Só os portugueses lhe
chamam Salazar
Espátula, raspador,
raspadeira, rapa-tudo, rapa-tachos. Por vários nomes responde esta pá, mas nenhum
nos traz tantas memórias como «salazar». E esse leva-nos de volta a outros
tempos de crise e escassez.
Utensílio de serventia
comprovada nas casas portuguesas, o nosso melhor salazar é feito de pinho
ascético e borracha sinuosa, materiais que conservarão melhor as suas
qualidades se forem lavados à mão. Outra coisa não se recomenda a um objecto
que ainda hoje se rebela contra a era da máquina, afirmando-se como puro
artesanato e não carecendo de outra energia senão a do corpo humano.
Nesse aspecto, o
salazar é e será sempre um resistente, avesso á industrialização e ao
consumismo – tal como o homem que, sem querer, o baptizou. «Devo à Providência
a graça de ser pobre», disse enquanto geria com rigor draconiano a economia do
país.
Na sua habilidade em
chegar ao fundo dos tachos e das tijelas, extraindo o remanescente, o salazar é
insuperável. É também, um símbolo da igualdade culinária, já que não faz
distinção entre a massa exuberante de um soufflé de camarão e um prosaico
pão-de-ló, a todos rapando com a mesma eficácia.
Inquirindo junto dos
vivos, há quem ainda se lembre dele talhado somente em madeira, com a parte
aplanada fina. Hoje conhecemo-lo com o toque do plástico ou do silicone,
banalidade compensada por muitas cores e eventual design que não chegam para
fazer esquecer o genuíno salazar que figura na foto.
Fabricado por uma
empresa familiar do Porto, passou para a loja Vida Portuguesa e daí para o
Museum of Modern Art (MOMA) em Nova Iorque e Tóquio, exibe-se agora, ao lado da
torradeira de alumínio ou da vassoura de palha, numa montra de produtos
genuinamente portugueses.
Salazar que raramente
saía do país e gostava das solas dos sapatos até se romperem, teria certamente
achado tudo isto uma enorme falta de modéstia.
Fonte: Revista Notícias
Magazine
Fotos da Net
© Carlos Coelho