segunda-feira, 13 de junho de 2016

A trindade Portuguesa dos Santos de Junho

Se fôssem vivos na Terra, S. João, o Baptista, e S. Pedro iriam fazer, não tarda muito, dois mil anos. S. João, que foi santificado no ventre da sua mãe, era um pedacinho mais velho que S. pedro. (Santo António de Lisboa)


(Santo António de Lisboa)

Quanto a Santo António, em comparação com os seus companheiros das festividades portuguesas de Junho - seria uma criança. Teria apenas, agora precisamente, 750 anos.
Em verdade, o nosso povo vê o santo de Lisboa como um rapazinho; fixou-o na idade adolescente, nimbou-o de lirismo e adormeceu-o às pedreiras da Sé ou nos Olivais de Coimbra – mas nunca em Pádua. Não está convencido o povo que o Santo de suaves mãos milagrosas e dôce jeito de sgurar o Menino Jesus, tivesse alguma vez saído de Portugal.(Igreja de Santo António de Lisboa)


(Igreja de Santo António de Lisboa)

Tudo quanto êle fez – teve de ser feito forçosamente na nossa terra, à sombra de um campanário de rústico semelhante ou junto das várzeas húmidas da água que escorre dos chafarizes, onde crescem violetas.

Quanto a S. João e a S. Pedro, o nosso povo aceita-os tal e qual êles nos chegaram na iconografia que já era velha quando Portugal nasceu para rezar, bailar e tecer redondilhas.

Dos três Santos de Junho, o Baptista é o único que usou sempre e nos transmitiu o seu verdadeiro nome: João, filho de Zacarias e de Isabel. S. Pedro não era Pedro – mas Simão. Santo António não era António – mas Fernando.
Isto são particularidades com os quais em rigor o povo nada tem. Contudo, se o santo de Lisboa se chamasse Fernando, era o chefe dos discípulos e apóstolos se se chamasse Simão – não teria isso poesia nenhuma. João, esse está muito bem. 


(São João Baptista)

Esta trindade gloriosa da Igreja tomou-a o povo português para si, ou à sua conta, conforme muito bem lhe apeteceu. Nos tempos da devoção mais pura, nunca a gente da nossa terra deixou de querer bem a qualquer dêstes santos, dentro dos ensinamentos da Igreja, acerca de suas vidas e obras, da sua bemaventurança. O lirismo português não sacrificou a verdade. Simplesmente, logo que cumpria o dever da oração, saltava á romaria e desfiava cantigas nas quais os santos de Junho já são outros. 


(Igreja de São João Baptista na Foz do Douro Porto)

Os atributos destes santos são para o povo aqueles que mais se enquadram ao entendimento simplista da sua obra. 



(Santo São Pedro Pescador)

São Pedro não é o discípulo apóstolo, o primeiro Papa, apedra angular. É o pescador. Tem as chaves do céu, mas as redes é que explicam a devoção dos homens dos litorais, das procissões à beira-mar, das irmandades marítimas.
S. João tem o cordeirinho ao colo, usa uma pele de ovelha, não era possível conceber para o conceito dos povos das terras e dos campos melhores atributos. O cordeirinho! Depois, parece que se alimentava de gafanhotos e de mel silvestre. Baptizou Jesus Cristo, mas a concha é atributo que escapa á observação de crentes através dos séculos. 


(Igreja de São Pedro Penaferrim - Sintra)

Santo António é só Lisboa – esta Lisboa onde em tôdas as igrejas e capelas houve e há sempre um altar de Santo António, nas ruas e ruelas existiam dezenas de nichos e de oratórios com a sua imagem, e ainda subsistem dezassete ruas ou serventias com o seu nome, mas onde – e é curioso – só há meia dúzia de meses se fez uma paroquial de Santo António. Talvez porque existisse como Casa da Cidade – a Igreja de Santo António da Sé.
Assim os Santos de Junho – a 13, 24 e a 29 – eram, até há pouco estridulamente festejados, numa série quase contínua de vésperas e de domingos, porque estes santos, através das idades e da evolução dos costumes e práticas, os compreendeu sempre o povo. As gentes das serras preferiam S. João, na sua primitividade silvestre; as das praias preferiam S. Pedro na sua humildade piscatória; as gentes da diocese lisbonense davam-se a Santo António na sua ingenuidade lírica e milagreira.


E por isso na cidade, que é um foco de gentes de todas as províncias, o S. João começa em Santo António e Santo António acaba em São Pedro.
Um anho de meia dúzia de dias, um barco de proa alta em bico, uma bilha que ninguém diz que esteve rachada – eis a explicação da trindade portuguesa dos Santos de Junho.
Não existe em outro qualquer país da cristandade.

Fonte: Revista Ver e Crer nº 2 de Junho 1945
Texto: Norberto de Araujo (escrito na integra como foi na época)
Fotos da net
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