Somos todos curiosos. Não faz
mal, dá jeito e, em termos desenvolvimentais, é mesmo garante de sobrevivência.
Desde pequeninos que usamos o que de inato isso tem para conhecermos melhor o
mundo que nos rodeia, para aprendermos os sinais de perigo e os de gratificação,
para chamarmos a atenção das pessoas e estabelecermos relações.
São os mais curiosos que se
interessam por mais e diferentes coisas, que exploram e levam para a frente
empreitadas e obras que passam ao lado dos que, permanentemente, consideram que
o que acontece ao lado não lhes diz
respeito. Claro que há curiosidade e curiosidade.
Se uma parte substancial da
nossa curiosidade nos ajuda a crescer e nos serve no sentido de sermos mais e
melhor, uma outra parece supérflua e até mesquinha. Prende-se a detalhes
insignificantes, toma a parte pelo todo e a partir daí galopa na construção de
histórias, que, mesmo não sendo, bem que poderiam ser, que, mesmo que sejam
maledicentes, bem que poderiam ser legítimas.
É essa parte da nossa curiosidade
que nos faz calar para ouvir a conversa da mesa ao lado entre pessoas que nunca
vimos; que nos faz abrandar, quase parar, para ver o tal acidente na
auto-estrada; que nos conduz a ler nas revistas aspectos picantes ou triviais
da vida de artistas ou figuras públicas, ilustres desconhecidos que têm casas
giras, profissões diferentes ou nomes de família.
Interessamo-nos cheios de lata
ou disfarçadamente, por aspectos que, juramos a pés juntos, não têm interesse
nenhum, não nos dizem respeito, nem tocam, mesmo que ao de leve, no nosso
quotidiano morno. Dizemos sempre que aproveitamos as idas ao médico ou ao
cabeleireiro para nos pormos a par dos pequenos escândalos e dos acontecimentos
sociais, que, valendo o que valem e sendo o que são, nos dão espaço para
acreditar que há vidas leves e despreocupadas, que há criaturas que passam os
seus dias a preparar-se para noites de festa.
Passamos os olhos pelas
notícias dos jornais e das televisões e o que parece sobressair são os eventos
romanescos dos maridos e mulheres que se mataram a tiro e à facada, as
criancinhas desaparecidas ou abusadas, os crimes pequenos ou grandes que vão
acontecendo.
Seremos voyeurs? Cuscos? Criaturas infelizes com vidas chatas? Uma nova
espécie de alcoviteiros de aldeia ou de senhoras que passam na janela parte do
dia a controlar entradas e saídas de vizinhos e construindo a propósito enredos
dignos de novelas?
Para que nos servirá saber como
corre o namoro de um actor americano com uma cantora inglesa? Porque é que os
maridos e os ex-maridos de uma qualquer princesa, os carros de um magnata, as
viagens de uma “tia”, nos farão falta? Porque é que a violência doméstica, os
acidentes de viação, a delinquência escabrosa, nos emocionam ou, pelo menos,
nos chamam a atenção?
Porque é que polarizamos a vida
e os acontecimentos em duas categorias simplistas e reducionistas: de um lado
os contentinhos bem cheirosos a quem só acontecem coisas boas e do outro os
desgraçados da sorte enredados em tragédias e cenas tristes?
Sabendo nós que estes extremos
correspondem à espuma insignificante das representações possíveis, porque é que
preferimos umas ou outras, porque é que não nos contentamos coma trivialidade
das informações precisas e desapaixonadas que, por mero acaso, nos chegam às
mãos?
Há respostas sofisticadas para
isto. Mas serve perfeitamente a justificação que ouvi hoje: “ Ainda bem que dá
para perceber que o mundo está cheio de gente mais estranha que eu.”
Fonte: Revista Caras
Texto: Isabel Leal (Professora
de Psicologia)
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