sexta-feira, 2 de março de 2018

Morte

Morrer Islâmico

No médio Oriente é difícil morrer sozinho. O Médico, em viagem, descobre uma cultura feita de rituais diferentes, rigorosos e sem pressas.

 

(Cemitério muçulmano de Sidi el Mezri em Monastir Tunísia)

A morte é parte da vida. Uma parte da vida tão difícil de aceitar quanto mais sofisticada é a cultura e que se morre. Se alguns povos celebram a morte como um renascimento, outros são os que a choram perpetuamente inumando as suas vidas em roupa negra e cemitérios solitários. Hábitos e culturas diferentes. Nascemos a gritar no meio de muita gente. Todos se preparam para nos receber em festa. Quando morremos, muitas vezes fazemo-lo sozinhos, sem que ninguém se aperceba em silêncio.

No médio Oriente é difícil morrer sozinho. Só existe um tipo de família: aquela em que todos partilham o mesmo chão, a mesma refeição, o mesmo quotidiano, o mesmo tempo. Quando o fim se anuncia, há sempre tempo. Tempo para pegar numa mão, para beijar uma face. Tempo para trocar as últimas palavras de afecto. Tempo para começar a construção da memória, essa vida eterna que nos assiste.

A morte anuncia-se discretamente e tudo deve ser executado segundo esta regra. O ritmo acelera. Há pouco tempo para preparar o enterro. Todo o processo será feito com rigor mas rapidamente. Inicia-se a lavagem do corpo. Homens lavam mulheres e mulheres lavam mulheres. Crianças com menos de oito anos de idade podem ser lavadas por ambos os sexos. Depois de colocar o corpo num estrado elevado, circula-se à sua volte três, cinco ou sete vezes queimando incenso. É chegado o momento de lavar o corpo três vezes. Se estiver limpo não é necessário lavar outra vez. No entanto, se o corpo ainda não estiver conforme o estabelecido deve continuar a ser lavado sempre em número ímpar de vezes. Se à sexta lavagem já estiver pronto, uma sétima lavagem será executada.

A água deve ser fria, a não ser que o tempo não o permita ou o corpo demasiado sujo. Pode-se perfumar as partes do corpo que contactam com o chão durante a prostração.

O corpo correctamente lavado deve ser correctamente vestido. A escolha do vestuário é criteriosa. As roupas devem ser do próprio mas, se não existir roupa digna, é da responsabilidade do seu representante legal providenciar o traje. O cadáver só está autorizado a vestir aquilo que lhe era permitido em vida. Seda pura tingida com açafrão ou bordados com ouro são estritamente proibidos aos homens. São igualmente proibidos versos do Corão no vestido, roupa excessivamente cara ou escolhida em vida para o efeito. Deseja-se roupa branca, a estrear ou usada, simples. A oração pode ser feita em casa, na mesquita ou no cemitério, mas obedece a uma fórmula obriga ao seu reinício. O corpo é colocado diante dos crentes com a cabeça do lado direito. Uma pessoa falecida deve ser sempre acompanhada até ao local do seu enterro. Se o cortejo se fizer a pé, toda a gente segue à frente do caixão. Uma mulher só é autorizada a seguir atrás do caixão caso se trate do seu marido e apenas se se souber comportar dignamente. Chorar é permitido, mas manifestações exaltadas são completamente interditas. Disse o profeta Maomé: «Aquele que bate na sua cara, rasga a sua roupa ou chora os seus mortos como no tempo dos dias da ignorância não é um de nós.»

Fonte: Revista Única (Expresso)

Texto: Luís Mieiro

Fotos da Net

©CarlosCoelho