sábado, 19 de novembro de 2016

A espantosa inteligência dos animais


Há pouco tempo, passei uma manhã a tomar café com Kanzi. Foi ele quem me convidou, à sua habitual maneira arrevesada. Kanzi é um tipo de poucas falas – 384 palavras, numa contagem formal, embora provavelmente saiba mais algumas dezenas. Tem uma voz perfeitamente audível – clara, expressiva e muito alta. Mas não é especialmente bom a formar palavras. Nada de anormal, quando se é um bonobó, o parente mais próximo e sereno do chimpanzé.
Mesmo assim, Kanzi é conservador. Durante a maior parte do dia conserva uma espécie de glossário bem á mão, três folhas com centenas de símbolos coloridos que representam todas as palavras que lhe foram ensinadas pelos seus mentores ou aprendidas por ele próprio. Consegue construir pensamentos e frases, e até conjugar verbos, simplesmente apontando. As folhas incluem não apenas substantivos e verbos fáceis, como «correr» e «coçar», mas também palavras conceptuais como «de» e «mais tarde», e elementos gramaticais como as terminações para os gerúndios e pretéritos.


Kanzi sabe quebrar o gelo, antes de ir ao assunto. De modo que aponta para o ícone do café, no seu glossário. E, depois para mim. Chama então, pela primatóloga Sue Savage – Rumbaugh, investigadora do Great Ape Trust – o centro de investigação de Des Moines, no Lowa, onde Kanzi vive – e pelo supervisor de laboratório, Tyler Romine. Romine prepara quatro cafés e leva um a Kanzi, no seu recinto, por detrás de uma janela de plástico. O bonobó bebe – engole um trago, em boa verdade – e, como as nossas vozes são recolhidas por microfone, escuta o que dizemos.
«Dissemos-lhe que vinha cá um visitante», explica Savage – Rumbaugh. «Esta manhã, tem estado excitado e obstinado, e não conseguimos levá-lo para o quintal. Em troca, tivemos de negociar um pedaço de meloa.» Meloa ainda não faz parte da lista de palavras de Kanzi, pelo que o nosso amigo aponta para os símbolos de verde, amarelo e melancia. Quando provou couve, chamou-lhe «alface lenta», porque leva mais tempo a mastigar.


A Great Ape Trust, sem fins lucrativos, aloja sete bonobós, incluindo o filhote de Kanzi, Teco nascido a 1 de Junho de 2010. Kanzi não é o primeiro macaco a quem foi ensinada linguagem. Este centro adopta uma nova abordagem, criando macacos desde a nascença com linguagem falada e simbólica como característica constante dos seus dias. Tal como as mães humanas levam os bebés a passear e falam com eles sobre o que vêem, mesmo que a criança ainda não entenda, os cientistas deste centro também narram a vida aos seus bonobós. Com a ajuda dessa imersão total, os macacos aprendem a comunicar melhor, mais depressa e com maior complexidade.
Seja como for, Kanzi não está hoje interessado em falar muito, preferindo correr e saltar para mostrar os seus dotes físicos. «Bola», escolhe ele nas suas folhas do glossário, quando acaba o café. «Diga-lhe que a vai buscar», sugere-me Savage – Rumbaugh, mostrando-me onde estão os símbolos necessários na folha que tenho na mão. «Sim-eu-vou-caçar-a-bola», escolho lentamente. Caçar é uma palavra que Kanzi usa alternadamente com obter. Levo algum tempo a encontrar a bola num gabinete e, quando regresso, Savage-Rumbaugh pergunta verbalmente a Kanzi: «Estás pronto para jogar?» olha para nós sinistramente. «Passado pronto», indica.
Criaturas Conscientes
Os seres humanos têm uma relação plena com os animais. São nossos companheiros e nossos bens, membros da nossa família e nossos criados, nossos animais de estimação e nossas pestes. Adoramo-los e metemo-los em jaulas, admiramo-los e abusamos deles. E, claro, cozinhamo-los e comemo-los.
A nossa justificação sempre foi a de que podemos fazer com os animais o que quisermos porque eles não sofrem como nós. Não pensam, pelo menos de qualquer maneira significativa. Não se preocupam. Não têm sentido do futuro ou da sua própria mortalidade. Podem dedicar-se, mas não amam. Tanto quanto sabemos, podem nem ser conscientes. Para muita gente a Bíblia dá o argumento mais poderoso. Foi concedido aos seres humanos o «domínio sobre os animais do campo», e aí a discussão pode mais ou menos parar.
Mas as bermas que construímos entre nós e os animais estão a ser eliminados. Costumamos dizer que os seres humanos são os únicos animais que utilizam ferramentas. Então e os pássaros e macacos que sabemos que as usam? Os seres humanos são os únicos capazes de empatia e generosidade. E então os macacos que praticam a caridade e os elefantes que velam os seus mortos? Os seres humanos são os únicos que sentem alegria e conhecimento do futuro. Então e o estudo recentemente publicado, no Reino Unido, a mostrar que os porcos criados em ambientes confortáveis exigem optimismo, movendo-se em direcção a um novo som, em vez de fugirem temerosamente dele? E quanto aos seres humanos serem os únicos animais com linguagem? Kanzi explicar-nos-ia que não é verdade. Não basta, pois, estudar o cérebro dos animais, dizem agora os cientistas. Temos de conhecer a sua mente.


Já aceitamos que os macacos e os golfinhos são conscientes. E gostamos de pensar que os cães e os gatos também o são. Mas e os ratos? E uma mosca? Passa-se com eles alguma coisa? Um cérebro diminuto num animal simples tem o suficiente para controlar apenas as funções básicas do corpo? A nossa avaliação é, com frequência, toldada por sentimentos adquiridos em relação a uma dada espécie. É provável que uma barata não tenha menos poder cerebral do que uma borboleta, mas somos céleres a negar-lhe consciência, porque é uma espécie que nos repugna. Ainda assim, a maioria dos cientistas concorda que a consciência brilha mais intensamente nos humanos e em outros animais superiores, diluindo-se para uma luz vacilante e, por fim, para a escuridão, nos seres inferiores.
Embora o tamanho do cérebro tenha, por certo, alguma relação com a esperteza, muito mais se poderá aprender da sua estrutura. O pensamento superior tem lugar no córtex cerebral, a região mais evoluída do cérebro e que falta a muitos animais. Os mamíferos são membros do clube do córtex cerebral e, como regra, quanto maior e mais complexa se mostra essa região, mais inteligente é o animal. Mas não é a única via para o pensamento criativo. Veja-se a utilização de ferramentas, através das lontras: dominaram a tarefa de esmagar moluscos com pedras para chegar à carne que está lá dentro, o que, embora primitivo, conta. Mas se a criatividade reside no córtex cerebral, porque razão os corvídeos a classe de aves que inclui os corvos e os gaios, usam melhor as ferramentas do que quase todas as espécies não humanas? Os corvos, por exemplo revelam-se adeptos de dobrar arame para criar um gancho que possa pescar comida no fundo de um tubo de plástico. Mais notável, ainda, verificou-se que a gralha, uma ave da família dos corvos, conseguia raciocinar o suficiente para deitar pedras num recipiente parcialmente cheio de água, a fim de fazer subir o nível e poder saciar a sede.
O modo como as aves realizaram tal habilidade sem possuírem um córtex cerebral tem provavelmente a ver com uma região cerebral que partilham com os mamíferos: os gânglios basais, estruturas mais primitivas envolvidas na aprendizagem. Os gânglios basais dos mamíferos são feitos de várias estruturas, enquanto os das aves se resumem a uma. Sucede porém que o cérebro das aves é multifacetado, efectuando diferentes tarefas ao mesmo tempo. O resultado é igual, com a informação processada. Só que as aves atingem-no de maneira mais eficaz.


No caso dos corvídeos e de outros animais, o que pode activar ainda mais a inteligência é a estrutura, não do seu cérebro, mas das suas sociedades – sobretudo quanto à caça. Veja-se o rei dos animais. 


«Os leões fazem coisas extraordinárias», diz a bióloga Christine Drea, da Universidade de Duke. «Um animal coloca-se para a emboscada, e outro espanta a presa nessa direcção.» Mais impressionante, ainda, é a hiena. «Só por si, uma hiena pode derrubar um gnu, mas são precisas várias para deitar ao chão uma zebra», explica Christine Drea. «De modo que planeiam previamente o tamanho da presa e saem para caçar uma em particular. Decidem que vão caçar uma zebra. Ignoram até um gnu, se passarem por algum no caminho.»
É certamente significativo que os corvos sejam as aves mais hábeis e sociais, com longas e estáveis ligações ao grupo. Também é elucidativo que os animais de manada, como as vacas e os búfalos, exibam pouca inteligência. Embora vivam colectivamente, a sua sociedade tem reduzida forma. «Numa manada de búfalos, o Manel não quer saber quem é a Maria», diz Drea. «Mas entre os primatas, carnívoros sociais, baleias e golfinhos, cada indivíduo tem o seu próprio lugar.»

Nós e os outros

A teoria da mente revela-se essencial para a comunicação e a autoconsciência – e alguns animais mostram-na. Os cães têm o entendimento inato do que significa apontar: há alguém com informação para partilhar e que está a chamar a sua atenção para que possa aprender também. Parece simples, mas só porque nascemos com essa capacidade e, a propósito, temos dedos para apontar. Os grandes macacos, apesar do seu impressionante intelecto e mãos com cinco dedos, não parecem programados de fábrica para apontar. Mas pode, tão só, faltar-lhe a oportunidade de o fazer. Um macaco bebé raramente se afasta da mãe, agarrando-se ao seu abdómen. Mas Kanzi, que foi criado em cativeiro, andou muitas vezes nos braços de seres humanos, e teve assim as mãos livres para comunicar.
Apontar não é o único indicador de uma espécie inteligente que adquire a teoria da mente. 


Os gaios azuis – outro corvídeo – escondem alimentos para usarem mais tarde, e têm muito cuidado com a possibilidade de animais intrusos os estarem a ver. Se notar que foi observado, o gaio espera que o outro animal se afaste, e depois dissimula a comida num sítio diferente. Compreende, pois, que a outra criatura tem mente – e manipula-a.
O padrão ouro para demonstrar uma compreensão da distinção entre nós e os outros é o teste do espelho. Ou seja, se um animal consegue ver o seu reflexo e reconhecer o que é. Pode ser adorável ver um gato observar-se num espelho e correr para o outro lado em busca do imaginário companheiro. Mas não é sinal de grande cabeça. Os elefantes, os macacos, e os golfinhos são das poucas criaturas que conseguem passar o teste do espelho. Os três reagem apropriadamente, depois de ter sido aplicada uma marca na tinta na sua testa ou noutra parte do corpo. Os macacos e os elefantes irão tocar na marca com o dedo ou com a tromba, em vez de tentarem chegar ao reflexo. Os golfinhos colocam-se de maneira a verem melhor o reflexo da marca.
Se os animais podem raciocinar – mesmo de uma forma que consideremos rude -, a questão inevitável passa a ser: podem sentir? Sentirão empatia ou compaixão? Podem amar, preocupar-se, ansiar ou ter desgosto? E o que diz sobre o modo como os tratamos? São perguntas armadilhadas a que a Ciência não pode furtar-se.


Os elefantes parecem chorar os seus mortos, debruçando-se sobre um companheiro inerte com aparente desgosto. Os macacos também ficam durante dias perto do corpo sem vida de um dos seus. A empatia para com os membros vivos da mesma espécie não é, igualmente, novidade. 


«Quando os ratos estão em sofrimento, os companheiros que o vêem começam também a contorcer-se, partilhando a dor», diz Marc Hauser, professor de Psicologia e Biologia Antropóloga, em Havard. «Não precisamos de Neurobiologia para concluir que isso sugere consciência.» Já Frans de Waal, do Centro Nacional Yerkes de Investigação de Primatas, em Atlanta, coordenou um estudo em que macacos mostravam gosto em oferecer comida a companheiros, desde que fossem familiares ou, pelo menos, conhecidos. Estamos bem perto de pesquisas no cérebro humano, que revelam actividade nos centros de recompensa de alguém que concretiza u ato de solidariedade.


O glossário de Kanzi inclui, aliás, palavras como «bom» e «feliz», «ser» e «amanhã». Se é verdade que todos estes termos têm significado para ele, então a sua vida – e, por extensão, a de outros animais – pode ser rica e valer a pena.

Fonte: Revista Visão
Texto: Jeffrey Kluger
Fotos da net
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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

História romântica duma amorosa que foi rainha

(Rainha D. Mecia Lopes de Haro)


D. Mecia Lopes de Haro, Rainha de Portugal, mulher de D. Sancho II, era o que as novelas românticas chamam uma mulher fatal e as crónicas cinéfilas chamam uma vamp.
Os cronistas são concordes em dizer que ela era exactamente bela. E pela sedução que espalhou, pelas disputas a que deu lugar, pelos acontecimentos que desencadeou, somos levados a concluir que têm razão.(Rainha D. Mecia Lopes de Haro)

(Brasão da Casa de Haro. Mécia nasceu em berço nobre, estava ligada a sua família às casas reaias de Leão e Castela às casas de Haro e de Lara)

D. Mecia era filha de Lopo Dias de Haro, «O cabeça brava», senhor de Bicaya, e tinha das mulheres da sua raça a desenvoltura do corpo e o olhar de sonho que se inspira nos longínquos e enigmáticos horisontes do mar. Era de estirpe real, visto ser neta, por sua mãe de Afonso IX de Leão, e uma certa altivez junta ás graças da sua formosura tornavam-na dominadora. À sua simples passagem, deixava após si um perfume que enlouquecia e ficava sempre nas narinas e uma fascinação que envenenava e ficava para sempre no sangue, os venenos de mujer e de serpente de que fala Villaspaesa. Lopo Dias era um velho guerreiro experimentado em mil campanhas e enfeitado de mil proezas. Sua filha acompanhava-o em muitas dessas digressões heróicas e foi num acampamento que Alvaro Perez de Castro a viu e logo se enamorou.
Mas Alvaro Perez era casado com a condessa de Urgel. Alvaro Peres repudiou-a.
Foi preciso, porém, ainda disputa-la a Martins Sanches, o bastardo de D. Sanches I, a quem a presença de D. Mécia trazia enlevado e cativo.

E um dia que a bela biscainha se encontrava na sua tenda, fora do cêrco que o Rei de Castela havia pôsto às forças de Alvaro Perez, êse surgiu airoso e destemido no seu cavalo afogueado armado de todas as armas para um madrigal ou para um combate. Martins Sanches, rubro de ciúme, foi-lhe ao encontro, apenas vestido de manto e saio, com a primeira lança que encontrou. Mas Alvaro Perez, vendo o adversário sem armadura, deu-lhe desdenhosamente com o couto da sua lança e retirou para a vila cercada.
Foi talvez esta audaciosa incursão por amor dela, que tocou o coração de D. Mécia, porque algum tempo depois casava com Alvaro Perez, já então reconciliado com o seu Rei.
Mas não ficou inactiva, nem se recolheu à paz doméstica do seu lar, porque isso era incompatível com o seu feitio impetuoso e com as predilecções guerreiras que tinha adquirido no convívio com o pai. Acompanhou o marido em várias expedições, entrou em terra de mouros, assistiu a batalhas, presenciou morticínios e dizem as crónicas que esteve em riscos de ser raptada por Alhamar, wali de Arjona. Foi em Cordova, que Alvaro Perez governava, no Castelo de Martos, poderosa fortaleza que era a chave da Andaluzia, situado numa penha muito alta que dominava a cidade e donde se avistava toda a serra em redor e o vale profundo onde corria o Guadalquivir.
Alvaro Perez tinha ido à côrte e deixado o Castelo á guarda de seu sobrinho D. Telo. Este aproveitou a ocasião para fazer com os cavaleiros os seu comando umas correrias por terras de mouros, deixando o castelo abandonado.
Alhamar, que farejava nos arredores, cobiçoso do castelo e porventura da castelã, reuniu forças numerosas e marchou à conquista da penha de Martos. Mas D. Mécia ao avistar os pendões da moirama não perdeu o ânimo. Mobilizou as suas  donas e donzelas, revestiu-as de armas, colocou-as nas ameias do castelo em ar de batalha ao mesmo tempo que mandava avisar D. Telo dos perigos que corria. O ardil de D. Mécia deu resultado, porque os cavaleiros chegaram a tempo de defender o castelo e de derrotar Alhamar.
Pouco tempo depois, Alvaro Perez morria em Orgaz e D. Mécia, viúva e jovem, recolhia como dama de honor à côrte de D. Berengaria, mãe de D. Fernando III de Castela.

(D. Mécia casa entre 1242 e 1245 com D. Sancho II  de Portugal)

Foi nesta côrte que D. Sancho II a teria encontrado apaixonando-se desde logo por ela. Sabe-se que o Rei Português se interessou pela solução leonesa a favor do Rei castelhano e que entre eles ficaram relações que perduraram através dos revezes e amarguras do reinado melancólico de D. Sancho. É provável que fosse numa das suas Idas à côrte de D. Berengaria, para se avistar com o filho, que se deu o encontro que o enfeitiçou.
O que é certo é que D. Mécia, passado algum tempo da sua viuvez, aparece na côrte portuguesa, rainha pelo domínio da sua beleza e pela autoridade legítima do seu título. Muitos malefícios lhe são atribuídos pela decidida influência que exercia no ânimo do Rei. Mas também pode dizer-se que as únicas horas de felicidade que teve D. Sancho, a única consolação que por momentos o desviou das apreensões do seu destino, as encontrou no seio confortador de D. Mécia! Foi rápido o idílio, porque uma noite a rainha fugiu na garupa do cavalo de D. Raimundo de Porto Carrero. Alguns historiadores falam em rapto como se fosse possível, sem a conveniência de D. Mécia, penetrar na alcáçova e, sobretudo, arranca-la do leito conjugal, dos braços do marido, sem resistência e sem luta.
O quadro pode desenhar-se com segurança, mesmo a esta distância de séculos. D. Mécia desprendeu-se brandamente dos braços do Rei, caído em sono profundo, talvez depois de uma noite de amor, atravessou pé ante pé a alcova e os corredores frios do paço e entregou-se deliberadamente às mãos do seu captor.
Quais as razões da sua fuga? A ambição? Evidentemente que não, porque D. Mécia não podia ter ambição maior do que ser rainha e, por mais precária que fosse a segurança do trono de D. Sancho não era melhor a situação que lhe podiam dar.
O medo do Exilio? Mas o exilio de Ourem era com certeza mais desvantajoso para ela do que o exilio real de Toledo, com a sua dignidade de rainha, ao lado da côrte de Castela, onde tinha amigos, porque se D. Mécia era biscainha pela origem, era castelhana pelo coração.
A traição política? Menos provável ainda, porque D. Mécia não iria atraiçoar o homem que lhe deu o título de Rainha, nem uma causa que superasse todas as honras e bens de que gozava, tanto mais que D. Sancho tinha por seu lado as simpatias políticas de Fernando de Castela, o filho de D. Berengaria.
O quê então? A história é a tal respeito obscura, enigmática, indecifrável.
Mas pode deduzir-se do que narram secamente os cronistas que D. Mécia era uma grande amorosa e, portanto, o seu destêrro voluntario de Ourem, sem côrte, sem autoridade, sem honras, sem títulos, só se explica pela paixão.

(Depois de raptada, D. Mécia é levada para o Paço Real em Ourém)

Segundo Rui de Pina, o cronista de D. Sancho II D. Mécia fora levada de Ourém para a Galiza e nunca mais houve notícias suas. Ignora-se se realmente foi para a Galiza, nem há memória dela senão depois de um intervalo de dez anos. Existe um documento que, apesar de lhe faltar a indicação do lugar, mostra que ela vivia nessa época nos domínios de Castela: por esse documento, datado de 24 de Fevereiro de 1257, D. Mécia e o cunhado, D. Rodrigo Gonçalves, como testamenteiros de D. Theresa Aires, faziam entrega de certas igrejas ao convento de Benavides.
Naquele local perfilha o infante D. Fernando, o qual herda todos os bens e que entra ainda na disputa da herança de D. Sancho II pela viúva do obituário. Falecida em Palência, segundo a tradição, onde possuía terras, foi sepultada em Nájera no mosteiro beneditino de Santa Maria, na Capela da Cruz. Sobre o túmulo, suportado por quatro leões com as armas de Portugal ao peito, está o vulto com traje de Biscaia. D. Fernando encarregou-se de instituir seis capelões e uma missa diária pela sua alma.


A obra História de Portugal, de Alexandre Herculano, ainda hoje vastamente estudada por historiadores e cientistas, infere alguns capítulos sobre a biografia de D. Mécia e a sua importância na crise de 1245
“ (…) É certo, que o ter abandonado marido na adversidade foi um acto de ingratidão que nada pode justificar, mostrando que a heroína de Martos sabia melhor defender um castello sitiado pelo inimigo, do que retribuir o amor extremoso que lhe consagrára um principe infeliz, ou ao menos cercear-lhe os amargores do exilio e as saudades do throno perdido.

Fonte: Revista Ver e Crer nº 2 de Junho 1945
Texto: Carlos Olavo
Fotos da Net
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terça-feira, 15 de novembro de 2016

Rio de Janeiro

O triunfo da Natureza no belo Rio de Janeiro


Que a Natureza estava inspirada quando criou o Rio de Janeiro é uma verdade que entra pelos olhos adentro.: desenhou-lhe baías de formas aerodinâmicas, esculpiu-lhe morros arredondados, banhou-o de sol, calor e humidade, rasgou-lhe cursos de água fresca em rios, cachoeiras, e lagoas e, à laia de remate, polvilhou a obra com um manto luxuriante de Mata Atlântica. Tamanho momento de inspiração resultou no seguinte: de todas as cidades do Mundo, o Rio é por ventura, aquela que tem o entorno natural mais belo. Pode elogiar-se o espírito alegre e desprendido dos cariocas e o ‘astral’ do Leblon, Ipanema e Copacabana, mas quem visita a ‘cidade maravilhosa’ não pode passar ao lado das belezas naturais que fazem em absoluto a sua singularidade. É delas que nos propomos falar – Jardim Botânico, Parque Nacional da Tijuca, Lagoa Rodrigo de Freitas.


DOM RODRIGO ALCUNHADA o ‘Coração do Rio’, por causa da forma, a Lagoa Rodrigo de Freitas deve o nome ao Capitão Português que em 1660 desposou Dona Petrolina Fagundes, filha de Sebastião Fagundes Varela, proprietário de um engenho e das terras em torno do lago. É, para muitos, a melhor representação da paisagem do Rio, na relação criada entre o espelho d’água da lagoa e os contrafortes do maciço da Serra Tijuca. Esta beleza natural é alimentada por águas que descem das montanhas pelos rios Cabeça, Rainha e dos Macacos, com um contorno de 10 km e que nem os prédios dos bairros circundantes desfeiam.


Para Norte, a parede quase a pique do morro do Corcovado, a Este, o morro dos Cabritos, para Sul Ipanema e para Oeste o Jardim Botânico. Apesar da mancha urbana, o verde ainda é o tom predominante. A lagoa, como os calçadões de Copacabana e de Ipanema, é um dos lugares eleitos pelos habitantes da Zona Sul para actividades desportivas e de lazer, como um ‘chopinho’ ao final de tarde nos quiosques do Parque dos Patins.


Preocupada em preservar a área, a prefeitura carioca criou, em 1990, uma área de protecção ambiental não só da lagoa mas também da zona envolvente de modo a salvaguardar a manutenção deste espelho de água cuja superfície original já foi quatro vezes maior e acabou consecutivamente diminuída ao longo de três séculos, devido a aterros. Para ver a Lagoa Rodrigo de Freitas em todo o esplendor, é imperioso subir à estátua do Cristo Redentor, preferencialmente ao pôr-do-sol. A lagoa fica
Bordejada de luzinhas, que surgem reflectidas no seu manto líquido numa visão inesquecível.


JARDIM BOTÂNICO. Perto da Rodrigo de Freitas fica o Jardim Botânico, designação do parque que acabou por baptizar o bairro vizinho. É uma das muitas jóias deixadas em herança pela Coroa Portuguesa ao Brasil. O jardim foi fundado em 1808 por D. João VI e agrupa numa superfície de 141 há um total de 138 mil plantas e árvores de 8600 espécies diferentes. Reserva da Biosfera da UNESCO desde 1991, o jardim viu assim reconhecida a sua relevância, sendo visitado por cerca de 450 mil pessoas em cada ano. As palmeiras imperiais originárias da América Central e que ladeiam a alameda Barbosa Rodrigues (antigo director e impulsionador do jardim), num total de 134, são o cartão-de-visita do parque. Acrescenta-se a título de curiosidade, que, quando estas palmeiras deram os seus primeiros frutos, o então director do jardim, cioso das suas árvores, tentou monopolizar o plantio. Em Vão: durante a noite, escravos subiam às árvores e colhiam as sementes, que depois vendiam. Daí resultou a disseminação desta palmeira por quase todo o Brasil. A Aprazibilidade do local levou à fixação de população que ali formou o embrião de um bairro tranquilo, que assumiu o nome do jardim e que hoje conta com duas extensões verdes, o parque Lage, recentemente renovado e uma zona conhecida como o Horto, situada nas traseiras do Jardim Botânico.(Museu do Amanhã e Transporte)

(Museu do Amanhã e Transporte)


(Museu de Arte Contemporânea)

PEDRO E A TIJUCA. Reza a história que no dia 11 de Dezembro de 1861, D. Pedro II, Imperador do Brasil aconselhado pelo barão do Dom Retiro, tomou uma decisão que viria a revelar-se providencial. Preocupado com os graves problemas de abastecimento de água à cidade decorrente da seca dos rios das serras da Carioca e da Tijuca por falta da cobertura arbórea, o monarca ordenou a expropriação de todas as fazendas de café e o replantio da serra tijucana, salvando uma boa porção da Mata Atlântica e criando o maior parque florestal urbano do Mundo com uma superfície de 3200 há, hoje classificado como Reserva da Biosfera. 

(Parque do Flamengo)

Encarregue da missão, Manuel Gomes Archer, major da Guarda Nacional, liderou a equipa que plantou mais de 80 mil plantas e assegurou a manutenção dos caminhos e outros acessos ao alto da serra. Diversas espécies de micos (macacos), Iguanas e esquilos voltaram ao antigo habitat, rios, ribeiros e cachoeiras voltaram a encher-se de água fresca, a cidade fluminense manteve o seu pulmão verde., hoje motivo de orgulho e lugar de lazer (mais um!) dos cariocas.

(Arcos do Lapa)
O Parque Florestal da Tijuca, tem três núcleos: a Serra da Carioca, onde fica o famoso miradouro da Vista Chinesa; a Floresta da Tijuca, que tem como atracções a cascatinha Taunay, a Capela Mayrink, o Mirante do Excelsior, o Açude da Solidão e o Museu do Açude; e o conjunto Pedra da Gávea/Pedra Bonita, onde ficam os trilhos que levam aos respectivos cumes e onde estão as rampas de lançamento de Asa Delta e Parapente, isto claro, para quem quiser matar a sede de emoções…



Fonte: Revista Domingo (Correio da Manhã)
Texto: André Pipa
Fotos da Net
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segunda-feira, 14 de novembro de 2016

E o vencedor é...

Quais são as dez melhores obras literárias de sempre? O editor americano J. Peder Zane tentou encontrar uma resposta tanto quanto possível concreta para matéria tão subjectiva, e pediu a 125 grandes escritores que lhe fornecessem o seu «top 10» pessoal. Tudo somado, o resultado a que chegou foi o seguinte:

1.       Anna Karenina, de Leão Tolstoi


2.      Madame Bovary, de Gustave Flaubert
3.       Guerra e paz, de Leão Tolstoi


4.      Lolita, de Vladimir Nabokov
5.      As Aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain
6.       Hamlet, príncipe da Dinamarca, de William Shakespeare
7.      O grande Gatsby, de Scott Fitzgerald
8.      À procura do tempo perdido, de Marcel Proust
9.      Contos, de Anton Tchekov
10.A vida era assim em Middlemarch, de George Eliot

Note-se que Tolstoi é não só o vencedor absoluto como o único «repetente» da prestigiosa lista.

Fonte: Revista Visão
Fotos da net
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domingo, 13 de novembro de 2016

Kama Sutra

Ginástica dos Sentidos


O Kama Sutra é o trabalho antigo mais completo sobre o amor e, talvez por isso , não perdeu actualidade nem deixou de se multiplicar pelo mundo em inúmeras edições para diferentes públicos. Há sempre algo novo a aprender: se não for o 69 vertical ou o carrinho de mão, que seja o poder de um beijo vigoroso ou de umas boas dentadas.


Os homens não tiram o turbante, as mulheres deixam ficar as jóias e o Kohl nos olhos para os enredar em mistério, mas tudo o mais é despido de preconceitos, para que os amantes dêem largas ao desejo amoroso que os consome. O sexo no Kama Sutra não é apenas sexo, por muito que as cenas de penetração em piruetas acrobáticas possam sugerir o contrário.

Há as palavras murmuradas ao ouvido, o segredo do abraço, os cheiros do outro, a técnica do beijo e das pressões, a sensação escorregadia da pele suada, o sabor a sal do parceiro. Além de ser aceite como o trabalho antigo, mais definitivo sob o amor na literatura sânscrita, o texto indiano escrito por Vatsyayana no século IV é, sobretudo, uma receita (sutra) para o gozo dos sentidos (kama). Talvez por isso se mantenha actual e seja continuamente reeditado em todo o mundo, ora com mais prosa e as ilustrações originais, ora com fotos recentes de casais modernos a provar que tudo aquilo é possível, incluindo as cambalhotas num baloiço em andamento.
«Ao contrário do que muitos pensam, o Kama Sutra não é um manual de sexo nem um trabalho sagrado ou religioso. Também não é um texto tântrico», explica Indra Sinha, escritor anglo-indiano que, a partir da década de 1980 se dedicou a estudar e a traduzir os ensinamentos amorosos dos clássicos para dar a conhecê-los aos apaixonados ocidentais. No Kama Sutra há capítulos sobre o amor físico e as posições sexuais a adoptar – são esses, de facto, os mais conhecidos dos leitores -, mas também considerações gerais sobre a busca de conhecimento, as prioridades da vida na época, o estímulo do desejo, tipos de carícias, uso de unhadas, dentadas, estaladas e gemidos, sexo oral, preliminares e remates, casamento, técnicas para relaxar e possuir a parceira, deveres e privilégios da esposa favorita e de outras mulheres, formas de fazer dinheiro e renovar amizades com antigos amantes, truques para melhorar a atracção física e conseguir benefícios em proveito próprio, análise de sentimentos, dicas para mobilar e decorar a casa, mezinhas para manter a virilidade e até investidas para conquistar sem esforço as mulheres de outros homens.
«O objectivo de Vatsyayana era definir a relação completa entre um homem e uma mulher e, ao fazê-lo ofereceu-nos um relance fascinante do quotidiano, da cultura e dos comportamentos no império gupta», sublinha Sinha. Naquele texto, faça-se o que se fizer – plantar um jardim ou rebolar na alcova -, não existe lugar para o pecado ou a timidez. O orgasmo é uma bênção dos deuses e não motivo de vergonha, a união de um casal considerada divina. «O Kama Sutra é amoral do princípio ao fim: o que mais próximo dele existe no Ocidente é Maquiavel», confirma o tradutor. Por outro lado, ao retractar em pormenor o lugar que homens e mulheres ocupavam na sociedade, o seu papel na hierarquia e a dinâmica dos poderes instituídos, acaba por ser igualmente um tratado fiel á Índia antiga.

Uma ode ao amor


Segundo a versão integral do Kama Sutra das Publicações Europa-América, inserida na colecção Grandes Clássicos Eróticos e reproduzindo a versão inglesa da autoria de Sir Richard Burton e Forster Fitzgerald Arbuthnot (publicada na Inglaterra em 1883), os aforismos sobre o amor de Vatsyayana contêm cerca de 1250 versículos divididos em sete partes, estas em 36 capítulos e estes em 64 parágrafos. Do autor sabe-se muito pouco, apenas que o seu nome seria Mallinaga ou Mrillana, sendo Vatsyayana o nome de família. Quanto ao livro está editado pela Relógio d’Água, Penguin Books, Civilização Editora, Bertrand, Virgin Books, Gailivro, Asa, Albin Michel, Madras, Eros Trading, Robinson Publishing, Wordsworth, Lustre Press, Brijbasi, Contre-Dire, Hamlyn ou Octopus, entre muitas outras, em alguns casos mantendo a versão integral, noutra adaptados por autores diversos de forma a caber em manuais práticos, livros ilustrados de cabeceira, de bolso, exigências modernas, técnicas clássicas, amor homossexual, escapadelas no escritório, melhores posições e Kama Sutra na cama e fora dela. Todas as versões são populares e, dizem os editores, têm sempre aceitação junto do público.


«Embora o Kama Sutra seja muito mais do que um livro do que hoje se chamaria sexologia, continua a ser considerado o maior e melhor manual do Mundo sobre sexo», explica o director editorial da Europa-América, Francisco Lyon de Castro, justificando assim a adesão generalizada ao longo dos tempos. «É difícil saber o que leva as pessoas a comprarem tanto Kama Sutra, mas a verdade é que a edição ilustrada de Alicia Galotti, a mais abrangente de todas as que tem feito, já vendeu mais de cem mil exemplares e tem sido reeditada ao longo dos anos», confirma Maria João Costa, editora do Livros d’Hoje (do grupo Leya), sustentando que o sexo continua a vender mas não tanto como há três ou quatro anos. «Há quem compre o livro por brincadeira ou para oferecer a alguém, há os que compram por curiosidade, para saberem se existe algo que desconhecem sobre o tema e estão a perder alguma coisa. E, aqui, o Novo Kama Sutra Ilustrado continua a ser o que vendemos mais, talvez por ser o mais conhecido e ter imagens subtis», adianta a responsável, referindo que Alicia Galotti, especializada em sexo e relações interpessoais, escreveu outros livros que derivaram do primeiro (Kama Sutra Gay, Lésbico, do Sexo Oral, para a Mulher e Outros) sem, contudo, terem a mesma procura.
«Até há 10 anos explorou-se tanto esta área que as pessoas se cansaram um bocado. O grande boom de vendas ocorreu nos primeiros anos, numa altura em que quase não havia livros de sexo em Portugal. Hoje em dia já toda a gente satisfez a sua curiosidade e existe um grande manancial de informação no mercado, é natural que as vendas também se dispersem», conclui Maria João Costa. Em última análise, qualquer que seja a edição escolhida, o livro vale a pena ser lido ainda que apenas uma vez: mesmo que o casal não faça o pino, não fique suspenso sobre os braços nem consiga passar as pernas por cima da cabeça do parceiro, os risinhos e a cumplicidade que a leitura proporciona resultam em excelentes preliminares.

O tamanho conta


Vatsyayana revela que os homens se dividem entre três classes – homem lebre, homem touro e homem cavalo – segundo o tamanho do seu linga (o pénis, símbolo da energia criativa masculina), enquanto as mulheres têm outras três categorias de acordo com a profundidade da Yoni (a vagina): corça, égua e elefante fêmea. «Quando uma mulher vê que o amante está fatigado por uma cópula prolongada sem que o seu desejo tenha sido satisfeito, deve, com a permissão dele, deitá-lo de costas e ajuda-lo a desempenhar o seu papel. Ela pode também fazê-lo para satisfazer a curiosidade do homem ou o seu próprio desejo de inovação». Os actos que devem ser depois realizados pelo homem, diz, são o movimento para a frente, friccionar ou bater, perfurar, roçar, pressionar, desferir um golpe, os golpes do javali e do touro (quando o linga roça apenas uma parte ou ambos os lados da yoni, respectivamente) e o saltitar do pardal (quando o linga está dentro da yoni e se move frequentemente para baixo e para cima sem ser retirado).


«Por muito reservada que seja a mulher e por muito que oculte os seus sentimentos, quando se coloca sobre o homem, não pode evitar que todo o seu amor e desejo se tornem evidentes. O homem deve concluir pelo comportamento da mulher qual a disposição em que ela se encontra e de que maneira gosta de ser gozada», aconselha Vatsyayana, lembrando sempre a importância de não descurar pormenores como a música ou o canto, um bom copo nas mãos, a conversa trivial e a segurança de um abraço para que os amantes possam brincar na cama como antes brincaram com a comida. «As mulheres, precisamente porque são de natureza terna, precisam de prelúdios ternos. O homem deverá abordar a jovem segundo as preferências dela e adoptar os procedimentos que lhe possibilitem insinuar-se cada vez mais na sua confiança. Após a confiança dela ter aumentado, ele deve afagar-lhe o corpo com as mãos e beijá-la por toda a parte, massajando-lhe as coxas e a junção. O homem deve fazer estas coisas sobre vários pretextos, mas não iniciar a união sexual propriamente dita, antes ensinar-lhe as sessenta e quatro artes, dizer-lhe quanto a ama e descrever-lhe as esperanças que anteriormente alimentava em relação a ela.» A revolução sexual dos anos sessenta relançou a importância do Kama Sutra na literatura, nas artes, no cinema e na música, salientando as suas inúmeras vertentes e afugentando desde então, muitos dos receios das pessoas relativamente ao sexo. As várias interpretações do texto original ajudaram a democratizá-lo, limaram as referências à especialidade da cultura indiana e converteram-no em manual para os amantes que gostam de tirar o máximo partido das relações e do amor. E se o contorcionismo pode ser bom para tonificar os músculos e alongar a espinha, a obra é mais um tratado sobre como gozar a boa vida do que uma competição pelo melhor desempenho.

Fonte: Revista Notícias Magazine
Texto: Ana Pago
Fotos da Net
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sábado, 12 de novembro de 2016

Lacoste

Do ténis para a montra chique


Lacoste é uma lenda. Uma lenda que começou há noventa e três anos, mais precisamente durante a Taça Davis, em Boston, onde um certo jogador da equipa francesa, René Lacoste, foi desafiado para uma aposta: se ganhasse um determinado jogo teria como oferta uma mala em pele de crocodilo. Ele não ganhou, mas segundo um jornalista americano, Lacoste bateu-se como um crocodilo. Em sinal de estime por parte de um amigo, René chegou a França e tinha à sua espera num blazer um crocodilo bordado. O símbolo nasceu aí. O negócio veio mais tarde, quando René quis sentir-se mais confortável a praticar ténis. Dez anos depois estava já a jogar com uma inovadora camisa de pólo de manga curta com um crocodilo verde bordado. A famosa camisa branca em algodão leve. E. obviamente, Lacoste começou a comercializar essas camisas. Se quisermos, ele foi o inventor sportsweer, que poderia ser usado não só em actividades desportivas como também na vida prática social. A moda pegou e meio mundo começou a aderir ao crocodilo, em especial praticantes de ténis, golfe e desportos náuticos. A mítica camisa ganhou a designação “1212” e, naquela altura, o crocodilo era maior e tinha outro disign.


Não por acaso, René Lacoste notabilizava-se como tenista em 1927, ao fazer parte da equipa de França que venceu a Taça Davis. Uma equipa que também ganhou a alcunha de “Mosqueteiros” e já era constituída por Henri Cochet, Jacques Brugnon e Jean Borotra, homens que mudaram a face do ténis em França e que obrigaram à construção de um grande recinto em Paris, Roland Garros. E também não foi por acaso que recentemente Roland Garros foi escolhido como cenário do aniversário da marca. Afinal de contas Lacoste é sinónimo de ténis. E para quem é fã hardcore do desporto nada melhor do que descobrir a importância da marca e de René Lacoste no Museu do Ténis, em Paris-Roland Garros.

René, o Inventor


Antes de a camisa Lacoste se tornar um produto best seller mundialmente, René Lacoste tentou estar sempre na linha da frente em matéria de inovações. Não contente com a camisa de manga curta em algodão petit piquet foi ainda o inventor de uma máquina lança-bolas para efeitos de treino. Já depois da sua reforma como tenista, René continuou a ser o responsável por mais invenções. A primeira rede da raqueta anti vibratória foi ideia sua, mas a mais radical foi uma raqueta de ferro, pondo de parte a total supremacia das raquetas de madeira. Em 1978, Jimmy Connors chegou mesmo a vencer um Grad Slam com a raqueta de Lacoste. Próximo da sua morte René estava a desenvolver a criação de um novo tipo de bola de ténis. Seja como for, o legado em termos de indústria da marca de roupa continuou com mais sucesso com o seu filho Bernard, ainda hoje o todo-poderoso da La Chemise Lacoste. E pra o negócio continuar a lucrar, ou melhor, para milhares e milhares de pessoas do mundo inteiro aceitarem pagar bom dinheiro na compra de camisas (e não só) com um crocodilo bordado, Bernard Lacoste apostou num modelo de gestão familiar. Familiar e à base do partnership internacional, em especial com os líderes têxteis da Devanlay.
E se ao longo dos tempos houve períodos menos bons nas vendas internacionais, a verdade é que a credibilidade do crocodilo nunca esteve em causa, mesmo quando a nível de design haja quem possa ter apontado alguma estagnação. Hoje nesta fase septuagenária, a Lacoste vira-se para o futuro. Sabe que não pode perder a tradição clássica, mas também não descura atrair uma faixa de público mais jovem e preocupada com um certo sentido estético fashion. Para isso, estão a ser lançadas as “boutiques do amanhã”, lojas com um conceito de design moderno e que vendem roupa eventualmente mais estilizada. Essa transformação pode ser sentida através de campanhas publicitárias e até na escolha de um realizador como Wong Kar-wai (Disponível para Amar) para um dos seus filmes comerciais. O que igualmente não é inocente nesta subtil mudança é a escolha do estilista Christophe Pillet, um jovem que percebeu a importância da universalidade e acessibilidade da marca, sem com isso deixar de poder fazer algumas experiências de estilo, provavelmente entre o dandy e o “betinho”. Há quem lhe chame o fridaywear.

A Importância de ser crocodilo


O pequeno crocodilo verde é ainda um símbolo de valores de elegância e casualidade. Alem de se ter criado a ideia de ser “bem” vestir Lacoste, também se conseguiu comunicar que é confortável e prático usar polos desta marca – que o digam uma série de figuras conhecidas, nacionais e internacionais, bem como o campeão alemão de golfe Bernhard Langer e o tenista Arnaud Clément. Os estudiosos de comunicação já fizeram estudos sobre o fenómeno. Por exemplo, o professor Jean-Noel Kapferer defende que o sucesso da Lacoste depende da sua identidade, muito mais do que da imagem. Segundo ele, o consumidor é atraído a esta marca muito para além do tempo e do espaço. Tudo terá a ver com a simbiose entre a vida e o desporto. Depois para complementar a sua mais-valia perante a contrafacção e as marcas de imitação, está a difícil e directa identificação com o símbolo. O pequeno crocodilo é um ângulo simpático e respeitável de tomada de valores de identidade. O próprio animal é um símbolo de tenacidade e discrição, do género não ir em modas. Além do mais, chega com ele o factor código, como se fosse uma garantia inabalável. “O crocodilo é o garante de todos os nossos produtos. É a nossa linguagem universal”, garante Bernard Lacoste. E há ainda o nome. O tal “Lacoste”, cheio de carga de mito, cheio de França, o que nestas coisas de mercado e de lenda quer dizer prestígio internacional. A isto junta-se uma comunicação sempre baseada num estilo de vida saudável, muito natural e sempre desportivo. O segredo, para muitos, é também a recusa de um discurso publicitário ostentativo. Ainda assim,  e mesmo parecendo um contra-senso, a marca Lacoste só resulta porque está disposta em termos globais, ou seja, chega a todo o lado. O Tio tem, o vizinho tem, toda a gente pode ter. a distribuição massificada é outro dos segredos. O consumidor nunca pode pensar que é inacessível. Nesse aspecto é uma marca que volta sempre às suas origens desportivas.
Em Portugal, para continuar a respeitar o espírito do negócio de família, a Lacoste é representada pela Manuel F.Monteiro & Filho, Lda, uma empresa toda ela gerida pela mesma família. Nem de propósito.

Fonte: Revista Notícias Magazine
Texto/Autor: desconhecido
Fotos da Net
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