quarta-feira, 16 de novembro de 2016

História romântica duma amorosa que foi rainha

(Rainha D. Mecia Lopes de Haro)


D. Mecia Lopes de Haro, Rainha de Portugal, mulher de D. Sancho II, era o que as novelas românticas chamam uma mulher fatal e as crónicas cinéfilas chamam uma vamp.
Os cronistas são concordes em dizer que ela era exactamente bela. E pela sedução que espalhou, pelas disputas a que deu lugar, pelos acontecimentos que desencadeou, somos levados a concluir que têm razão.(Rainha D. Mecia Lopes de Haro)

(Brasão da Casa de Haro. Mécia nasceu em berço nobre, estava ligada a sua família às casas reaias de Leão e Castela às casas de Haro e de Lara)

D. Mecia era filha de Lopo Dias de Haro, «O cabeça brava», senhor de Bicaya, e tinha das mulheres da sua raça a desenvoltura do corpo e o olhar de sonho que se inspira nos longínquos e enigmáticos horisontes do mar. Era de estirpe real, visto ser neta, por sua mãe de Afonso IX de Leão, e uma certa altivez junta ás graças da sua formosura tornavam-na dominadora. À sua simples passagem, deixava após si um perfume que enlouquecia e ficava sempre nas narinas e uma fascinação que envenenava e ficava para sempre no sangue, os venenos de mujer e de serpente de que fala Villaspaesa. Lopo Dias era um velho guerreiro experimentado em mil campanhas e enfeitado de mil proezas. Sua filha acompanhava-o em muitas dessas digressões heróicas e foi num acampamento que Alvaro Perez de Castro a viu e logo se enamorou.
Mas Alvaro Perez era casado com a condessa de Urgel. Alvaro Peres repudiou-a.
Foi preciso, porém, ainda disputa-la a Martins Sanches, o bastardo de D. Sanches I, a quem a presença de D. Mécia trazia enlevado e cativo.

E um dia que a bela biscainha se encontrava na sua tenda, fora do cêrco que o Rei de Castela havia pôsto às forças de Alvaro Perez, êse surgiu airoso e destemido no seu cavalo afogueado armado de todas as armas para um madrigal ou para um combate. Martins Sanches, rubro de ciúme, foi-lhe ao encontro, apenas vestido de manto e saio, com a primeira lança que encontrou. Mas Alvaro Perez, vendo o adversário sem armadura, deu-lhe desdenhosamente com o couto da sua lança e retirou para a vila cercada.
Foi talvez esta audaciosa incursão por amor dela, que tocou o coração de D. Mécia, porque algum tempo depois casava com Alvaro Perez, já então reconciliado com o seu Rei.
Mas não ficou inactiva, nem se recolheu à paz doméstica do seu lar, porque isso era incompatível com o seu feitio impetuoso e com as predilecções guerreiras que tinha adquirido no convívio com o pai. Acompanhou o marido em várias expedições, entrou em terra de mouros, assistiu a batalhas, presenciou morticínios e dizem as crónicas que esteve em riscos de ser raptada por Alhamar, wali de Arjona. Foi em Cordova, que Alvaro Perez governava, no Castelo de Martos, poderosa fortaleza que era a chave da Andaluzia, situado numa penha muito alta que dominava a cidade e donde se avistava toda a serra em redor e o vale profundo onde corria o Guadalquivir.
Alvaro Perez tinha ido à côrte e deixado o Castelo á guarda de seu sobrinho D. Telo. Este aproveitou a ocasião para fazer com os cavaleiros os seu comando umas correrias por terras de mouros, deixando o castelo abandonado.
Alhamar, que farejava nos arredores, cobiçoso do castelo e porventura da castelã, reuniu forças numerosas e marchou à conquista da penha de Martos. Mas D. Mécia ao avistar os pendões da moirama não perdeu o ânimo. Mobilizou as suas  donas e donzelas, revestiu-as de armas, colocou-as nas ameias do castelo em ar de batalha ao mesmo tempo que mandava avisar D. Telo dos perigos que corria. O ardil de D. Mécia deu resultado, porque os cavaleiros chegaram a tempo de defender o castelo e de derrotar Alhamar.
Pouco tempo depois, Alvaro Perez morria em Orgaz e D. Mécia, viúva e jovem, recolhia como dama de honor à côrte de D. Berengaria, mãe de D. Fernando III de Castela.

(D. Mécia casa entre 1242 e 1245 com D. Sancho II  de Portugal)

Foi nesta côrte que D. Sancho II a teria encontrado apaixonando-se desde logo por ela. Sabe-se que o Rei Português se interessou pela solução leonesa a favor do Rei castelhano e que entre eles ficaram relações que perduraram através dos revezes e amarguras do reinado melancólico de D. Sancho. É provável que fosse numa das suas Idas à côrte de D. Berengaria, para se avistar com o filho, que se deu o encontro que o enfeitiçou.
O que é certo é que D. Mécia, passado algum tempo da sua viuvez, aparece na côrte portuguesa, rainha pelo domínio da sua beleza e pela autoridade legítima do seu título. Muitos malefícios lhe são atribuídos pela decidida influência que exercia no ânimo do Rei. Mas também pode dizer-se que as únicas horas de felicidade que teve D. Sancho, a única consolação que por momentos o desviou das apreensões do seu destino, as encontrou no seio confortador de D. Mécia! Foi rápido o idílio, porque uma noite a rainha fugiu na garupa do cavalo de D. Raimundo de Porto Carrero. Alguns historiadores falam em rapto como se fosse possível, sem a conveniência de D. Mécia, penetrar na alcáçova e, sobretudo, arranca-la do leito conjugal, dos braços do marido, sem resistência e sem luta.
O quadro pode desenhar-se com segurança, mesmo a esta distância de séculos. D. Mécia desprendeu-se brandamente dos braços do Rei, caído em sono profundo, talvez depois de uma noite de amor, atravessou pé ante pé a alcova e os corredores frios do paço e entregou-se deliberadamente às mãos do seu captor.
Quais as razões da sua fuga? A ambição? Evidentemente que não, porque D. Mécia não podia ter ambição maior do que ser rainha e, por mais precária que fosse a segurança do trono de D. Sancho não era melhor a situação que lhe podiam dar.
O medo do Exilio? Mas o exilio de Ourem era com certeza mais desvantajoso para ela do que o exilio real de Toledo, com a sua dignidade de rainha, ao lado da côrte de Castela, onde tinha amigos, porque se D. Mécia era biscainha pela origem, era castelhana pelo coração.
A traição política? Menos provável ainda, porque D. Mécia não iria atraiçoar o homem que lhe deu o título de Rainha, nem uma causa que superasse todas as honras e bens de que gozava, tanto mais que D. Sancho tinha por seu lado as simpatias políticas de Fernando de Castela, o filho de D. Berengaria.
O quê então? A história é a tal respeito obscura, enigmática, indecifrável.
Mas pode deduzir-se do que narram secamente os cronistas que D. Mécia era uma grande amorosa e, portanto, o seu destêrro voluntario de Ourem, sem côrte, sem autoridade, sem honras, sem títulos, só se explica pela paixão.

(Depois de raptada, D. Mécia é levada para o Paço Real em Ourém)

Segundo Rui de Pina, o cronista de D. Sancho II D. Mécia fora levada de Ourém para a Galiza e nunca mais houve notícias suas. Ignora-se se realmente foi para a Galiza, nem há memória dela senão depois de um intervalo de dez anos. Existe um documento que, apesar de lhe faltar a indicação do lugar, mostra que ela vivia nessa época nos domínios de Castela: por esse documento, datado de 24 de Fevereiro de 1257, D. Mécia e o cunhado, D. Rodrigo Gonçalves, como testamenteiros de D. Theresa Aires, faziam entrega de certas igrejas ao convento de Benavides.
Naquele local perfilha o infante D. Fernando, o qual herda todos os bens e que entra ainda na disputa da herança de D. Sancho II pela viúva do obituário. Falecida em Palência, segundo a tradição, onde possuía terras, foi sepultada em Nájera no mosteiro beneditino de Santa Maria, na Capela da Cruz. Sobre o túmulo, suportado por quatro leões com as armas de Portugal ao peito, está o vulto com traje de Biscaia. D. Fernando encarregou-se de instituir seis capelões e uma missa diária pela sua alma.


A obra História de Portugal, de Alexandre Herculano, ainda hoje vastamente estudada por historiadores e cientistas, infere alguns capítulos sobre a biografia de D. Mécia e a sua importância na crise de 1245
“ (…) É certo, que o ter abandonado marido na adversidade foi um acto de ingratidão que nada pode justificar, mostrando que a heroína de Martos sabia melhor defender um castello sitiado pelo inimigo, do que retribuir o amor extremoso que lhe consagrára um principe infeliz, ou ao menos cercear-lhe os amargores do exilio e as saudades do throno perdido.

Fonte: Revista Ver e Crer nº 2 de Junho 1945
Texto: Carlos Olavo
Fotos da Net
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