(Rainha D. Mecia Lopes de Haro)
D. Mecia Lopes de Haro, Rainha
de Portugal, mulher de D. Sancho II, era o que as novelas românticas chamam uma
mulher fatal e as crónicas cinéfilas chamam uma vamp.
Os cronistas são concordes em
dizer que ela era exactamente bela. E pela sedução que espalhou, pelas disputas
a que deu lugar, pelos acontecimentos que desencadeou, somos levados a concluir
que têm razão.(Rainha D. Mecia Lopes de Haro)
(Brasão da Casa de Haro. Mécia nasceu em berço nobre, estava ligada a sua família às casas reaias de Leão e Castela às casas de Haro e de Lara)
D. Mecia era filha de Lopo Dias
de Haro, «O cabeça brava», senhor de Bicaya, e tinha das mulheres da sua raça a
desenvoltura do corpo e o olhar de sonho que se inspira nos longínquos e
enigmáticos horisontes do mar. Era de estirpe real, visto ser neta, por sua mãe
de Afonso IX de Leão, e uma certa altivez junta ás graças da sua formosura
tornavam-na dominadora. À sua simples passagem, deixava após si um perfume que
enlouquecia e ficava sempre nas narinas e uma fascinação que envenenava e
ficava para sempre no sangue, os venenos de mujer e de serpente de que fala
Villaspaesa. Lopo Dias era um velho guerreiro experimentado em mil campanhas e
enfeitado de mil proezas. Sua filha acompanhava-o em muitas dessas digressões
heróicas e foi num acampamento que Alvaro Perez de Castro a viu e logo se
enamorou.
Mas Alvaro Perez era casado com
a condessa de Urgel. Alvaro Peres repudiou-a.
Foi preciso, porém, ainda
disputa-la a Martins Sanches, o bastardo de D. Sanches I, a quem a presença de
D. Mécia trazia enlevado e cativo.
E um dia que a bela biscainha
se encontrava na sua tenda, fora do cêrco que o Rei de Castela havia pôsto às
forças de Alvaro Perez, êse surgiu airoso e destemido no seu cavalo afogueado
armado de todas as armas para um madrigal ou para um combate. Martins Sanches,
rubro de ciúme, foi-lhe ao encontro, apenas vestido de manto e saio, com a
primeira lança que encontrou. Mas Alvaro Perez, vendo o adversário sem
armadura, deu-lhe desdenhosamente com o couto da sua lança e retirou para a
vila cercada.
Foi talvez esta audaciosa
incursão por amor dela, que tocou o coração de D. Mécia, porque algum tempo
depois casava com Alvaro Perez, já então reconciliado com o seu Rei.
Mas não ficou inactiva, nem se
recolheu à paz doméstica do seu lar, porque isso era incompatível com o seu
feitio impetuoso e com as predilecções guerreiras que tinha adquirido no
convívio com o pai. Acompanhou o marido em várias expedições, entrou em terra
de mouros, assistiu a batalhas, presenciou morticínios e dizem as crónicas que
esteve em riscos de ser raptada por Alhamar, wali de Arjona. Foi em Cordova,
que Alvaro Perez governava, no Castelo de Martos, poderosa fortaleza que era a
chave da Andaluzia, situado numa penha muito alta que dominava a cidade e donde
se avistava toda a serra em redor e o vale profundo onde corria o Guadalquivir.
Alvaro Perez tinha ido à côrte
e deixado o Castelo á guarda de seu sobrinho D. Telo. Este aproveitou a ocasião
para fazer com os cavaleiros os seu comando umas correrias por terras de
mouros, deixando o castelo abandonado.
Alhamar, que farejava nos
arredores, cobiçoso do castelo e porventura da castelã, reuniu forças numerosas
e marchou à conquista da penha de Martos. Mas D. Mécia ao avistar os pendões da
moirama não perdeu o ânimo. Mobilizou as suas
donas e donzelas, revestiu-as de armas, colocou-as nas ameias do castelo
em ar de batalha ao mesmo tempo que mandava avisar D. Telo dos perigos que
corria. O ardil de D. Mécia deu resultado, porque os cavaleiros chegaram a
tempo de defender o castelo e de derrotar Alhamar.
Pouco tempo depois, Alvaro
Perez morria em Orgaz e D. Mécia, viúva e jovem, recolhia como dama de honor à
côrte de D. Berengaria, mãe de D. Fernando III de Castela.
(D. Mécia casa entre 1242 e 1245 com D. Sancho II de Portugal)
Foi nesta côrte que D. Sancho
II a teria encontrado apaixonando-se desde logo por ela. Sabe-se que o Rei
Português se interessou pela solução leonesa a favor do Rei castelhano e que
entre eles ficaram relações que perduraram através dos revezes e amarguras do
reinado melancólico de D. Sancho. É provável que fosse numa das suas Idas à
côrte de D. Berengaria, para se avistar com o filho, que se deu o encontro que
o enfeitiçou.
O que é certo é que D. Mécia,
passado algum tempo da sua viuvez, aparece na côrte portuguesa, rainha pelo
domínio da sua beleza e pela autoridade legítima do seu título. Muitos
malefícios lhe são atribuídos pela decidida influência que exercia no ânimo do
Rei. Mas também pode dizer-se que as únicas horas de felicidade que teve D.
Sancho, a única consolação que por momentos o desviou das apreensões do seu
destino, as encontrou no seio confortador de D. Mécia! Foi rápido o idílio,
porque uma noite a rainha fugiu na garupa do cavalo de D. Raimundo de Porto
Carrero. Alguns historiadores falam em rapto como se fosse possível, sem a
conveniência de D. Mécia, penetrar na alcáçova e, sobretudo, arranca-la do
leito conjugal, dos braços do marido, sem resistência e sem luta.
O quadro pode desenhar-se com
segurança, mesmo a esta distância de séculos. D. Mécia desprendeu-se
brandamente dos braços do Rei, caído em sono profundo, talvez depois de uma noite
de amor, atravessou pé ante pé a alcova e os corredores frios do paço e
entregou-se deliberadamente às mãos do seu captor.
Quais as razões da sua fuga? A
ambição? Evidentemente que não, porque D. Mécia não podia ter ambição maior do
que ser rainha e, por mais precária que fosse a segurança do trono de D. Sancho
não era melhor a situação que lhe podiam dar.
O medo do Exilio? Mas o exilio
de Ourem era com certeza mais desvantajoso para ela do que o exilio real de
Toledo, com a sua dignidade de rainha, ao lado da côrte de Castela, onde tinha
amigos, porque se D. Mécia era biscainha pela origem, era castelhana pelo
coração.
A traição política? Menos
provável ainda, porque D. Mécia não iria atraiçoar o homem que lhe deu o título
de Rainha, nem uma causa que superasse todas as honras e bens de que gozava,
tanto mais que D. Sancho tinha por seu lado as simpatias políticas de Fernando
de Castela, o filho de D. Berengaria.
O quê então? A história é a tal
respeito obscura, enigmática, indecifrável.
Mas pode deduzir-se do que
narram secamente os cronistas que D. Mécia era uma grande amorosa e, portanto,
o seu destêrro voluntario de Ourem, sem côrte, sem autoridade, sem honras, sem
títulos, só se explica pela paixão.
(Depois de raptada, D. Mécia é levada para o Paço Real em Ourém)
Segundo Rui de Pina, o cronista
de D. Sancho II D. Mécia fora levada de Ourém para a Galiza e nunca mais houve
notícias suas. Ignora-se se realmente foi para a Galiza, nem há memória dela
senão depois de um intervalo de dez anos. Existe um documento que, apesar de
lhe faltar a indicação do lugar, mostra que ela vivia nessa época nos domínios
de Castela: por esse documento, datado de 24 de Fevereiro de 1257, D. Mécia e o
cunhado, D. Rodrigo Gonçalves, como testamenteiros de D. Theresa Aires, faziam
entrega de certas igrejas ao convento de Benavides.
Naquele local perfilha o
infante D. Fernando, o qual herda todos os bens e que entra ainda na disputa da
herança de D. Sancho II pela viúva do obituário. Falecida em Palência, segundo
a tradição, onde possuía terras, foi sepultada em Nájera no mosteiro beneditino
de Santa Maria, na Capela da Cruz. Sobre o túmulo, suportado por quatro leões
com as armas de Portugal ao peito, está o vulto com traje de Biscaia. D.
Fernando encarregou-se de instituir seis capelões e uma missa diária pela sua
alma.
A obra História de Portugal, de
Alexandre Herculano, ainda hoje vastamente estudada por historiadores e
cientistas, infere alguns capítulos sobre a biografia de D. Mécia e a sua
importância na crise de 1245
“ (…) É certo, que o ter
abandonado marido na adversidade foi um acto de ingratidão que nada pode
justificar, mostrando que a heroína de Martos sabia melhor defender um castello
sitiado pelo inimigo, do que retribuir o amor extremoso que lhe consagrára um
principe infeliz, ou ao menos cercear-lhe os amargores do exilio e as saudades
do throno perdido.
Fonte: Revista Ver e Crer nº 2
de Junho 1945
Texto: Carlos Olavo
Fotos da Net
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