estocolmo, n Congresso de Viena.)

Do arranjo territorial decidido em 1815 não vale a pena falar, porque pouco ficou, dado o seu caracter artificial. Mas alguns aspectos são de referir: a Inglaterra manteve o predomínio marítimo e a posse da Ilha de Malta; a Suiça viu reconhecidas a sua estrutura federativa e a sua neutralidade perpétua; a liberdade de navegação nos rios internacionais; a abolição do tráfico de negros.
O equilíbrio da Europa procurava-se pela presença de cinco grandes potências: Inglaterra, França, Rússia, Prússia e Áustria. O princípio inspirador dos seus govêrnos era o do absolutismo, que teria de combates todos os vestígios do ideário da Revolução Francesa. A Santa Aliança, inspirada pelo tzar Alexandre, assinada inicialmente  pela Rússia, a Prússia e a Áustria - «Em nome da Santíssima Trindade» -  e aberta à assinatura de todos os príncipes europeus  (só a Inglaterra e a Turquia  se abstiveram) era virtualmente o complemento do Congresso de Viena. A Europa, com pouca vontade, mas sem forças, ia ter a sua lei para perto de 40 anos.

A guerra contra o domínio prussiano

1871 – Bismarck em Versalhes

(Bismarck em Versalhes)

A arquitectura jurídica internacional posta de pé em Viena mostrou-se firme pelo seu carácter negativo: não deixar que se manifestassem tentativas de ressurreição do espírito revolucionário. Os monarcas sentiam-se ligados pela necessidade de provar à sua própria defesa, à das suas dinastias e à do regime do estreito absolutismo que tinha instituído. Essa política, traduziu-se sem demora, numa série de intervenções. Em 1820 foi um ano de levantamentos populares: em Portugal, em Espanha, em Itália. O Congresso de Verona – era ainda o espírito de Metternich que tudo orientava -  decidiu que o exército francês entrasse em Espanha para vencer a revolução de Cadiz e restaurar o Bourbon. Na Itália as prisões encheram-se. É do fundo de um calabouço que Sílvio Pélico escreve as suas estrofes imortais. O movimento e jugulado mas a sua significação não cessa de se acentuar. A revolta da Grécia contra os turcos é da mesma inspiração. As Côrtes europeias alarmam-se, mas o movimento entusiasma a Europa. De tôda a parte acorrem voluntários por tôda a parte aparecem os Amigos da Grécia, Lord Byron foi um deles – e tudo sacrificou: talento, fortuna, bem-estar. Havia uma expressão intelectual – evidentemente romântica – que contagiava os povos. Contra o Conselho de Mathernich, as potências decidem-se a tomar partido – e a Grécia tem a sua independência reconhecida pelo tratado  de Andrinopla (1830).
Já antes disso o continente americano dera sinal de si: o Brasil declarou-se independente, a Espanha perdeu todas as suas colónias americanas (nessa altura, 1823, apenas pôde reter  Cuba e as Filipinas) e Monroe proclama a sua frase histórica: «A américa para os americanos». 1830 foi outro ano de sobressaltos: a Europa à procura da sua fórmula: revolta em Paris contra as ordenanças de Julho com a subida ao poder de Luiz Filipe, que aceitou a fórmula de ser rei «pela graça de Deus e pela vontade do povo»: revolução na Bélgica, que se separou da Holanda contra o determinado em Viena, e se proclamou independente; revolução na Polónia, triunfante por um momento, mas que liquidou na partilha do país; levantamento na Itália (Bolonha, Modena e Parma); na Alemanha, registavam-se os primeiros sinais para a unidade política, pela união aduaneira; em Portugal e Espanha, duas Rainhas – Maria I e Maria Cristina – subscreviam constituições liberais. A outra vaga de rebeliões é de 48: na Áustria, na Itália, na Alemanha em França, Luiz Filipe abdicou em seu neto, mas os franceses proclamavam a Republica: pela segunda vem a revolução francesa -  a de 1789 e a de 1848 – era atraiçoada pelos Bonapartes. A Luiz Napoleão, eleito presidente, bastaram dois anos para se fazer proclamar Imperador, pelo golpe de Estado de 2 de Dezembro. Pela segunda vez, a fórmula imperial, sob a égide napoleónica ia levar o país à derrota. Em 1852, Napoleão III tinha garantido. «O Império é a paz!». Mas o seu govêrno – ou as circunstâncias – só revelaram o contrário: expedição à Crimeia e guerra de Itália (1859), expedições à China e à Cochichina (1860), expedição à Síria (1861), expedição ao México (1867). No fim, a fatal guerra franco-prussiana.

(Imperador Napoleão III)

O Imperador - «Napoléon, le petit», como dizem os franceses – tinha-se fiado na mão livre que tinha deixado ao prussiano, já então dirigido por Bismarck, a quem geralmente se atribue o poder galvanizador da unidade alemã. Essa unidade, porém, estava feita desde 1848. Bismarck só a aproveitou para lhe dar o feitio do seu temperamento militar. Por isso a ilusão de Napoleão III foi cruel: a guerra franco-prussiana foi pouco mais de um episódio, que concluiu nas derrotas de Metz e de Sedan, ruiu o império e proclamou-se a Republica, que continuou a luta por honra da França. Mas a denodada resistência de Paris durante o trágico cêrco estava longe de poder alterar o rumo dos acontecimentos. O cidadão Thiers encaminhou-se para Versalhes a fim de receber as condições da paz, aí na grande Galeria dos Espelhos, por entre uma impressionante parada de uniformes, o Rei da Prússia, Guilherme, foi proclamado Imperador da Alemanha.
Os preliminares foram assinados em Versalhes, 26 de Fevereiro de 1871. A 10 de Maio assinava-se em Francfort o tratado definitivo. A França perdia a Alsácia e a Lorena. A Alemanha tornava-se a primeira potência, a mais temida entre as grandes potencias da Europa. A era dos grandes sobressaltos apenas tinha tido o seu começo. A maior provação ia começar.

1919 – O Tratado de Versalhes

(O Tratado de Versalhes foi um acordo que abriu portas para uma nova Guerra Mundial)

O período que segue à guerra de 70 é, por assim dizer, dos nossos dias. Está suficientemente recordado com frequência para que se torne necessário insistir nos seus pormenores. O caso da Alsácia e da Lorena foi a razão latente, pois por mais de uma vez a história tem demonstrado o perigo das anexações sem consulta dos povos interessados. A França, duramente vencida, só pensou em pagar a indeminização para se ser livre da presença do exército ocupante. Chorando as suas províncias perdidas, instituiu o serviço militar obrigatório. A Alemanha não cessou de fazer aumentar o seu potencial bélico. O resto do continente fez o mesmo: prevenção geral.
No quadro geral da Europa, a Itália tinha-se unificado, sob a inspiração de Cavour e de Garibaldi e com beneplácito Inglês. A Rússia por seu turno, denunciou o tratado de Paris de 1856, relativo à neutralização do Mar Negro. A Europa Ocidental, entretida com as suas querelas particulares, deferiu a questão para uma conferência de embaixadores (Londres, 1871) que mantem, de um modo geral, a Convenção dos Estreitos, mas amplia as prorrogativas do Sultão, que poderá, em tempo de paz, abrir passagem nos Dardanelos aos navios de guerra estrangeiros. O tzar espreita Constantinopla…
A França vencida parece isolada. As outras grandes potências que deviam possivelmente desconfiar do perigo de uma acentuada hegemonia alemã, mostraram-se ao que parece, mais desconfiados da natureza do regime político interno da França. Bismarck põe a idéia e chama para ela a adesão do russo e do austríaco. É  a «Triplice» que se desenha, com um certo ar de ressurreição da Santa Aliança. Mas o sentido geral é de inquietação e de suspeita. Já em 1875 o partido militar alemão parece alarmar-se com o rápido esfôrço francês de restauração. A «Cruzada» é detida por conselho dos russos, abertamente apoiados de Londres. A «Entente» começa a encontrar a sua razão de ser.
Sucedem-se guerras locais, tratados e conferências: a questão do Oriente, o levante da Bosnia e da Herzegovina, a Rússia. O tratado de San Stefano (1878) oferece um rosário de transformação à Europa oriental: a Roménia torna-se independente, constitui-se a Grande Bulgária, sobre o olhar protector da Rússia. Nesse mesmo ano, reúne-se uma das mais importantes assembleias da história diplomática europeia: o congresso de Berlim. Bismarck preside. A Inglaterra faz-se representar por Disraeli e Salisbury.

(DISRAELI BENJAMIN: (1804-1881) primeiro-ministro britânico 1874-1880 & SALISBURY Marquês de (1830-1903) primeiro-ministro britânico 1885-1886, 1886-1892, 1895-1902.)

A nata da diplomacia europeia estava presente. Desde o congresso de Paris (1856, para regular a guerra da Crimeia) que não se via coisa de tanta monta. Rossier considera: «Bismarck presidia com altivez e imparcialidade, poupava os grandes, mas testemunhava um desinteresse total em face de certas reclamações dos pequenos» …
O tratado tem 36 artigos – é o complemento do de San Stefano - e regulou a vida da Europa por 36 anos, até 1914. Todo êsse período é de paz armada e assiste-se ao desenvolvimento dos sistemas de aliança  que só poderiam esperar o pretexto para se chocar. É o período da expansão colonial, com o intermédio da nova conferência de Berlim (1884), de cujas possíveis clausulas secretas tanto se falou e escreveu em Portugal. Segue-se um rosário de incidentes:  fachoda, o «coup d’Agadir», a guerra do Transvaal, a primeira guerra dos italianos na Etiópia, que lhes custou o desastre de Aduá. A Conferência de Algeciras (1906) é um esfôrço para regular a questão de Marrocos. A Alemanha imperial não cessa de elevar a voz e de bater o pé.

(Guerra dos Balcans, 1912-1913.)

Depois é a guerra nos Balcans (1912). Finalmente, em 1914 o atentado de Serajevo faz desencadear as hostilidades na Europa, por quatro longos, terríveis anos. Em 1918, a Alemanha e seus aderentes- os impérios centrais – batidos, depois da intervenção americana, pediram a paz. O Kaiser  e seu filho refugiaram-se na Holanda. O Reich operou a sua transformação política e assinou o armistício de Novembro. O Congresso de Paris, para tratar da paz, abriu a 12 de Janeiro de 1919. Tal como Viena, um século antes, a capital francesa tornou-se a encruzilhada das nações. Todos os desejos, todos os propósitos, tôdas as ambições ali iam desaguar. Os curiosos eram mais que os delegados. Os delegados americanos – Wilson à frente – chegaram acompanhados de suas esposas. E não faltou quem comentasse (Wells) que uma Europa devastada e retalhada de sofrimento havia de sentir certa surpresa ao ver desembarcar tanta gente com ar de quem vinha em viagem de recreio. O próprio Wilson, com as suas lunetas de professor, passou a aparecer fotografado nos jornais em calções de «golf», visitando os logares inscritos nos roteiros de turismo.
A atmosfera era de alívio – e de inconsciência. «Com a corrida aos negócios e aos milhões, a corrida aos divertimentos e aos prazeres. A cada canto abrem as suas portas os dancings onde se comprime uma população misturada de gestos e costumes confusos. Dansa-se com frenesim no dia seguinte à guerra, como se dansava no dia seguinte, ao da Revolução, para se aturdir, para esquecer as emoções da véspera, para se recompor das inquietações sofridas» - escreveu Zévaês no seu curioso depoimento.

(O Congresso de Paris, óleo de desconhecido, c. 1860, Museo nazionale del Risorgimento italiano, Turim.)

O congresso de Paris – a Conferência da Paz – abriu solenemente e sob a atmosfera do mais franco optimismo. A sessão solene foi presidida por Poincaré: à sua direita Wilson: à sua esquerda Lloyd George. Pronunciado o discurso inaugural, Poincaré cedeu o logar  a Clemenceau – o «Tigre» - qua a conferência, por aclamações, indicou para presidente. Depois a assembleia, para simplificar, confia os seus poderes ao «Conselho dos Dez», O «Conselho dos Dez» por sua vez reduz-se ao «Conselho dos Quatro». Eis os «Quatro» frente a frente: Wilson, Lloyd George, Clemenceau e Orlando, chefes do poder executivo dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da França e da Itália. A pouco o vigor pessoal de Clemenceau – é conhecido o retrato que dêle deixou Keynes – impôs-se como a figura dominante do conselho. Os quatro homens eram de formação psicológica totalmente diferente. Destes homens – só Clemenceau falava a sua própria língua e alguma coisa de Inglês, pois tinha vivido certo tempo na América e fôra casado com uma americana. As reuniões no Hotel Grillon, onde a delegação americana se tinha instalado, são fundamentais: a figura do Coronel House, secretário de Wilson, é de primeira grandesa; Smuts faz aparecer a sua verdadeira importância;

(Léon Bourgeois)

Léon Bourgeois faz evocar as conferências pacifistas da Haia, de 1899 e 1907, recordação que um comentador disse ter sido «pouco agradável a Wilson, que julgava ter o mundo começado com êle…».
Nesta atmosfera de «Coulisse» e de conselhos restritos se decidiu tudo. Para 7 de Maio, foi marcada  nova sessão solene para entrega do tratado de paz à delegação alemã, convocada para êsse dia. Na Alemanha reagiu-se, o governo demitiu-se, deixou-se passar tempo e, finalmente a 28 de Junho, cinco anos precisos sôbre a data de Serajevo, os plenipotenciários puseram as suas assinaturas no documento. O acto efectuou-se, simbolicamente, na mesma Galeria dos Espelhos do Palácio de Versalhes onde, em 1871, Bismarck tinha declarado a fundação do Império Alemão.

De Versalhes a San Francisco

A Paz de Versalhes suscitou vinte anos de literatura especializada. Com todos os seus defeitos, não lhe faltaram méritos. O problema das minorias nacionais, que é, talvez de impossível solução total, foi resolvido dentro de uma medida reveladora da mais apurada boa fé e do melhor doseamento nacional. Os pontos fundamentais no que diz respeito a fronteiras:  a França recobrou as províncias da Alsácia e da Lorena, perdidas em 1870; a Jugo-Eslávia e a Checo-Eslováquia apareceram como Estados; a Polónia foi reconstituída; o tratado limita os armamentos da Alemanha, determina a ocupação temporária da Renânia e estabelece uma série de princípios humanitários que constituem o que se chamou a «Carta do Trabalho». Além disso, instituiu-se a Sociedade das Nações, com sede em Genebra.
Depois do Tratado de Versalhes, merecem registar-se os outros instrumentos diplomáticos seus complementares: Saint-Germain (que retirou alguns fragmentos territoriais á Áustria ), Neuilly (idem em relação à Bulgária), Trianon (idem em relação à Hungria), Sêvres (idem em relação à Turquia); Lausanne (regulando a paz entre os Aliados e a Turquia, a posse das ilhas do mar Egeu e o problema dos Estreitos).
1925 é uma data aparte. A politica Francesa, orientada por Briand, encaminha-se para os  acórdos de Locarno, em que, pela primeira vez, depois de 1918, a Alemanha é admitida a negociar, não como país vencido, mas em pleno pé de igualdade, com as outras potências. É a época da confiança nas aparências. O sorriso inspirador de Stressmann opera o milagre. Estabelece-se o pacto renano, entre a França, a Inglaterra, a Bélgica, a Itália e a Alemanha e desenham-se os primeiros sintomas do sistema da segurança colectiva.
A sociedade das Nações – a grande novidade positiva do período entre as duas guerras do nosso tempo – foi desde o comêço enfraquecida pela ausência dos Estados-Unidos. O parlamento norte-americano não ratificou o tratado de Versalhes, Wilson desapareceu do xadrez internacional, os americanos mergulharam num novo banho de isolacionismo – de que Roosevelt os libertaria – e o certo é que com essa ausência, o organismo genebrino deixou dissolver a sua possível eficiência. Fizeram-se negociações e estabeleceram-se tratados que só pela habilidade de legistas especiosos podiam articular-se no pacto da Sociedade; esta, por sua vez, sem o apoio de verdadeiros órgãos executivos e coercitivos, tinha de fazer vista grossa a pretensões que começavam a elevar a sua voz. O Japão, a Alemanha e a Itália cada um por sua vez, abandonaram Genebra, para ter a mão livre e nada foi possível fazer para conter os instintos de dominação que a sua atitude significava.
Em 1935, a Itália de Mussolini empreende a conquista da Etiópia; o regime das sanções, aplicado sem vontade, mostra-se ineficaz. Em Março de 1936, a Alemanha de Hitler faz avançar as suas divisões sôbre a Renânia – que Versalhes deixara sob regime de desmilitarização – e considera abolido o trabalho de 1919. Depois já o Mundo não para no declive para a nova catástrofe: A Itália ocupa a Albania; a Alemanha ocupa a Áustria, Setembro desse ano (1938) é um lance de angústia. Quando parecia que a guerra seria inevitável, Neville Chamberlain decide-se ainda na sua última tentativa de apaziguamento. 
O acôrdo de Munich - capitulação perante as exigências alemãs – desmembrou a Checoslováquia, deixando que os alemães anexassem a região dos Sudetas e evitou a guerra apenas por um ano.

(O Acordo de Munique foi que um chapéu de acordo foi feito na Alemanha. Este acordo permitiu a Alemanha ao anexo território dos Sudetos do Czchoslovakia da região. O acordo foi realizado em Munique, Alemanha, e este ato foi um ato que foi efectuar a fim de apaziguar os líderes desta área.)

Em Março do ano seguinte, as tropas alemãs ocuparam toda a Checoslováquia. Seguiu-se a contenda de Memel. Depois, a de Dantzig. I de Setembro de 1939 foi a data da invasão da Polónia, comêço da guerra que se tornou Mundial e cuja solução, no quadro Europeu, foi declarada em 8 de Maio com a capitulação da Alemanha.

Tarefa de gigantes

A construção da nova paz parece tarefa própria para gigantes. Tem de ser, porém, acima de tudo um produto de boa vontade, compreensão e, mais uma vez, de transigência mútuas. Os povos vêm de uma experiência de sangue que não surpreenderá se fôr calculada em 15 milhões de vidas. Algumas das últimas grandes batalhas foram dadas pelo esfôrço de mobilizações a um nível nunca previsto. Mais guerra? Como? Com que forças? Por muito difícil que seja a obra de erguer a paz, mais penosa será a mínima batalha.
Quando o clarim deu o sinal de cessar fôgo na Europa, já estava reunida em San Francisco a conferência das Nações Unidas prevista na de Yalta, Molotov, Eden, Stethinius, ministros dos Estrangeiros dos «Big Thethrees, tomaram os principais papéis. Evidentemente falta a presença de Roosevelt como penhor de um acordo mais possível. A sua experiência, o seu prestígio pessoal, o seu gosto pelas causas mais justas, o seu próprio temperamento de conciliação terão operado milagres que não podem repetir-se. Mas outras figuras ficam.

(Sir Winston Churchill)

Churchill ficará principalmente na História Inglesa: O grande Primeiro Ministro Smuts talvez venha a reflectir mais o sentido da «Comonnwealth». Em todos os momentos capitais da evolução da guerra, sempre a sua voz foi escolhida para anunciar as grandes decisões e as grandes perspectivas.

(Jan Smuts, c. 1914)

A sua experiência de 1919 – Smuts foi, por esta altura, um dos mais activos artífices da construção versalhiana – dá-lhe especial autoridade para desempenhar ainda um grande papel na elaboração do novo estatuto pelo qual ficará a reger-se a vida das nações.
Por quanto tempo?

Fonte: Revista Ver e Crer nº2 Junho 1945
Texto: José Ribeiro dos Santos
Fotos da Net
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