quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Michel Giliberti

Michel Giliberti nasceu na Tunísia em 1950. O seu pai tomava conta do Cinema L’Olympia, em Menzel Bourguiba, pelo que passou toda a sua infância como espectador privilegiado dos filmes de culto dos anos 50. Precoce, desde os dois anos que desenha e depois de abandonar África, com 11 anos apenas, inicia no ano seguinte a sua produção a óleo. Com 15 anos, uma obra sua apresentada num concurso para alunos de Toulon é consagrada e exposta no museu da cidade. Desenvolve em paralelo, uma paixão pela música e pela poesia, formas mais aptas de comunicar as suas emoções, tendo mesmo sido autor de três álbuns como autor e compositor. De pequena estatura (que lhe valeu ser alcunhado pelos amigos de “sempre pequeno”), Giliberti acabou, no entanto, por encontrar na pintura uma forma de materializar a imagem da perfeição. Galardoado com vários prémios, vive hoje na Normandia, onde tenta cultivar, sem êxito as árvores da sua infância.








Giliberti é um daqueles artistas que por alguma razão, tentam superar as suas próprias condicionantes na procura de um espaço ou de uma forma harmónica, e tem necessidade de a comunicar utilizando como veículo qualquer forma de expressão. Enquanto manipulador de uma gramática plástica, constrói um léxico com o qual surfa entre os extractos de invisíveis espaços de harmonia que se renovam incessantemente no contexto, mas não no modo nem na significação mais profunda, que é a dada materialização dos seus anseios. O olhar tece poses e posturas, enquanto a pintura serve de espaço a enredos contaminados pelo desejo errante que se inscreve numa cenografia pulsional. Astúcias não faltam para endeusar os afetos que cegam a paixão. Desenhador exímio, Giliberti move-se no universo compositivo do surrealismo, de um mundo próximo da psicanálise, onde se passeia, por mero acaso, com os seus fantasmas, entre dor e prazer ou o prazer da dor. Uma realidade virtual na qual o humano toca o fantástico.
O corpo aparece aqui como matéria de luxo dos sentidos, recorrente das obras do Renascimento e, sobretudo da genialidade de um Michelangelo. Não é o corpo do varão, mas sim o da pintura do Quattrocento que ressuscita agora.













“Hicham”. Óleo sobre tela (89x130cm) datado de 1997. Pintado num estilo naturalista, quase gráfico, evoca, em simultâneo, a plástica dos cartazes executados a aerógrafo e joga com a decomposição das formas, com a ruptura dos corpos e a sua desmaterialização, para transportar para um universo onírico e sensual o realismo dos sujeitos representados.







O corpo nesta pintura movimenta-se e ganha velocidade no fluido da cor e na força abstracta dos cortes operados na figura, para libertar a pulsão animal do instinto, mas aqui a pintura não é uma pintura simbolista, apesar das fórmulas e artifícios que escondem aos olhos mais atentos a sua essência. Para lá do mundo surreal, reflexo da realidade virtual do nosso mundo frio e desencantado, onde se questiona o porvir do homem e dos elementos estéticos e poéticos que transformam a sua pintura numa pintura global, “à maneira” dos humanistas, a referência da obra de Giliberti é outra.
Aquela que podemos encontrar no comentário que Fernando Pessoa fez à obra de António Botto, da qual dizia que nem positivamente nem negativamente nela é sugerida qualquer metafísica, mas apenas apontada a preferência do esteta pelo ideal helénico de celebrar a beleza física e o prazer do corpo masculino, neste caso numa versão sensual e andrógina mais próxima dos estereótipos que moldam a transição do milénio.














“En Verre et Contre Soi”. Óleo sobre tela (116x81cm) pintado em 1997. Com os pintores do Renascimento e do Barroco, que utilizavam frequentemente os temas religiosos ou mitológicos como suporte para pesquisar as potencialidades expressivas do corpo humano desnudo, também Giliberti procura em qualquer contexto essa possibilidade, aqui idealizando plasticamente o corpo perfeito, jogando na conceptualidade de um surrealismo para, de certa forma, diminuir esse apelo essencial do corpo por si só.







C@rlos@lmeida
Fonte: Revista Caras
por Júlio Quaresma