Tatras
Num raio de vinte quilómetros – um dia a pé
de caminho - não haverá mais do que um par de abrigos de montanha para
recuperar das fadigas a mitigar os calos com um chocolate tépido ou um sifão de
Borovitska, o sulfuroso vodka doméstico.
Quem pretenda cruzar as montanhas de uma
tirada – a viagem mais demorada durará cinco dias – é, aqui que deve pernoitar.
Os abrigos recebem até 20 pessoas e a acomodação faz-se em beliches num
dormitório espaçoso – se reservar com antecedência terá um quarto duplo
disponível a cerca de cinco euros por cabeça. Hospedaria básica, ruidosa,
bulhenta, mas asseada, e com a garantia de uma noite de antologia entre os
‘highlanders’, os indígenas tátricos famosos pelas suas vozes epidurais e
folclore arrebatador.
(Grandhotel Praha)
A alternativa aos abrigos é fazer
caminhadas de um dia e volta e escolher
para estadia um dos hotéis do sopé das montanhas, como o Grandhotel Praha, um
monumento de Art Nouveau fundado em 1906 pelos franco-belgas da Wagons Lits, ou
a recém aberta Penzion Teniscentrum, um sóbrio aparthotel do impagável Peter
Simcák, uma velha glória do ténis que não se fará rogado em desafia-lo para um
bate-bolas de Tchecov ou Kundera (em alemão).
(Penzion Teniscentrum)
Poderá ainda instalar-se num dos
muitos sanatórios convertidos em hospedarias chiques nas margens do lago
Strbské Pleso, o remanso para onde o escritor Frank Kafka se recolheu atacado
de tuberculose: a morada certa é a Villa Tatra, em Tatranske Matliare.
(Lago Strbské Pleso)
Ou
então, para uma derradeira experiência tátrica, deverá reservar o quarto 25 do
Hotel Tulipán, em Tatranská Lomnica, onde o actor britânico Jeremy Irons
procurou o bom aconchego das sopas de alho, dos patês de ganso e da simpática
‘chefa’ Francisca durante as filmagens de ‘ Harry Potter’, a saga juvenil
criada pela escritora multimilionária J.K.Rowling.
Mas a maneira mais genuina ( e que mobiliza
um milhão de visitantes por ano) é ensacar umas peúgas acolchoadas, um anoraque
de penas e umas calças coleantes e fazer-se à montanha livre de ornamentos e
exigências urbanas. Se não for renitente a uma higiene elementar e a alimentar-se um par de dias de
gulash, cogumelos e tarte de maçã, terá aqui o ensejo para experimentar o
tantrismo dos tatras. Isto se a face de pedra atapetada de musgo não lhe servir
como repouso nocturno, embora o acto seja desaconselhado, pois os ursos ainda
são animais classificados na fauna local.
(A entrada nas montanhas Tatras e High Tatras, na Eslováquia)
Os ursos e os russos cujas propriedades
selvagens são motivo de grande indignação para Matej Sanitrár, um empresário de
Banska Bystrica que em tempos negociou lã de carneiros merinos para todo o
Reino Unido. Não apurámos se é dor de corno ou uma grande verdade, mas Matej
engrossa mesmo a voz para acusar os russos de andarem a judiar, de forma
deveras imbatível, os pastores com “rublos de origem duvidosa”.
Uma semana depois ainda não houve um
patriota que dissesse bem destes novos russos vistos como uma legião de
alpinistas alternativos. A última declaração do Império (espécie de
neo-colonialismo à russa) é decorar os Tatras de hotéis de luxo e estâncias de
esqui inspiradas nas vertentes alpinas.” São excelentes entertainers e fazem
boas casas”, garante o empresário Matej Sanitrár. “ No apréssky gostam de
mergulhar em Dom Perignon, caviar Iraniano e mamilos dos Urais às estepes”,
respondo-lhe com conhecimento de causa.
(O pico mais alto das Tatra é o Gerlachovský štít, (anteriormente chamado de pico Franz Joseph) e encontra-se a 2.655 metros de altitude, na Eslováquia)
É contra esse espírito de saque
progressista (velha herança da indústria siviete) que proposta Dusan Hudák, um
guia de mntanha, e estudante de Filosofia em Bratislava, nado e criado no
coração dos Tatras, que anda a ultimar uma espécie de Greenpeace tátrico contra
os abusos tétricos. “Não precisamos do dinheiro russo para salvar as montanhas.
Sempre que houve uma crise – como a tempestade ciclópica de 19 de Novembro de
2004 que devastou a face dos Altos Tatras e ainda é visível, ou a separação
indesejada da República Checa – fomos nós que nos voltamos a levantar
sozinhos”, troveja o jovem gigante.
(Santuário da Rainha de Tatras)
Dusan, de trança viking na nuca, um metro e
noventa e sete de altura e voz grossa à Charles Bronson, será o nosso pastor de
almas. Como diria o Signore Pavel, “ o rapaz mais indicado para mostrar a
sabedoria da montanha”. Ora nem mais.
Fonte: Revista Domingo
Texto: Tiago Salazar
Fotos da Net
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