“Entre nós, os primeiros
filhos estão a nascer quando as mulheres têm mais ou menos 30 anos. Quer dizer,
coincidentemente com a fase em que em termos estritamente biológicos, a
fertilidade começa a declinar.”
Há muitas maneiras de as
pessoas serem férteis: nos afectos que prodigalizam, nas ideias que recriam e
desenvolvem, nas atenções que dispensam, nas narrativas que produzem e ajudam
outros a crescer, no que constroem e é, em si mesmo, marcante ou sentido por alguém
como tal.
A fertilidade de alguns
escritores, artistas, ideólogos e também a de desconhecidos nossos, que se desmultiplicam
em gestos e atitudes que, consensualmente, cremos produtivos, está ai todos os
dias a dizer-nos que ser fértil não acaba nem começa no ter filhos.
Apesar disso, apesar dos
múltiplos sentidos que a fertilidade pode ter, acho que irremediavelmente a
associação vai direitinha para a capacidade de procriar. Parece mais acessível
e de prazer mais imediato ter filhos que fazer obra. Parece que ter filhos é um
dado da Natureza, que se deve estimar e cumprir e que, ainda por cima, tem a
enorme vantagem de nos fazer iguais aos outros, de testemunhar do nosso estado
adulto e do nosso desejo de dádiva e de continuidade.
Acontece que nós, seres
humanos, tratamos a Natureza com despudorado laxismo. Não lhe ligamos muito.
Escrevemos sobre ela, e a propósito dela, discursos curiosíssimos: uns pouco em
alguma sintonia e uns muitos à completa revelia dos caminhos que ela parece
indicar. Uns desses tortuosos resultados é aquele que se prefigura hoje na
questão da fertilidade humana.
Entre nós, os primeiros
filhos estão a nascer quando as mulheres têm mais ou menos 30 anos. Quer dizer,
coincidentemente com a frase em que, em termos estritamente biológicos, a
fertilidade começa a declinar. Depois de termos decidido que os anos abaixo dos
20 eram impróprios para a conceção, em nome de uma longevidade humana cada vez
maior, de uma necessidade de diferenciação escolar e profissional crescente, de
uma imaturidade psicológica e social óbvias, fazemos agora o mesmo com os 20,
mais ou menos pelos mesmos motivos.
Ficamos assim, com a
década dos 30 e uma parte da dos 40 como fase procriativa, em que a vida está
arrumada, o conforto a garantir às crianças já é possível e todos os precisos
parecem nos conformes.
Aí, acontece cada vez
mais frequentemente descobrir-se que a criança que se deseja não vem. Que os
tratamentos disponíveis não são milagreiros e também eles são atentos à idade
dos progenitores. Mais de 35 anos já merecem um olhar esguelhado. Descobre-se
que afinal os homens também não são tão férteis quanto a tradição garantia e
que muitas vezes o esforço de ter um filho se torna numa aventura traumática e
complexa. Depois vem o espanto, o descrédito:
“Como é que ninguém me disse que eu, tão novo para tantas coisas, já sou
velho para outras?”
Provavelmente ninguém disse,
porque felizmente não é sempre assim, mas lá que a situação começa a ser
parecida com um problema, começa. Ainda agora uma mulher de 36 anos, com ar de
menina, me dizia que um dia talvez gostasse de ter filhos. Espero que esse dia
não seja um qualquer tarde de mais.
Professora de Psicologia
Clínica no ISPA
Fotos da net
Por: C@rlos@lmeida