Morrer Islâmico
No médio Oriente é difícil morrer sozinho. O Médico, em viagem, descobre uma cultura feita de rituais diferentes, rigorosos e sem pressas.
(Cemitério muçulmano de Sidi
el Mezri em Monastir Tunísia)
A morte é parte da vida. Uma parte da vida tão difícil de aceitar quanto mais sofisticada é a cultura e que se morre. Se alguns povos celebram a morte como um renascimento, outros são os que a choram perpetuamente inumando as suas vidas em roupa negra e cemitérios solitários. Hábitos e culturas diferentes. Nascemos a gritar no meio de muita gente. Todos se preparam para nos receber em festa. Quando morremos, muitas vezes fazemo-lo sozinhos, sem que ninguém se aperceba em silêncio.
No médio Oriente é difícil morrer sozinho. Só existe
um tipo de família: aquela em que todos partilham o mesmo chão, a mesma
refeição, o mesmo quotidiano, o mesmo tempo. Quando o fim se anuncia, há sempre
tempo. Tempo para pegar numa mão, para beijar uma face. Tempo para trocar as
últimas palavras de afecto. Tempo para começar a construção da memória, essa
vida eterna que nos assiste.
A morte anuncia-se discretamente e tudo deve ser
executado segundo esta regra. O ritmo acelera. Há pouco tempo para preparar o
enterro. Todo o processo será feito com rigor mas rapidamente. Inicia-se a
lavagem do corpo. Homens lavam mulheres e mulheres lavam mulheres. Crianças com
menos de oito anos de idade podem ser lavadas por ambos os sexos. Depois de
colocar o corpo num estrado elevado, circula-se à sua volte três, cinco ou sete
vezes queimando incenso. É chegado o momento de lavar o corpo três vezes. Se
estiver limpo não é necessário lavar outra vez. No entanto, se o corpo ainda
não estiver conforme o estabelecido deve continuar a ser lavado sempre em número
ímpar de vezes. Se à sexta lavagem já estiver pronto, uma sétima lavagem será
executada.
A água deve ser fria, a não ser que o tempo não o
permita ou o corpo demasiado sujo. Pode-se perfumar as partes do corpo que
contactam com o chão durante a prostração.
O corpo correctamente lavado deve ser correctamente
vestido. A escolha do vestuário é criteriosa. As roupas devem ser do próprio mas,
se não existir roupa digna, é da responsabilidade do seu representante legal
providenciar o traje. O cadáver só está autorizado a vestir aquilo que lhe era
permitido em vida. Seda pura tingida com açafrão ou bordados com ouro são
estritamente proibidos aos homens. São igualmente proibidos versos do Corão no
vestido, roupa excessivamente cara ou escolhida em vida para o efeito.
Deseja-se roupa branca, a estrear ou usada, simples. A oração pode ser feita em
casa, na mesquita ou no cemitério, mas obedece a uma fórmula obriga ao seu
reinício. O corpo é colocado diante dos crentes com a cabeça do lado direito.
Uma pessoa falecida deve ser sempre acompanhada até ao local do seu enterro. Se
o cortejo se fizer a pé, toda a gente segue à frente do caixão. Uma mulher só é
autorizada a seguir atrás do caixão caso se trate do seu marido e apenas se se
souber comportar dignamente. Chorar é permitido, mas manifestações exaltadas
são completamente interditas. Disse o profeta Maomé: «Aquele que bate na sua
cara, rasga a sua roupa ou chora os seus mortos como no tempo dos dias da
ignorância não é um de nós.»
Fonte: Revista Única (Expresso)
Texto: Luís Mieiro
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