No passado dia 3 de Dezembro assinalou-se os 69 anos
do seu nascimento. Barbeiro de profissão, músico por devoção, António morreu
antes do tempo, no auge da sua curta carreira.
Um génio que nasceu e morreu antes do tempo
Vinte e nove anos após a sua morte, a genialidade de
António variações permanece bem viva e as suas canções fazem hoje tanto ou mais
sentido do que na época, confirmando que terá vivido à frente do seu tempo.
Pouco percebia de música, mas tinha na intuição uma das suas principais armas.
Cantava o que sentia e era através da música que assumia todas as suas
diferenças, dúvidas e certezas. Quando morreu, António deixou uma série de
gravações caseiras – 43 cassetes, que Jaime Ribeiro, um dos irmãos do cantor,
entregou à EMI. Após alguns anos de espera, vêm a lume em humanos, um disco com
as vozes de Manuela Azevedo, Camané e David Fonseca. António variações faz-lhes
companhia atrav´s de um jogo invulgar de sons, ritmos e palavras.
“Tenho pena de morrer, mas não medo. Tudo o que acaba
me deprime. Mais pelo fim do que pelo acto em si.”
Cidadão do Mundo, nunca renegou as suas humildes origens
António Rodrigues Ribeiro nasceu a 3 de Dezembro de
1944 na aldeia de Fiscal, perto de Braga. O quinto dos dez filhos de Deolinda
de Jesus e Jaime Ribeiro cedo descobre que o campo e o trabalho da lavoura não
fazem parte do seu mundo, e tem apenas 12 anos quando ruma a Lisboa em busca de
sonhos. Longe da sua aldeia rural, descobre tudo o que a vida tem para lhe
oferecer. Experimenta vários ofícios, cumpre as suas obrigações militares em
Angola, vive em Londres e depois em Amesterdão, onde aprende a profissão de
cabeleireiro. Regressa a Lisboa e, depois de passar por dois salões mais
conceituados da capital, abre a sua própria barbearia, no Bairro Alto. Barbeiro
de dia, músico à noite, António faz-se notar pelo seu visual excêntrico e
personalizado. Usa e abusa das cores fortes e vibrantes e não abdica dos
adornos. Não se considerava extravagante, tudo tinha a ver com o seu insaciável
desejo de libertação. Adorava viajar e escolheu o seu rumo ao sabor da
aventura, apaixonando-se pela cosmopolita Nova Iorque, que sentiu como a sua
“cidade gémea”. Num curto espaço de tempo torna-se uma estrela, mas não esquece
nunca as suas origens, e é rara a entrevista em que não fala da família. Revela
uma especial idolatria pela mãe, aquém rende uma sentida homenagem
dedicando-lhe uma música com o seu nome, Deolinda de Jesus; no álbum Dar e
Receber. António variações queria ficar na história da música popular
portuguesa e não restam dúvidas de que conseguiu. Criticado por uns, idolatrado
por outros, gerou ódios e paixões, mas nunca a indiferença.
“ A minha mãe é a mãe mais amiga. Certeza com que eu
posso contar. E nem por isso sou a imagem que queria. Mas sempre em soube
aceitar.”
“Nunca abdiquei de ser o que sou e só comecei a ser
recompensado por essa atitude quando houve pessoas que vieram ter comigo e me
disseram ter sido eu o ponto de partida para algo que não eram capazes de
assumir.”
O cantor morreu na madrugada de 13 de Junho de 1984,
poucos dias após o lançamento do seu segundo álbum. Oficialmente, António
Variações morreu devido a uma broncopneumonia bilateral, mas são poucos os que
duvidam que António não tenha sido um dos primeiros casos de sida conhecidos em
Portugal. Nos últimos tempos da sua vida não escapou às criticas e à
discriminação, e ainda hoje a família foge ao assunto. Boémio e extravagante,
António nunca tentou esconder as suas opções sexuais e assumia sem complexos
todas as suas diferenças. No dia do seu funeral, a Basílica da Estrela
encheu-se de gente. Milhares de pessoas quiseram dar o último adeus a uma
figura ímpar da música portuguesa, alguém que a morte levou antes do tempo. Mas
a sua música parece ter alcançado o dom da imortalidade.
Fonte: Revista Caras
Fotos: Rui Cunha/EMI, Rui Renato/EMI, Teresa Matos
Moreira /EMI, Alexandre Carvalho/EMI.CarlosCoelho