terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A Aldeia que mata os seus mortos

No sul da Roménia ainda há quem espete estacas no coração dos cadáveres, não vão eles querer voltar a este mundo.

(Imagem do príncipe romeno Vlad Tepes que ficou conhecido por Drácula.)

Amarastii de Sus é uma aldeia árida da Olténia (Região do Sul da Roménia), construída, como qualquer outra aldeia das planícies, em redor de uma longa rua central, ladeada de casas cuidadas e algumas tabernas barulhentas. Porém a tranquilidade da aldeia é perturbada por uma tradição ancestral: "matar“ os mortos antes que se tornem moroi (assombrações) e voltem para apavorar os seus ante queridos. Todos os mortos de Amarastii são “preventivamente” espetados no coração ou no estômago, com espetos levados ao rubro, pois assim “não saem dos seus túmulos”.
Numa tarde de domingo, alguns vizinhos de uma zona pobre da aldeia estão à conversa num banco de jardim. O trabalho não aperta, a safra de trigo foi boa e os animais estão sonolentos. Uma vez esgotada a coscuvilhice local, as conversas tomam um rumo underground. “ Eu nunca fui assombrado por mortos, porque espetei o coração a todos, e assim não há problemas”, declara Dumitra, de 71 anos. Não o fez pessoalmente, recorreu a um “intermediário”, gente experimentada, com provas dadas de sangue-frio. Diz-se que, por vezes, após a morte, a alma  do falecido não se contenta em ser chorada durante 40 dias, ou em beber um copo de água ou de vinho deixado pela família no peitoril das janelas. Por vezes, dizem os moradores, o espírito sai do túmulo e torna-se um fantasma.


A Vox populi diz que é durante as primeiras seis semanas após o funeral que se vê se o morto passou a ser ou não um moroi. Durante esse período, se o seu coração não foi espetado, ele volta à noite e seca o leite às vacas, tira o vigor aos homens, provoca granizo ou seca e pode ir mesmo ao ponto de se “alimentar da sua própria família”, isto é, levar consigo aqueles com quem tem laços de sangue. Se um parente ouve um morto chamá-lo, não deve nunca responder, porque perde pelo menos a  voz. Se o morto não der sinais de vida durante 40 dias, então a família pode dormir sossegada.

A influência ancestral do “além”


Ioana Popescu, directora de investigação do Museu Rural Romeno, em Bucareste, afirma que tais práticas persistem nas zonas rurais, onde o mundo gira todo em torno da comunidade. “Nas sociedades tradicionais, acontece muitas vezes que, por qualquer razão, depois da morte de um membro da família ou da colectividade, algo ruim acontece. Faz-se assim a relação com o morto, pensando que ele arrasta os vivos consigo para o outro mundo ou que volta para se vingar dos inimigos.”
A investigadora considera que “não devemos julgar à luz da nossa mentalidade contemporânea uma prática tradicional, criada num dado momento por um imaginário colectivo”.
Com particularidades que variam de região para região, a tradição diz que estão destinados a tornar-se moroi as pessoas de olhos azuis, as crianças não baptizadas, os mortos que se portaram mal em vida, os que morreram enforcados, afogados ou a tiro e os mortos não velados sobre os quais passem gatos, cães, ratos, galinhas ou aves estranhas. Daí a tradição de manter os mortos em casa e de trancar todos os gatos durante o velório. Para evitar a transformação do morto em moroi, as pessoas desenvolveram diversos tipos de práticas, mas o método mais seguro continua a ser furar-lhe o coração antes do enterro…

Fonte: Jornal Evenimentul Zilei (Bucareste) (Jornal Expresso)
Texto/Autor : Cristina Lica
Tradutora: Ana Cardoso Pires
Fotos da Net
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