quinta-feira, 26 de outubro de 2023

O sagrado e o Profano

Precisamos que o sagrado esteja presente na nossa vida, mesmo que não tenhamos nada de religioso. E raramente paramos para perceber a influência que tem no nosso dia-a-dia, o que nos dá e o que nos traz.

1.

Diz quem sabe que o sagrado e o profano se distinguem pelas perspectivas diferenciadas do espaço e do tempo.

O espaço do sagrado é não homogéneo e o seu tempo, além desta mesma propriedade, goza de uma característica de descontinuidade que também não se verifica no domínio do profano.

O sagrado carece que os espaços sejam diferenciados, que alguns, poucos, apresentem uma qualidade própria que não só os tornam especiais como organizadores, e mesmo fundadores, de uma ordem de sentidos que criam a sua própria realidade. A partir daí assiste-se ao estabelecimento dos ritos, dos gestos exactos, dos locais de culto ou de peregrinação, por exemplo, que delimitam os territórios sagrados.

Por seu turno a descontinuidade temporal implica um investimento de períodos e épocas específicas. É legítimo afirmar que o tempo sagrado é reversível, já que tem de ser «um tempo mítico primordial tornado presente» (Eliade). Dito de outro modo, a inscrição num registo do sagrado retira-nos da normal (e profana) sequência de acontecimentos, e abre-nos as portas a uma temporalidade única em que eventuais repetições são, ainda assim, sempre novas formulações.

2.

Ainda que o sagrado e profano se misturem, se imbriquem, se completem e se derramem nas nossas vidas e nas nossas formas de ser e de fazer, o facto é que parecem conceitos difíceis, abstractos e longínquos.

Brincamos à Páscoa e ao Natal, aproveitamos feriados religiosos ou civis sem sombra de devoção nem conhecimento do que se actualiza ou comemora e, de forma geral, guardamos as nossas ideias sobre o divino num cofre confuso e atabalhoado de ideias ou imitamos preceitos estabelecidos e despidos de qualquer valor.

Se, por um lado, carecemos que o sagrado exista na nossa vida e penetre nos nossos quotidianos, mesmo que exteriormente a qualquer sentimento de religiosidade, o facto é que só por excepção reflectimos o que nos dá e o que nos traz.

Só por excepção nos deixamos envolver, afectiva e cognitivamente pela compreensão de que a nossa necessidade dele assenta directamente na vontade de significarmos quem somos e o que fazemos. Nós, uns entre outros na corrente das gerações infinitas.

Fonte: Revista Notícias Magazine

Texto/Autor: Isabel Leal, Psicóloga

Fotos da net

Sem comentários:

Enviar um comentário