segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Chá - O Aliado Oriental


Embora o frio e a chuva lhe assentem bem, o chá é mais do que uma paixão de Inverno. Ideal e receptivo, aconchega-se aos nossos estados de alma sem perder a personalidade.

As mãos treinadas na colheita de chá desenham as formas dos jardins do Assam, no Nordeste da Índia, retirando as folhas do verde absoluto. São mãos de mulheres, quase sem excepção e pesam-lhes todos os séculos do mesmo destino incontestado. Apesar disso, movem-se com destreza e sabedoria, rápidas como um vento outonal – escolhendo aqui, declinando ali – e recortam os arbustos à medida da perfeição que o chá exige, atentas a subtilezas que uma máquina seria incapaz de perceber.

Talvez haja, nesta tarefa artesanal sem princípio nem fim, uma certa semelhança com a caligrafia e a sua técnica contida e rigorosa, mas animada pelo essencial. Se uma carta manuscrita é portadora de identidade, também é certo que não existem dois chás iguais. Serão as folhas colhidas nos jardins do Assam – e em todos os jardins de chá do mundo – letras de um alfabeto que cada um de nós escreverá à sua maneira? Quase podemos assegurar: prepara-me um chá, dir-te-ei quem és… Ou então: prepara-me um chá, dir-me-ás quem sou.

Da Mão para o Bule


O chá foi um dos temas de eleição de António Mega Ferreira para o livro Uma Caligrafia de Prazeres (Texto Editora), um itinerário personalizado por certos lugares, ideias, vozes, aromas, paladares, livros e outras coisas que trazem significado à vida – e, além de significado, também beleza e intensidade. Os desenhos de Fernanda Fragateiro fazem luz sobre as palavras, discretamente.

Apesar de ter crescido «na convicção de que o chá era bebida essencialmente feminina, por contraposição ao café», Mega Ferreira tomou-lhe o gosto na adolescência, em companhia de um pequeno grupo de amigos, adeptos do bridge fora de horas. «O chá, que nunca deixei de frequentar, tornou-se com o tempo, a minha bebida de estimação: uma longa teoria de chás adorna a prateleira da cozinha, respondendo aos meus humores de momento», escreve.

De verão e de Inverno, convoca o chá para a mesa do pequeno-almoço e declara preferência por chás «fortes, escuros, apaladados», embora nem todos se prestem ao consumo matinal. Caso de um chá preto fumado, o Lapsang Souchong chinês, que acompanha com distinção pratos de carne de aves e aperitivos salgados ou condimentados. À tarde será sempre bem acolhido um chá perfumado como o Earl Grey. A resumir uma prática dos chás, haverá que ter em conta um só princípio: «deve-se beber chá quando nos apetece».

Geografias do Chá

 
O Chá é a bebida mais consumida no mundo, depois da água. Chá preto, chá verde, chá branco, chá semi-fermentado, chá fumado… todas as variedades têm origem na mesma planta, a Camélia sinensis. As diferenças procedem, essencialmente, da época de colheita, do método de fabrico, das características do solo e do clima, da qualidade da água e da forma de o preparar. Na China e no Japão, o chá verde é mestre e imperador; no Magrebe, bebe-se com folhas de menta e muito açúcar; os tibetanos juntam-lhe sal e manteiga de iaque; na Grã-Bretanha e na Irlanda, acrescenta-se-lhe quase sempre um pouco de leite…


Razão tem quem disse: «Por estranho que pareça, até agora a humanidade encontrou-se na chávena de chá. É o único cerimonial asiático que merece a estima universal». De Kakuzo Okakura, O Livro do Chá (ed.Cotovia) permanece, desde a publicação no início  do século XX, um legado fundamental da sabedoria do chá. Indissociável do budismo zen e do taoísmo, a cerimónia do chá japonesa faz parte de «uma religião da arte da vida».

Como poderemos nós, os náufragos da cidade, alguma vez entender isto? Como podemos ser salvos por um saquinho de chá desconsolado, a afundar-se na água quente de uma cafeteira inox?
Fonte:Revista NotíciasMagazine
Texto: Carla Maria de Almeida
Ilustrações retiradas de O livro de chá, de J.Duarte Amaral, Ed.Temas e Debates,2001
C@rlos@lmeida

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