Será
mesmo verdade que os felizes não têm história? E será que queremos mesmo essa
ausência de história em troca da alegada felicidade? Ou é da história que
conseguimos ter que retiramos a nossa felicidade? No fundo, história e felicidade,
acontecimentos e emoções, são a fita métrica da nossa vida.
1
– É ponto assente que os povos felizes não têm história. Ainda assim
suspeita-se da afirmação, ou pela descrença num qualquer estado de beatitude
relativamente permanente a que se possa chamar de felicidade, ou pela
circunstãncia de não se lobrigrar onde estejam os tais povos sem história.
Por
demasiadas razões, provavelmente mais das pessoas que dos povos e mais
individuais que colectivas, parece que a capacidade e o desejo de provocar
acontecimentos, embarcar em ideias que têm consequências, viver emoções e
significar os dias e a vida, chega e sobra para entrar numa especial corrente
do tempo a que depois se chama história.
2
– Mas a ideia da afirmação percebe-se: são os não acontecimentos, a ausência de
rupturas bruscas, a continuidade sem sobressaltos, o fluir dos dias de forma
esperada e previsível que, ao não permitirem pontuações especiais e
comemorações especiais, anulam um qualquer carácter histórico.
Por
qualquer razão, algumas pessoas dispõem-se a adaptar à sua dimensão esta frase
bonita e a fazerem de conta que não têm história, que tudo o que sentiram e
viveram era exactamente o esperado e adequado e que por isso, pelo facto de não
terem história são, têm de ser, felizes ou pelo menos contentinhas.
3
– Por qualquer razão, há como que uma espécie de vergonha em assumir para si
mesmo que «tendo tudo para ser feliz» afinal não se consegue chegar lá. Que há
pequenos acontecimentos de outros tempos, pequenas sensações do passado, minúsculos
dizeres de pessoas que já desapareceram ou perderam importância , que regressam
ciclicamente à mente, aos sonhos e influenciam o dia-a-dia, como se tivessem
importância.
Mas
queira-se ou não, o que aconteceu e o que se sentiu é, à escala individual, a
forma de mensuração do mundo. Mais acontecimentos, maior espectacularidade, não
se traduzem em maior sensibilidade ou emoção. Cada um tem a história que tem e,
porque é a sua, é necessariamente a de referência e a mais importante.
Seguro
mesmo é que as pessoas felizes também têm história. E sabem que a têm.
Fonte:
Revista Notícias Magazine
Foto:
Marta Torrão
Texto:
Isabel Leal (Psicóloga)
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