Esteve presa, consumiu drogas e álcool, mas o talento deu-lhe o estatuto de estrela. With Billie, o livro escrito por Julia Blackburn, revela os segredos da rainha do jazz.
Por onde andou Billie Holiday? Por incrível que pareça, em Nova Iorque a resposta não é fácil de encontrar.
Aquela que para muitos foi a maior vocalista de jazz
e blues de todos os tempos viveu a maior parte da sua vida em Manhattan. Mas,
apesar de as suas duas casas – o apartamento da Rua 140 e outro na Rua 87 –
ainda permaneceram tal como na primeira metade do século passado, não há
qualquer menção ao facto de terem pertencido a “Lady Day”. Parece brincadeira,
mas na capital mundial da publicidade não há uma placa, um sinal sequer, um
único marco histórico para celebrar a vida quase sempre atribulada de uma das
principais atracções desta cidade. Uma vida que terminou cedo, em 1959, aos 44
anos de idade, por conta do uso excessivo de álcool e heroína (indicados
delicadamente como “problemas de coração e fígado”).
Foi lançado um livro em 2005 no mercado
norte-americano, que conta histórias sobre Billie Holiday. With Billie ´´e mais
umdocumento do que uma biografia. A escritora Julia Blackburn mergulhou no
famoso baú da investigadora Linda Kuehl, que por sua vez passou duas décadas a
entrevistar amigos, familiares, parceiros musicais e fãs de Holiday, mas
cometeu suicídio em 1979 – saltando do quarto andar do seu apartamento em
Washington – antes de terminar o livro que seria a obra definitiva sobre o
atormentado “anjo do harlem”, como era conhecida a cantora.
Em With Billie, Julia Blackburn deixou de lado
qualquer aspiração a contar “a” história de Billie Holiday.
De modo generoso, ela traçava um perfil possível da cantora – a narrativa de uma vida partida em muitas. “Enquanto eu ia mexendo nestas entrevistas, ia dando conta de que Billie Holiday era uma pessoa bem diferente da vítima de drogas pesadas e outros vícios infatigavelmente descrita nas capas de discos, revistas e livros”, disse Blackburn numa entrevista.
Logo que deixou a casa de trabalhos forçados de
Welfare Island, onde a sociedade nova-iorquina encarcerava as meninas “de vida
fácil”, Billie começou a cantar jazz.
Nessa época vivia no número 151 oeste da Rua 140, o seu primeiro endereço em
Manhattan. Aí dividiu o espaço com a mãe, a partir de 1929, depois de chegar de
Filadélfia, onde nascera.
Depressa a menina de 14 anos começou a receber
clientes. Era a mais nova call girl,
que realizava o sonho dos fregueses por sessões de 20 dólares cada.
A sua última casa também marca os anos em que Billie sentiu mais acentuadamente os efeitos de uma vida de excessos. A cantora Annie Ross, amiga de Billie, lembra no livro Nillie Holiday, escrito por Stuart Nicholson em 1995, que poucas pessoas frequentavam a casa de Lady Day naqueles tempos. “Quando eu ia visitá-la, ela cozinhava e eu ia escolhendo os discos para tocar na aparelhagem.
Ela estava quase sempre em baixo e as pessoas não
costumam gostar de ser vistas, sei lá por que motivo, com quem não está por
cima da onda.”
Em With Billie, Blackburn oferece-nos a voz de Alice Vrbsky, a última ajudante da artista, que renega o mito da negra abandonada e refém da heroína nos seus últimos dias de vida. “Em Junho de 1959 ela bebia apenas gim e 7-up e o seu último hábito perigoso era adormecer enquanto fumava um cigarro na cama”, conta. Billie Hollyday morreu um mês depois no quarto 6 no 12º andar do Metropolitan Hospital de Harlem, às três horas da madrugada. A cidade que ouviu os seus gritos, risos e suspiros parece esquecida da sua história, tão intensa quanto atribulada. Há uns anos a Imprensa nunciou que um grupo de fãs estava a reunir dinheiro para erguer uma placa em frente à casa da Rua 87. Até agora, nada aconteceu.
Nos 11 anos seguintes foi seguida pelo FBI e perdeu
a licença para cantar na noite em Nova Iorque. O Trompetista Buck Clayton
lembra os desabafos da cantora:
“Eles permitem-me cantar num parque ao ar livre, mas
fui banida das casas nocturnas. Estou cansada de viajar. Seria bom se pudesse
ficar em Nova Iorque, só por um bocadinho.”
Fonte: Revista Sábado
Texto: Eduardo Graça
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