quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Eslováquia

Tatras


Num raio de vinte quilómetros – um dia a pé de caminho - não haverá mais do que um par de abrigos de montanha para recuperar das fadigas a mitigar os calos com um chocolate tépido ou um sifão de Borovitska, o sulfuroso vodka doméstico.
Quem pretenda cruzar as montanhas de uma tirada – a viagem mais demorada durará cinco dias – é, aqui que deve pernoitar. Os abrigos recebem até 20 pessoas e a acomodação faz-se em beliches num dormitório espaçoso – se reservar com antecedência terá um quarto duplo disponível a cerca de cinco euros por cabeça. Hospedaria básica, ruidosa, bulhenta, mas asseada, e com a garantia de uma noite de antologia entre os ‘highlanders’, os indígenas tátricos famosos pelas suas vozes epidurais e folclore arrebatador.

(Grandhotel Praha)

A alternativa aos abrigos é fazer caminhadas de um dia e volta  e escolher para estadia um dos hotéis do sopé das montanhas, como o Grandhotel Praha, um monumento de Art Nouveau fundado em 1906 pelos franco-belgas da Wagons Lits, ou a recém aberta Penzion Teniscentrum, um sóbrio aparthotel do impagável Peter Simcák, uma velha glória do ténis que não se fará rogado em desafia-lo para um bate-bolas de Tchecov ou Kundera (em alemão).

(Penzion Teniscentrum)

Poderá ainda instalar-se num dos muitos sanatórios convertidos em hospedarias chiques nas margens do lago Strbské Pleso, o remanso para onde o escritor Frank Kafka se recolheu atacado de tuberculose: a morada certa é a Villa Tatra, em Tatranske Matliare. 

(Lago Strbské Pleso)

Ou então, para uma derradeira experiência tátrica, deverá reservar o quarto 25 do Hotel Tulipán, em Tatranská Lomnica, onde o actor britânico Jeremy Irons procurou o bom aconchego das sopas de alho, dos patês de ganso e da simpática ‘chefa’ Francisca durante as filmagens de ‘ Harry Potter’, a saga juvenil criada pela escritora multimilionária J.K.Rowling.
Mas a maneira mais genuina ( e que mobiliza um milhão de visitantes por ano) é ensacar umas peúgas acolchoadas, um anoraque de penas e umas calças coleantes e fazer-se à montanha livre de ornamentos e exigências urbanas. Se não for renitente a uma higiene  elementar e a alimentar-se um par de dias de gulash, cogumelos e tarte de maçã, terá aqui o ensejo para experimentar o tantrismo dos tatras. Isto se a face de pedra atapetada de musgo não lhe servir como repouso nocturno, embora o acto seja desaconselhado, pois os ursos ainda são animais classificados na fauna local.

(A entrada nas montanhas Tatras e High Tatras, na Eslováquia)

Os ursos e os russos cujas propriedades selvagens são motivo de grande indignação para Matej Sanitrár, um empresário de Banska Bystrica que em tempos negociou lã de carneiros merinos para todo o Reino Unido. Não apurámos se é dor de corno ou uma grande verdade, mas Matej engrossa mesmo a voz para acusar os russos de andarem a judiar, de forma deveras imbatível, os pastores com “rublos de origem duvidosa”.


Uma semana depois ainda não houve um patriota que dissesse bem destes novos russos vistos como uma legião de alpinistas alternativos. A última declaração do Império (espécie de neo-colonialismo à russa) é decorar os Tatras de hotéis de luxo e estâncias de esqui inspiradas nas vertentes alpinas.” São excelentes entertainers e fazem boas casas”, garante o empresário Matej Sanitrár. “ No apréssky gostam de mergulhar em Dom Perignon, caviar Iraniano e mamilos dos Urais às estepes”, respondo-lhe com conhecimento de causa.

(O pico mais alto das Tatra é o Gerlachovský štít, (anteriormente chamado de pico Franz Joseph) e encontra-se a 2.655 metros de altitude, na Eslováquia)

É contra esse espírito de saque progressista (velha herança da indústria siviete) que proposta Dusan Hudák, um guia de mntanha, e estudante de Filosofia em Bratislava, nado e criado no coração dos Tatras, que anda a ultimar uma espécie de Greenpeace tátrico contra os abusos tétricos. “Não precisamos do dinheiro russo para salvar as montanhas. Sempre que houve uma crise – como a tempestade ciclópica de 19 de Novembro de 2004 que devastou a face dos Altos Tatras e ainda é visível, ou a separação indesejada da República Checa – fomos nós que nos voltamos a levantar sozinhos”, troveja o jovem gigante. 

(Santuário da Rainha de Tatras)

Dusan, de trança viking na nuca, um metro e noventa e sete de altura e voz grossa à Charles Bronson, será o nosso pastor de almas. Como diria o Signore Pavel, “ o rapaz mais indicado para mostrar a sabedoria da montanha”. Ora nem mais.

Fonte: Revista Domingo
Texto: Tiago Salazar
Fotos da Net
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