domingo, 1 de março de 2009

Manuel de Arriaga

 

Manuel de Arriaga foi o primeiro Presidente eleito da República Portuguesa, no dia 24 de agosto de 1911. Tinha 71 anos e era um dos nomes mais prestigiados do republicanismo.

Devido às crescentes rivalidades e lutas internas entre os republicanos, Manuel de Arriaga acabaria por renunciar ao cargo, a 29 de maio de 1915, três meses antes do final do mandato.

Manuel José de Arriaga Brum da Silveira nasceu na cidade da Horta, Açores, a 8 de Julho de 1840, filho de Sebastião de Arriaga Brum da Silveira e de Maria Antónia Pardal Ramos Caldeira de Arriaga, oriundos da pequena nobreza local.

A 12 de Outubro de 1861, Manuel de Arriaga partiu para o continente, ingressando no curso de Direito da Universidade de Coimbra. Em 1866 concluiu o bacharelato e em 1875 a licenciatura.

(Foto - Lucrécia de Brito Berredo Furtado de Melo, mulher de Manuel de Arriaga. 1912)

Em 1874 casou com Lucrécia de Brito Furtado de Melo, de família oriunda da Ilha do Pico, de quem teve seis filhos.

Atividade profissional

Depois de terminar o bacharelato em Leis, Manuel de Arriaga viveu entre Lisboa e Coimbra, privando com nomes da intelectualidade portuguesa como Antero de Quental, Oliveira Martins, Luciano Cordeiro, Eça de Queiroz e Batalha Reis.

 (Foto - Residência do Presidente da República Manuel de Arriaga, na rua de São Francisco da Paula, atual rua Presidente Arriaga, esquina com a travessa do Olival a Santos. 1910-1920)

(Foto - O Presidente da República Manuel de Arriaga, sentado, ao centro, com membros do Governo presidido por Bernardino Machado, à direita do Presidente, na atual Sala Império do Palácio de Belém. Nesta época, conservava, ainda, parte da decoração da Sala do Bilhar do tempo de D. Carlos. 1914)

Em 1875 abriu escritório de advogado em Lisboa (Rua da Prata), actividade que exerceu em simultâneo com a de professor de inglês no Liceu Central de Lisboa (mais tarde, Liceu Passos Manuel). No ano seguinte, integrou a comissão de reforma da educação secundária, pelo Liceu Central. Em 1878 tentou iniciar uma carreira no ensino superior, candidatando-se a um lugar no Curso Superior de Letras, mas foi preterido em favor de Consiglieri Pedroso. Nesse mesmo ano, foi convidado para ser professor dos príncipes D. Carlos e D. Afonso, cargo que recusou por motivos político-ideológicos. Dois anos mais tarde, foi excluído do Liceu Central devido a uma alteração da legislação de contratação de professores. Como advogado, defendeu vários clientes em processos de cariz político e de liberdade de imprensa.

(Foto - O Presidente da República Manuel de Arriaga e o seu filho e secretário, Roque Manuel de Arriaga, na varanda do Palácio de Belém. 1912-08)

Dedicou-se, em paralelo, à escrita, publicando o primeiro livro de poemas em 1887 (“Canto ao Pico”). Em 1897 terminou o romance “Síntese Suprema, a um Mundo novo, a uma Alma nova” (nunca publicado); em 1899 publicou “Cantos Sagrados” (poesia); em 1901 “Irradiações” (poesia) e em 1907 “Harmonias Sociais. O problema humano e a futura organização social. A Paz dos Povos.”

Na sequência da implantação da República, foi nomeado procurador-geral da República (19 de Outubro de 1910) e reitor da Universidade de Coimbra (31 de Outubro de 1910).

Percurso político


(Foto - O Presidente da República Manuel de Arriaga em visita à Escola-Oficina n.º 1 da Graça. A Escola foi criada em 1905, com princípios pedagógicos modernos, assentes na aprendizagem teórica e prática, no estímulo e na capacitação do aluno, em detrimento do ensino tradicional, livresco e punitivo. Foi dirigida por republicanos, anarquistas e maçons. 1911-12-24)

Membro da geração de 70, Manuel de Arriaga aderiu aos ideais republicanos e interveio, desde muito cedo, na vida política e cultural do país. Em Maio de 1871 foi um dos 12 signatários do programa das Conferências Democráticas do Casino, ao lado de intelectuais como Antero de Quental, Adolfo Coelho, Teófilo Braga, Eça de Queirós, José Fontana, Oliveira Martins, Guilherme de Azevedo ou Jaime Batalha Reis. A iniciativa visava preparar a opinião pública para o debate de temas filosóficos, sociais e científicos, então em voga na Europa e, simultaneamente, planear um novo rumo para os destinos de Portugal. Iniciadas a 22 de Maio de 1871, as conferências foram interrompidas por ordem das autoridades monárquicas a 22 de Junho seguinte, com o argumento de que sustentavam "doutrinas e proposições que atacavam a religião e as instituições políticas do Estado".

Manuel de Arriaga foi um membro destacado da facção republicana federalista, tendo sido um dos responsáveis pela criação do Centro Republicano Federal de Lisboa, em Janeiro de 1880. Surgido das divergências no seio do Centro Republicano Democrático de Lisboa, procurou imprimir ao movimento republicano um carácter mais popular e assumidamente antimonárquico. Em Maio do mesmo ano foi eleito presidente da mesa da Assembleia Geral do Centro Republicano.

(Foto - O Presidente da República Manuel de Arriaga, acompanhado pelos netos, nos jardins do palácio do Manteigueiro, onde passou a residir, após a sua nomeação. Esteve nesta casa pouco tempo, pois em 1912 foi autorizado a mudar-se para o Palácio de Belém. 1912-04)

Participou activamente nas comemorações do Tricentenário de Camões, presidindo ao banquete em honra da Câmara Municipal de Lisboa e da Comissão Executiva de Imprensa para as festas do Centenário, em Julho de 1880. Na sequência dessa participação, demitiu-se do Centro Republicano Federal onde foi criticado por ter participado em brindes à Monarquia. Em 1881 discursou em comícios de protesto contra o Tratado de Lourenço Marques.

Em Junho de 1882, apresentou o Projecto de Organização Definitiva do Partido Republicano Português, documento que representou a primeira sistematização do ideário republicano.

Em 1883 foi eleito deputado republicano pelo círculo do Funchal e em 1890 pelo de Lisboa. Em 1885 foi vereador da Câmara Municipal de Lisboa. Nessa qualidade, desenvolveu uma intensa actividade oratória nos comícios de propaganda republicana. Em Janeiro de 1890, na sequência das manifestações contra o Ultimato britânico de 11 de Janeiro de 1890, Manuel de Arriaga foi preso por falar à população, em Lisboa, numa altura em que os comícios estavam proibidos.

Em Janeiro de 1891, no congresso do PRP, foi eleito membro do Directório do PRP. Manuel de Arriaga e os restantes elementos do Directório não aprovaram a revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891, no Porto, por considerarem não estarem reunidas as condições necessárias para o seu sucesso.

Em 1896 integrou o Grupo Republicano de Estudos Sociais, iniciativa que visava constituir uma espécie de consciência moral e crítica do movimento republicano.

Em 1898, Manuel de Arriaga pediu a demissão do Directório do Partido Republicano, continuando, porém, uma intensa atividade de intervenção cívica, participando em comícios e conferências.

No seguimento da implantação da República, foi empossado reitor da Universidade de Coimbra, a 19 de Outubro e Procurador-Geral da República a 16 de Novembro de 1910.

Assembleia Nacional Constituinte e eleição para Presidente da República

Em Junho de 1911 foi eleito deputado à Assembleia Nacional Constituinte, pelo círculo do Funchal, presidindo às Comissões de Redacção e dos Negócios Estrangeiros.

A eleição do primeiro Presidente da República foi pautada por uma forte competição, tendo-se equacionado os nomes de Anselmo Braamcamp Freire, Correia Barreto, Basílio Teles, José Relvas, Manuel de Arriaga, Bernardino Machado, Duarte Leite, Sebastião de Magalhães Lima e Alves da Veiga.

Manuel de Arriaga e Bernardino Machado, os dois principais candidatos, apresentavam apoios e programas políticos alternativos. Arriaga, proposto pelos partidários de António José de Almeida, chefe da tendência evolucionista, e de Brito Camacho, defendia os temas caros aos moderados: conciliação nacional, respeito pela legalidade, ordem pública e revisão da Lei da Separação. Bernardino Machado, proposto pela tendência que iria dar origem ao Partido Democrático de Afonso Costa, advogava a unidade do PRP, a manutenção do núcleo duro da legislação do governo provisório (designadamente a Lei da Separação) e o prosseguimento do combate aos inimigos do regime.

A 24 de Agosto de 1911 Manuel de Arriaga foi eleito primeiro Presidente constitucional da República Portuguesa. Recolheu 121 votos, contra 86 de Bernardino Machado, 4 de Duarte Leite, 1 de Sebastião de Magalhães Lima, 1 de Alves da Veiga e 4 listas em branco.

Depois da Presidência

Após abandonar a Presidência dedicou-se à redacção das suas memórias. Publica, em 1916, o seu último livro intitulado Na Primeira Presidência da República Portuguesa. Um Rápido Relatório, onde justificou a sua conduta política durante o período em que foi chefe do Estado.

Morreu em Lisboa a 5 de Março de 1917 com 76 anos de idade. Por indicação do governo de António José de Almeida, o seu funeral teve honras de Estado, ficando sepultado no Cemitério dos Prazeres. A 16 de Setembro de 2004, por decisão da Assembleia da República, Manuel de Arriaga foi trasladado para o Panteão Nacional, com honras de chefe de Estado.

(Foto - Funeral de Manuel de Arriaga. Os alunos da Escola de Guerra asseguram a guarda de honra ao féretro do antigo Presidente, junto à sua casa, na rua de São Francisco de Paula, atual rua Presidente Arriaga. 1917

Mandato Presidencial

24 de agosto de 1911 - 29 de maio de 1915

A Presidência de Manuel de Arriaga pautou-se por dificuldades várias, decorrentes, sobretudo, das rivalidades e lutas que desde cedo começaram a minar a unidade da família republicana.


(Foto - O Presidente da República Manuel de Arriaga, saindo do Palácio de São Bento, após a cerimónia da sua tomada de posse. 1911-08-24)

A primeira tarefa do recém-empossado chefe de Estado foi a de formar o 1.º Governo Constitucional. A intenção era constituir um ministério de unidade da família republicana, à beira de profundas cisões. Inicialmente escolheu Duarte Leite - personalidade não conotada com qualquer das correntes republicanas -, que não conseguiu formar governo, dada a recusa dos principais líderes republicanos. Manuel de Arriaga recorreu então a João Chagas, cujo ministério tomou posse a 4 de Setembro de 1911. O executivo era composto exclusivamente por personalidades próximas do "bloco" que elegera Arriaga e manteve-se em funções até 12 de Novembro de 1911.

(Foto de Manuel de Arriaga, recém-eleito Presidente da República, saindo do Palácio de São Bento, a caminho do Palácio de Belém, para uma receção aos membros do Governo e deputados. 1911-08-24)

Perante as divisões que se acentuaram na Câmara dos Deputados (democráticos ou radicais, unionistas, evolucionistas e independentes), as dificuldades do I Governo eram evidentes. À divisão efectiva das forças republicanas juntou-se, a 29 de Setembro de 1911, uma tentativa de insurreição militar no Porto e, entre 1 e 5 de Outubro, a primeira incursão monárquica, realizada por uma coluna de Paiva Couceiro a partir da Galiza.

Um dos principais problemas do novo ministério reside na escolha do general Joaquim Pimenta de Castro para titular da pasta da Guerra, grande inimigo dos apoiantes de Afonso Costa no Exército. Em causa estavam as estratégias de moderação ou de radicalização da actuação republicana, particularmente face aos liberais monárquicos. O general fora demitido no dia 8 de Outubro, na sequência da primeira incursão monárquica de Paiva Couceiro.

A 20 de Outubro de 1911 dá-se a primeira cisão no PRP, com a desvinculação de António José de Almeida. Paralelamente, depois do Congresso do Partido Republicano, que decorre entre 27 e 30 de Outubro, consagra-se a hegemonia dos "democráticos" de Afonso Costa. Após o Congresso do PRP, essa facção passou a designar-se Partido Democrático.

A divisão republicana é irremediável e a João Chagas não restava senão demitir-se. Fê-lo a 7 de Novembro de 1911, por entender que o seu governo já não representava a maioria dos republicanos.

Manuel de Arriaga chamou António José de Almeida a formar governo. Perante a recusa deste, recorreu ao ex-ministro dos Negócios Estrangeiros de João Chagas, o médico Augusto de Vasconcelos. O seu executivo entrou em funções a 12 de Novembro de 1911, representando mais uma tentativa de constituir um "governo de coligação". Manteve-se em funções até 16 de Junho de 1912. O novo governo procurarava constituir-se em torno da União Nacional Republicana (UNR), tentativa de transformar o "bloco" que elegera Arriaga no partido de centro-direita que fosse uma alternativa aos democráticos de Afonso Costa. No entanto, a UNR teve uma existência efémera.

Em Fevereiro de 1912, António José de Almeida fundou o Partido Evolucionista e dois dias depois Brito Camacho anuncia a criação da União Republicana.

Depois do pedido de exoneração de Augusto de Vasconcelos, Manuel de Arriaga insistiu em nova solução de ministério de "concentração". Após várias diligências, entrou em funções a 16 de Junho o governo presidido por Duarte Leite. Dele fizeram parte três democráticos, dois evolucionistas e um independente próximo da UNR. Manteve-se em funções até 9 de Janeiro de 1913.

Duarte Leite demitiu-se a 6 de Janeiro de 1913 e Manuel de Arriaga tentou chamar Basílio Teles e depois António José de Almeida, que, no entanto, recusaram. Apoiado pelos unionistas e independentes, foi empossado a 9 de Janeiro o primeiro governo homogéneo da República presidido por Afonso Costa. Manteve-se em funções até 9 de Fevereiro de 1914. O executivo elegeu o equilíbrio orçamental como a principal prioridade. Através de uma política de contenção orçamental (com a chamada "lei-travão" de 15 de Março de 1913 e a Lei dos adidos de 14 de Junho do mesmo ano) e do aumento das receitas (por intermédio da reforma da contribuição industrial e predial e do imposto de transmissão), conseguiu saldos positivos nos orçamentos de 1912-1913 e 1913-1914. Foi a primeira vitória do ministério democrático.

Apesar da gestão de Afonso Costa continuar a caracterizar-se pela sua política de "racha-sindicalistas", o número de greves decaiu (35 em 1912, 19 em 1913 e 10 em 1914). Quanto à agitação monárquica, ela estava longe de se considerar concluída.

Uma tentativa revolucionária ocorreu a 20 de Julho de 1913, quando elementos afectos à monarquia tentam assaltar vários quartéis de Lisboa. A de maior relevo ocorreu a 21 de Outubro de 1913 dirigida por João de Azevedo Coutinho. Embora prevista também para o Porto, acabou por se restringir à capital com a destruição das redacções dos jornais O Dia e A Nação e alguns estragos no Museu da Revolução. As hostes republicanas minoritárias também conspiravam contra o Partido Democrático.

A 27 de Abril de 1913 o governo sofreu a primeira contestação civil e militar com origem numa das componentes da revolução do 5 de Outubro. Inspirada por Machado dos Santos, intentona consistiu na organização de manifestações de civis junto do Ministério do Interior e de alguns aquartelamentos de Lisboa e na saída de uma coluna de Infantaria 5, que acabaria por ser detida. Até ao final do mês registaram-se ainda outros movimentos insurreccionais e atentados bombistas.

As pressões sobre o governo dos democráticos aumentaram, o que levou o Presidente Manuel de Arriaga a tomar a iniciativa de auscultar os chefes dos três partidos sobre a possibilidade de constituição de governos extrapartidários. Na sequência dessa iniciativa, Afonso Costa solicitou a exoneração a 26 de Janeiro de 1914. A 9 de Fevereiro Arriaga chamou Bernardino Machado para liderar o novo governo.

O executivo de Bernardino Machado pretendia ser um governo de reconciliação nacional, integrando três democráticos. Propôs uma trégua aos monárquicos, aos sindicalistas e aos "intransigentes" do 27 de Abril, a quem prometeu uma amnistia. Aos católicos propôs uma revisão da Lei da Separação. Manteve-se em exercício até 23 de Junho de 1914. A 22 de Junho de 1914, por entender que a normalização da vida política da República seria facilitada com a saída dos ministros democráticos, Bernardino Machado pediu a demissão colectiva do gabinete. A 23 de Junho obteve de Manuel de Arriaga autorização para um governo "extrapartidário". Todos os ministros passaram a independentes, à excepção do presidente. Manteve-se em exercício até 12 de Dezembro de 1914.

No dia 7 de Agosto de 1914, o governo de Bernardino Machado levou ao Congresso, reunido extraordinariamente, uma declaração de princípios sobre a condução da política externa portuguesa perante o deflagrar da I Guerra Mundial que foi votada por unanimidade. Ainda que vagamente, afirmava-se que Portugal não faltaria aos seus compromissos internacionais, com particular atenção no que dizia respeito à aliança com Inglaterra.

Na sequência do primeiro ataque alemão às colónias portuguesas (25 de Agosto) partiram de Lisboa a 11 de Setembro de 1914 as forças expedicionárias com destino a Angola sob o comando do general Alves Roçadas, e a Moçambique comandadas pelo coronel Massano de Amorim.

Se por um lado o interesse em acautelar as possessões ultramarinas foi unanimemente defendido por todas as sensibilidades políticas nacionais, por outro, as vias para alcançar tal objectivo originam divisões entre evolucionistas, unionistas e democráticos.

António José de Almeida colocou a tónica no acompanhamento estrito da política inglesa. Os partidários de Brito Camacho inclinaram-se para a abstenção portuguesa em relação à guerra na Europa, defendendo o reforço militar defensivo das colónias. Os democráticos, ao contrário, defendiam uma posição intervencionista de Portugal no confronto com os Impérios centrais, vendo nisso uma oportunidade de afirmação da autonomia do país submetido ao estatuto menor de "protectorado inglês". Mas, mesmo entre estes, as diferentes interpretações das cláusulas da aliança anglo-lusa traduziam-se em posicionamentos distintos quanto à intervenção portuguesa no conflito.

A situação interna e externa do país acabaria por viabilizar as soluções "guerristas" e a entrada de Portugal na I Guerra Mundial.

Por entender ser oportuno constituir um governo de unidade republicana sob a sua égide, o Partido Democrático precipitou a queda do governo de Bernardino Machado.

O Presidente Manuel de Arriaga desenvolveu uma série de diligências tendo em vista a constituição de novo governo extrapartidário mas sem sucesso, vendo-se obrigado a chamar os democráticos.

Afonso Costa "entregou" a Vítor Hugo de Azevedo Coutinho a liderança do executivo a formar. O ministério de Azevedo Coutinho entrou em funções a 12 de Dezembro de 1914, mas a sua legitimidade tinha nascido "ferida de morte", dada a rejeição do seu nome por parte do Senado. O governo de Azevedo Coutinho fica conhecido como "Os Miseráveis", um trocadilho com o nome do seu presidente, Vítor Hugo.

Entre 20 e 22 de Janeiro de 1915 ocorreu um protesto de oficiais do Exército, que ficou conhecido como "Movimento das Espadas". Na sua base terá estado a transferência do major Craveiro Lopes, alegadamente por motivos políticos. Alguns oficiais, entre os quais Pimenta de Castro e Machado Santos, apresentaram protestos. O governo procedeu a prisões e as contestações subiram de tom. O ministro da Guerra demitiu-se.

Manuel de Arriaga, alarmado com a virulência da luta política e utilizando como pretexto os acontecimentos de 20 de Janeiro, interveio, provocando a demissão do governo (24 de Janeiro) e encarregando o general Pimenta de Castro de organizar um ministério com o objectivo de pacificar o país e preparar as próximas eleições legislativas, adiadas sine die desde Setembro de 1914 por imperativos da ordem internacional.

O governo de Pimenta de Castro marcou o início da tendência que haveria de ser típica dos últimos anos da República: um poder crescente dos militares na governação do país. Pimenta de Castro entregou sete das nove pastas a militares. A 4 de Março de 1915 as forças da GNR e da Polícia impediram o Parlamento de se reunir e o governo entrou formalmente em ditadura.

Pimenta de Castro levou para o poder a facção mais conservadora e tradicionalista da hierarquia militar profissional. A política de guerra foi praticamente esquecida, as perseguições contra os monárquicos foram interrompidas, as relações entre a República e a Igreja Católica pacificadas e as eleições marcadas para 6 de Junho.

A reunião do Congresso acabaria por realizar-se no Palácio da Mitra, no concelho de Loures, com a presença de 90 congressistas, ocasião em que foram proferidos fortes ataques ao executivo e ao Presidente da República. Por proposta inicial de Afonso Costa, foi aprovada por unanimidade uma moção que considerava inconstitucional a nomeação de Pimenta de Castro por parte do chefe de Estado, bem como a publicação pelo Ministério, e com a assinatura do Presidente da República, de diplomas com matérias exclusivas do Parlamento. Considerou-se, ainda, que o governo, com o assentimento do Presidente da República, atentara contra o livre exercício do poder legislativo, mediante o encerramento do edifício do Congresso.

A 14 de Maio eclodiu uma revolução armada em Lisboa com o objectivo de "restituir a República aos republicanos". Participaram a Marinha, parte do Exército e grande número de civis, enquadrados pela Maçonaria e pela “Formiga Branca”.

A Junta Revolucionária, que superiormente preparou e dirigiu o movimento de 14 de Maio, era constituída pelos majores Norton de Matos e Sá Cardoso, pelo capitão Álvaro de Castro, pelo capitão-tenente Freitas Ribeiro e pelo engenheiro civil António Maria da Silva, todos eles membros da Maçonaria, à excepção do terceiro. Nos bastidores Afonso Costa desempenhou um papel de relevo. Os sectores da Armada foram chefiados por Leote do Rego. Nesse mesmo dia, Machado Santos foi preso e o seu órgão de imprensa, O Intransigente, extinto. Registaram-se em Lisboa assaltos a armazéns e padarias em busca de comida.

A revolta conduziu à derrocada do governo de Pimenta de Castro e permitiu reinstalar os democráticos no poder. A República foi de novo proclamada das janelas da Câmara Municipal de Lisboa. A Junta Revolucionária indigitou o primeiro governo pós-revolução (no dia 15) dirigido por João Chagas. Mas este, gravemente ferido em consequência de um atentado (no dia 16) a caminho de Lisboa, não chegou a tomar posse. O ministério foi remodelado (no dia 17) e José Ribeiro de Castro, vice-grão-mestre da Maçonaria, assumiu interinamente a presidência de um ministério que tem como missão principal proceder a eleições. Com excepção de um unionista e de um evolucionista desvinculado do Partido, este executivo é maioritariamente democrático.

Na sequência da vitória "constitucionalista", Manuel Arriaga renunciou ao mandato presidencial, em carta ao presidente do Ministério de 16 de Maio. Dez dias volvidos enviou a mensagem de resignação ao Congresso, onde renunciou formalmente no dia 29 de Maio. Nesse mesmo dia abandonou o Palácio de Belém escoltado por forças da GNR.

Visitas de Estado

Com a proclamação da República em 1910, o poder passaria para as mãos de um governo provisório até à aprovação da Constituição em 1911, que instituía poderes bastante reduzidos ao Presidente da República. Para contrastar com o poder do Rei, a sua projecção pública e os seus meios materiais seriam limitados ao mínimo e não estava sequer prevista residência oficial, apenas um gabinete no Palácio de São Bento, desviando o centro do poder para o Parlamento.

Embora a Constituição de 1911 lhe atribuísse funções de representação da Nação na política externa da República, a limitação dos poderes presidenciais nesta fase de afirmação do novo regime republicano impedia que o Presidente da República tomasse decisões reais quanto ao futuro das relações diplomáticas com outros países.

Durante a I República uma profunda crise económica e social herdada da Monarquia, e uma constante instabilidade governativa, impediram que Portugal se ocupasse em desenvolver a sua política externa. Não estavam criadas condições para os Presidentes da República efectuarem ou receberem visitas de Estado, salvo raras excepções nos mandatos dos Presidentes Bernardino Machado, João do Canto e Castro e António José de Almeida.

Em 1914, Columbano Bordalo Pinheiro executou o seu retrato oficial, o primeiro da Galeria dos Retratos, ainda que não seja o mais antigo. Logo em 1910, após a instauração da República, Columbano havia integrado uma comissão de inventariação dos bens dos palácios reais. Em 1911, tinha feito parte da comissão - de cinco personalidades – nomeada para apreciar os projetos para a Bandeira Nacional. O Governo encomendou-lhe diversos outros retratos de primeiras figuras do republicanismo.

No retrato, reconhece-se a atual sala dos Embaixadores do Palácio de Belém, através da figura escultórica de fundo, e que faz parte do fogão de sala ainda hoje aí existente. A Cadeira dos Leões foi usada pela primeira vez, na República, por Manuel de Arriaga, que se fez retratar nela. Desde então a Cadeira permanece associada à figura do chefe do Estado.

Fonte: https://www.museu.presidencia.pt/

Fotos: https://www.museu.presidencia.pt/