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terça-feira, 19 de maio de 2020

Pá Salazar


Só os portugueses lhe chamam Salazar


Espátula, raspador, raspadeira, rapa-tudo, rapa-tachos. Por vários nomes responde esta pá, mas nenhum nos traz tantas memórias como «salazar». E esse leva-nos de volta a outros tempos de crise e escassez.

Utensílio de serventia comprovada nas casas portuguesas, o nosso melhor salazar é feito de pinho ascético e borracha sinuosa, materiais que conservarão melhor as suas qualidades se forem lavados à mão. Outra coisa não se recomenda a um objecto que ainda hoje se rebela contra a era da máquina, afirmando-se como puro artesanato e não carecendo de outra energia senão a do corpo humano.
Nesse aspecto, o salazar é e será sempre um resistente, avesso á industrialização e ao consumismo – tal como o homem que, sem querer, o baptizou. «Devo à Providência a graça de ser pobre», disse enquanto geria com rigor draconiano a economia do país.

Na sua habilidade em chegar ao fundo dos tachos e das tijelas, extraindo o remanescente, o salazar é insuperável. É também, um símbolo da igualdade culinária, já que não faz distinção entre a massa exuberante de um soufflé de camarão e um prosaico pão-de-ló, a todos rapando com a mesma eficácia.
Inquirindo junto dos vivos, há quem ainda se lembre dele talhado somente em madeira, com a parte aplanada fina. Hoje conhecemo-lo com o toque do plástico ou do silicone, banalidade compensada por muitas cores e eventual design que não chegam para fazer esquecer o genuíno salazar que figura na foto.

Fabricado por uma empresa familiar do Porto, passou para a loja Vida Portuguesa e daí para o Museum of Modern Art (MOMA) em Nova Iorque e Tóquio, exibe-se agora, ao lado da torradeira de alumínio ou da vassoura de palha, numa montra de produtos genuinamente portugueses.
Salazar que raramente saía do país e gostava das solas dos sapatos até se romperem, teria certamente achado tudo isto uma enorme falta de modéstia.

Fonte: Revista Notícias Magazine
Fotos da Net
© Carlos Coelho