Depois de termos sobrevivido a (pelo menos) duas
datas apocalípticas, em 2011 – 21 de Maio e 21 de Outubro, segundo as profecias
catastrofistas de Harold Camping, um cristão evangélico norte-americano com
púlpito na Rádio Família – o frágil, planeta em que habitamos prepara-se para
acabar, outra vez.
Agora a culpa é dos Mais, que previram o final da
quarta era para 21 de Dezembro de 2012. Os deuses tentaram – e falharam – três
vezes antes da criação do mundo. Mas, à quarta, acertaram. A época da
humanidade dura há quase 5125 anos. O problema é que faltam apenas 15 dias para
o final. Está escrito na pedra- no caso, na pedra do Tortuguero, um monumento
do século VII encontrado num sítio arqueológico de Tabasco, no México, com
inscrições referentes à vinda de Bolon Yokte – o deus da guerra e da criação –
no final do ciclo do XIII baktun. O apocalipse surgirá como um dilúvio. Ou
então uma tempestade solar. Ou talvez seja sobre a forma de uma mudança da
orientação magnética dos polos. Os índios Hopi também o previram – e toda a
gente sabe que as previsões dos Hopi se têm revelado «extremamente acertadas».
Ou, então é o planeta Nibiru, que tem quatro vezes o tamanho da terra e vai
colidir com ela, como os sumérios nos revelaram. Já está a caminho, apesar de
ainda ninguém o ter visto. Mas isso é normal, já que ele está escondido atrás
do sol, ou de Neptuno, e de qualquer forma é invisível.
Confuso? Para nós também. As narrativas do fim do
mundo em 21/12/2012 juntam pseudociência arqueológica e astronómica,
misticismo, militarismo, crenças da cultura new
age, factos e ficção, num imenso novelo difícil de deslindar. Em 1900
, Ernest Fõrstemann, um estudioso alemão, interpretou
a última página do códice de Dresden – o mais velho relato maia de que se tem
conhecimento – como uma representação do fim do mundo, num dilúvio. E, em 1966,
Michael D. Coe, um antropólogo de Harvard, viu no Popol Vuh – um relato traduzido por um dominicano espanhol do
século XVII sobre as origens dos mais guatemaltecos – a sugestão de que um Armagedão
aniquilaria «todos os povos degenerados do mundo e da criação, no final do XIII
baktun».
O PLANETA NIBIRU E A ONDA ZERO DO TEMPO
Mais tarde a cultura new age, com a sua busca de novos valores espirituais, a
propiar-se-ia da história dos maias para prometer a chegada de uma nova era da
consciência humana, numa espécie de destruição purificadora, com data marcada:
2012.
Terence Mckenna, um dos símbolos do movimento,
convicto de que o xamanismo e as drogas psicadélicas proporcionam novas formas
de contacto com o mundo e a autoconsciência, publicou, em 1975, A paisagem Invisível: a Mente, os
Alucinogénicos e o I Ching. Fundou, assim, a Teoria da Novidade, segundo a
qual os acontecimentos de uma determinada época estão relacionados com os de
outras épocas, numa «complexidade organizada» do universo. Baseou-se na sua
interpretação do Livro das Mudanças
(o «I ching», um dos mais antigos
textos e sistemas divinatórios chineses e elaborou até um programa de
computador que produzia uma formula numerológica - «timewave zero» ou a « onda
zero do tempo» - que lhe permitiu prever o fim do mundo para… 16 de Novembro de
2012. Mas, em 1993, na segunda edição da obra, McKenna já se tinha apercebido
de que a sua data distava apenas pouco mais de um mês do apocalipse maia, e
mudou-a para 21 de Dezembro. ( Este «psiconauta» é fundador da outra teoria
divertida, a do « macaco pedrado », segundo o qual foram os cogumelos
alucinógénicos presentes na dieta dos símios que proporcionaram a grande
aventura humana).
Quase em simultâneo, em 1976, - explica agora David
Morrison, um cientista da NASA, que, há anos, tem a ingrata missão de
desmistificar o fim do mundo – Zecharia Sitchin , um estudioso amador da
cultura mesopotâmica, escrevia o 12º Planeta, onde clamava que tinha encontrado
e traduzido documentos sumérios que identificavam um planeta escondido –
Nibiru, também conhecido por «Planeta X» - habitado por uma raça de
extraterrestres, os Anunnaki, responsáveis pela criação, genética, do Homo Sapiens, que não mais seria do que
uma raça escrava dos «deuses». O Naribu passaria pela terra a cada 3600 anos e,
nessa altura, haveria um «contacto», potencialmente ameaçador. Sitchin previu a
chegada dos Anunnaki e do seu planeta à terra algures neste século XXI.
«Depois» - escreve ainda Morrison, no site da NASA - «Nancy Lieder, uma
autodeclarada psíquica que canaliza (mensagens de) extraterrestres escreveu, no
seu site Zeta Talk («conversa zeta»), que os habitantes de um planeta fictício
situado perto da estrela Zeta Reticuli a tinham avisado de que a terra estava
sob perigo, oriundo do planeta X ou Nibiru.» A catástrofe estava inicialmente
prevista para maio de 2003, mas, quando nada aconteceu, o «doomsday» (dia da maldição) avançou uns anos. Assim, estas duas
lendas juntaram-se ao calendário maia e ao solstício de 2012 – e daqui nasceu a
crença na fatídica data de 21/12/2012.
Nasceu assim, nos últimos anos, um nicho de mercado.
Na Amazon, por exemplo, estão listados cerca de 200 livros dedicados ao fim do
mundo (eram «apenas» 170, em 2009). 2012 era título de um blockbuster, seguido de várias réplicas hollywoodescas de maior ou menor qualidade. Este apetite foi
prontamente aproveitado pelas televisões: a National Geographic e o Discovery
Chanel, por exemplo. Passaram a produzir reality shows sobre os
«preparacionistas», de canal aberto e acrítico. Entre nós, passou há bem poucos
dias, no História, um «documentário» - segredos
Desclassificados: 2012, O Início – no
qual se entrevistam «peritos na cultura maia» que são, afinal astrólogos, e
onde se dá por garantido que «as profecias de 2012 já começaram a realizar-se»
e que «académicos de todo o mundo dizem que os desastres naturais mortíferos a
que estamos a assistir estavam há muito previstos pelas sociedades antigas».
Assim, sem contraditório ou aviso: «para maiores de 18».
Já há até políticos que são «preppers» assumidos. É o caso de Roscoe Bartlett, representante
republicano do Winconsin, que vê «numerosos acontecimentos em que, nas cidades,
as revoltas civis se tornarão muito prováveis» e que construiu um refúgio nos
bosques da Virgínia, onde açambarca comida, gasolina e água. Ou do perfeito da
cidade brasileira de São Francisco de Paula, Décio Colla, que aconselha os seus
munícipes a prepararem-se para o apocalipse Maia: «porque (sic) os
australianos, americanos e japoneses estão se preparando? Alguma coisa deve
acontecer e não quero que o povo seja surpreendido. Quero que o Brasil acorde e
preste atenção. Devemos garantir as merendas nas escolas, medicamentos nos
hospitais e outras coisas», diz este médico, que convida crentes de todo o
mundo a refugiarem-se nesta cidade, a 110 quilómetros de Porto Alegre: «temos
boas energias e estamos a 900 metros acima do nível do mar.» Não vai mesmo
haver um dilúvio…
A cultura apocalíptica transformou-se num imenso
negócio. Dezenas de sites norte-americanos ensinam-nos quais os lugares mais
prováveis para se sobreviver à tragédia, seja em montanhas, seja nas salas do
Capitólio ou em complexos militares. Vendem-se antigos silos nucleares
transformados em refúgios contra catástrofes, por quase três milhões de euros.
Um pouco menos dá-lhe acesso a um bunker de luxo, construído de raiz, que será
enterrado no local onde lhe convier, pela Vivos, uma empresa, já alvo de várias
«reportagens» da Fox News, que não se coíbe de apresentar, no seu site, um
vídeo, longo de vários minutos, sobre a «profecia» (Niribu 2012 – o fim do mundo),
nem de alertar para que a «luta de classes» e a «anarquia» que ai vem vão tomar
absolutamente necessária esta sua segunda habitação. Centenas de pequenas
empresas como a escola das destrezas Nativas do Oeste ou a Practical Preppers
dão cursos de sobrevivência e assessoramento de segurança. O negócio da venda
de armas, de artigos de campismo e de comida enlatada apanharam a boleia, e,
pelo menos nos EUA, vão de vento em popa. O mesmo fenómeno acontece com os
cursos de orientação geográfica, os cursos de primeiros socorros e com os
«manuais de sobrevivência» comprados online. Por 20 dólares, pode até adquirir,
na net, o «ursinho do apocalipse», Sir Vivor, acompanhado do respectivo
certificado de «prepper». Sir Vivor consegue ainda, com apenas duas pilhas AA
debitar-se nada menos que nove versículos da Bíblia. Ah!, e não falta uma app
para ajudar a contar as horas para o fim do mundo e como sobreviver-lhe:
Doomsday 2012, por 3,65 euros, na Loja Apple do seu Iphone…
RUSSOS
AO COMANDO, AMERICANOS EXCLARECIDOS…
O resultado de tudo isto é que, em 2007, David
Morrison já recebia um e-mail por semana a perguntar por 2012. Em 2009, já
recebia uma dúzia deles a cada 24 horas. E em 20011 já eram aos milhares. Uma
mulher solitária pergunta se não será preferível mandar abater o seu melhor
amigo, um gato, a deixá-lo sofrer aos horrores que ao vêm. Um casal de
adolescentes diz-lhe que está a pensar suicidar-se, tal é o medo que tem da
data. Trata-se de um tipo de e-mail típico e tem aumentado a cada dia que
passa, sobretudo nos últimos dias do passado mês de Novembro.
O governo da Rússia, através do ministro com a pasta
da proteção civil, teve de vir a público dizer, no ínicio deste mês que acede
«a sistemas que monotorizam o que se passa no Planeta Terra» e que o mundo não
vai acabar. O mesmo fez o americano, através do site US Gov («Os assustadores
rumores de que o mundo vai acabar em 2012 são só rumores»). Uns dias antes a
NASA vira-se obrigada a clarificar, que
se um planeta estivesse em rota de colisão com a terra, a organização já
saberia e teria avisado os restantes terráqueos. Aos adeptos da teoria da
conspiração, a NASA teve ainda de se rebaixar a ponto de assegurar que, dados
os milhões de astrónomos amadores existentes no globo, seria virtualmente
impossível esconder tal facto – uma vez que ele já estaria à vista de todos.
Mas milhões de pessoas, nos EUA e não só, continuam a
crer no apocalipse vindouro: uma sondagem da Ipsoos Gobal Public Affairs
divulgada em Maio deste ano e realizada junto de 16 262 indivíduos, em mais de 20 paises, revelou que
uma em cada sete pessoas acredita que o fim do mundo está próximo. Cerca de 15%
dos inquiridos acham que isso vai acontecer durante a sua vida e 10% acreditam
que é já daqui a 15 dias…
Mas nem tudo são más notícias praticamente em todos
os lugares do mundo maia – México, Guatmala, Honduras; Belize e El Salvador –
hóteis e muitos voos têm lotação esgotada, em Dezembro. No início do ano,
esperava-se um aumento de 10% do afluxo de turistas a estes países – e em
muitos casos as expectativas estão a ser superadas, só nos estados mexicanos de
Campeche, Chiapas, Quintana, Roo, Tabasco e Yucatam previam-se 52 milhões de
visitantes, este ano, e estiveram planeados mais de 500 eventos culturais mais
para 2012. Nenhum destes acontecimentos é, a bem da verdade, uma representação
séria do fim do mundo, como «teoricamente» era esperado pelos maias. Nem poderia
ser: quando Firmo Choco, um camponês indígena do Belize, de 39 anos, ouviu
falar das previsões apocalípticas que os ocidentais new age faziam a partir do
calendário maia, ficou espantado: afinal de contas, ele já não o usa e, se
usasse, limitar-se-ia a virar-lhe a página. De qualquer forma, disse, estava
mais preocupado com as colheitas de milho e cacau que iriam permitir à sua
família não passar fome durante todo o ano de 2012. O dia 21 de Dezembro
incluído.
APOCALÍPSE
O QUE DIZEM OS CIENTISTAS
Autor: Sara Sá
Impacto
de um asteroide: Há 65 milhões de anos, um asteroide de
10km de diâmetro atingiu a Terra, perto do Novo México, e acabou com os dinossauros
e com mais de metade das espécies que habitavam a Terra. Monica Grady,
cientista britânica, especialista em meteoritos, estima que a Terra é atingida
por um objeto espacial com mais de seis quilómetros de diâmetro a cada cem
milhões de anos. Isto seria suficiente para causar terramotos, tsunamis,
escurecer o céu e tornar o planeta num lugar inóspito e pouco recomendável.
Neste momento, os astrónomos vigiam 1200 objetos celestes, com um risco
potencial de atingir a Terra.
Erupção
vulcânica: A caldeira de Yellowsstone, o mais antigo parque
Natural americano, tem sido palco de violentíssimas erupções vulcânicas – cada uma
mil vezes mais intensa do que o vulcão dos Capelinhos, na ilha do Faial. Nos
últimos 2,1 milhões de anos aconteceu três vezes. O último super vulcão
explodiu há 640 mil anos, criando a deslumbrante paisagem que atrai milhares de
turistas, todos os anos. Pequenas erupções têm continuado a acontecer, desde
então. Não se sabe quando voltará a dar-se uma nova mega explosão, para além de
poder destruir o continente americano, deixará o ar irrespirável, devido às
cinzas, o sol encoberto e os dias transformados num longo inverno vulcânico.
O
fim do Sol: Investigação recente prevê que a Terra
venha a ser engolida pelo Sol. Mas, antes disso, a vida na Terra já se terá
tornado insustentável, uma vez que, no seu ciclo de vida de gigante vermelho, o
Sol ter-se-á tornado demasiado quente, fervendo toda a água do planeta, que se
escapará para o Espaço. Este fim está previsto para daqui a mil milhões de
anos.
Choque
galáctico: dados do telescópio Espacial Hubble permitiram
confirmar que a nossa galáxia vai mesmo colidir com a galáxia Andrómeda. O
choque está previsto para dentro de 4 mil milhões de anos. O que acontecerá ao
Sistema solar e à Terra em particular ainda é uma incógnita. Mas, nessa altura,
tal não será muito relevante, uma vez que a vida na Terra já terá desaparecido
por causa do aumento da temperatura causada pelo sobreaquecimento do Sol.
A
epidemia incontrolável: A gripe das aves, a dos porcos, ou
a pneumonia atípica foram uma pequena amostra do que uma epidemia mortal e sem
tratamento pode fazer da vida humana. Num mundo globalizado, com viagens
intercontinentais à velocidade do som e em que o problema da resistência aos
antibióticos preocupa cada vez mais os médicos, não está descartada a hipótese
de uma epidemia vir a dizimar a nossa espécie.
O Homem: Ataques com antrax, armas biológicas ou
bombas nucleares (as bombas de hidrogénio atuais são 4400 vezes mais potentes
que a de Hiroshima) são apenas algumas das ameaças terroristas, bem reais, nos
nossos dias. Sem esquecer a poluição e as alterações climáticas com todo o
impacto que podem ter no equilíbrio dos ecossistemas. É caso para dizer que o
maior inimigo da vida na Terra pode ser o próprio Homem.
Fonte: Revista Visão nº 01031
De 6 a 12 de Dezembro de 2012
Por João Dias Miguel
Mikii
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