terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Cartas de amor de grandes mulheres

Cartas de amor de grandes mulheres. Para que os homens não esqueçam.

Catarina de Aragão (1485-1536)


Meu senhor e adorado esposo: enalteço-me a vós. A hora da minha morte aproxima-se rapidamente e, sendo este o caso, o amor terno que vos devo força-me com poucas palavras, a lembrar-vos da saúde e salvaguarda da vossa alma, que devereis preferir a todas as palavras e que colocais à frente do cuidado e afecto de vosso próprio corpo, através do qual me haveis causado muita miséria e a vós muitos cuidados. Da minha parte, perdoo-vos a todos, sim, eu desejo e rezo devotadamente a Deus para que Ele também vos perdoe. De resto, entrego-vos Mary, nossa filha, suplicando que sejais um bom pai para ela, tal como outrora desejei. Também vos imploro, em nome das minhas criadas, que lhes entregueis dotes do matrimónio, o que não será muito, sendo elas apenas três. Para todos os meus outros criados, solicito mais um ano de pagamento do que lhes é devido, para que não fiquem privados de recursos. Por último, prometo eu que os meus olhos vos desejam mais do que a qualquer outra coisa.

Catarina de Aragão
Para Henrique VIII, de quem foi a primeira mulher pouco antes de morrer.

Abigail Adams (1744-1818)



A enorme distância entre nós faz que o tempo me pareça muito longo. Parece que já passou um mês desde que me deixaste. A grande ansiedade que sinto pelo meu país, por ti e pela tua família torna o dia entediante e a noite desagradável. As pedras e areias movediças aparecem por todo o lado. O caminho que podes tomar ou tomarás está no seio do futuro. A incerteza e a expectativa deixam na mente uma grande esfera de acção. Alguma vez um Reino ou um Estado reconquistou a sua liberdade tendo sido invadido sem se derramar sangue? Não consigo pensar em tal coisa sem sentir aversão. No entanto, é-nos dito que os infortúnios de Esparta foram ocasionados pela grande solicitude que tinham pela tranquilidade presente, e com um excessivo amor pela paz negligenciaram os meios para garantirem que tal fosse certa e duradoura. Era seu dever terem reflectido. Diz Polibuis que, como não há nada mais desejável ou vantajoso do que a paz, quando encontrada na justiça e na honra, também não há nada mais vergonhoso e, ao mesmo tempo, mais pernicioso, quando é obtida por más medidas e comprada com o custo da liberdade (…). Quero tanto saber notícias tuas. Espero com impaciência ter-te na fase de acção. Talvez o primeiro de Setembro, ou o mês de Setembro, sejam de tão grande importância para a Grã-Bretanha como os Idos de Março o foram para César. Desejo-te também todo o Estado como bênção privada, e que a sabedoria, que é vantajosa tanto para a instrução como para a edificação, te conduza neste dia difícil. O pequeno floco de lã lembra-se do papá e, carinhosamente, deseja vê-lo. Assim como a tua mais afectuosa.

Abigail Adams
Para o marido, John Adams, primeiro Vice-Presidente dos Estados Unidos em 1789 e segundo Presidente do mesmo país em 1797.
Mãe de John Quincy Adams, sexto presidente dos EUA.

Mary Wollstonecraft (1759-1797)



Fico contente por descobrir que outras pessoas possam estar irracionalmente tão bem como eu; (…) não estou chateada contigo, meu amor, pois acho que é uma prova de estupidez, e também um afecto turvo, o que vai dar ao mesmo quando o temperamento é governado por uma esquadra e uma bússola. Não há nada de pitoresco na igualdade recta e as paixões dão sempre elegância às acções. A lembrança faz que o meu coração esteja ligado a ti; mas não está ligado ao teu lado que ganha dinheiro. Não posso estar seriamente desagradada com o empenho que aumenta a minha auto-estima, ou antes, deveria esperá-lo da tua parte. Não. Tenho o teu rosto honesto diante de mim – descontraído pela ternura, um pouco – pouco magoada pelos meus caprichos. E os teus olhos, a cintilar com simpatia. Sinto os teus lábios mais macios do que o macio e repouso a minha face na tua, esquecendo-me do mundo. Não deixarei a cor do amor de fora da pintura – o brilho rosado; e o desejo espalhou-o pelas minhas próprias bochechas, acredito, pois sinto-as a arder, enquanto uma lágrima deliciosa treme no meu olho, que será toda tua, se uma grande emoção direccionada para o pai da natureza, que me fez desta forma aberta à felicidade, não deu mais calor ao sentimento que divide. Devo fazer uma pausa. Preciso dizer-te que fico tranquila depois de te escrever? Não sei porquê, mas tenho mais confiança no teu afecto quando estás ausente do que quando estás presente; além disso, acho que deves amar-me, porque, deixa-me dizê-lo com a sinceridade do meu coração, acredito merecer o teu carinho, porque sou verdadeira e tenho um grau de sensibilidade que consegues ver e apreciar. Sinceramente tua.

Mary Wollstonecraft
Escritora, Primeira feminista a reivindicar direitos para as mulheres, para  Gilbert Imlay, Soldado Americano, empresário e reconhecido mulherengo, que a deixou ainda antes do nascimento da filha em comum.

Imperatriz Josefina (1763-1814)



Milhares e milhares de agradecimentos carinhosos por não te teres esquecido de mim. O meu filho trouxe-me agora a tua carta. Li-a com excitação, e no entanto gastei muito tempo com ela; pois não havia nela uma palavra que não me fizesse chorar. Mas essas lágrimas eram tão doces. Encontrei novamente o meu coração, e como ele sempre será, há sentimentos que vivem por si mesmos e que só podem terminar juntamente com ele. Ficaria eu em desespero se a minha carta te tivesse desagradado; não me lembro exactamente das expressões que usei, mas conheço cada sentimento doloroso que me ditou as palavras, fruto do desapontamento de não ter recebido notícias tuas. Escrevi-ta aquando da minha partida de Malmaison e desde então quantas vezes não desejei ter-te escrito mais vezes! Mas entendo os motivos por detrás do teu silêncio, e temia que uma carta tua me pudesse deixar triste. A que te envio foi revitalizadora para mim. Fica contente; tão contente quanto mereces; é todo o meu coração que fala contigo. Tu também me deste a minha dose de alegria, uma partilha sentida vivamente; para mim, nada iguala uma demonstração da lembrança. Adeus meu amigo; agradeço-te com tanto carinho quanto o amor que sinto por ti.

Marie-Joseph Tascher de La Pagerie
Para Napoleão Bonaparte, coroado Imperador de França em 1804, com quem se casara em 1796.

Clara Wieck Schumann (1819-1896)



Desejas apenas um simples «sim»? Uma palavra tão pequena – mas tão importante. Não deve um coração tão cheio de amor indiscritível como o meu proferir esta pequena palavra com toda a sua força? Eu faço-o e a minha mais profunda alma sussurra-te sempre. As tristezas do meu coração, as muitas lágrimas, poderei descrevê-las perante ti – oh, não! Talvez o destino ordene que nos vejamos mais cedo e nessa altura – atua intensão parece-me arriscada e, no entanto, um coração apaixonado não tem os perigos em consideração. Mas mais uma vez digo-te «sim». Tornará Deus o dia do meu décimo oitavo aniversário num dia infortúnio? Oh , não! Isso seria demasiado horrível. Para além disso, sinto há muito que «tem de ser», nada no mundo poderá convencer-me a afastar-me do que acho correcto, e hei-de mostrar ao meu pai que o mais jovem dos corações também pode ser constante no seu propósito. A tua Clara.

Clara Wieck Schumann
Reputada Pianista, para o futuro marido, o compositor Robert Schumann, que acabara de a pedir em casamento.

Rainha Vitória (1819-1901)



Escreveste-me numa das tuas cartas acerca da nossa estada em Windsor, mas, querido Alberto, não compreendeste, de todo, o problema. Esqueceste-te. Meu querido amor, que sou a soberana, e esse facto não pode parar ou esperar pelo que for. O parlamento está em funções e quase todos os dias ocorre algo que pode requerer a minha presença. É-me portanto impossível ausentar-me de Londres, pelo que dois ou três dias já são tempo demais para me ausentar. Não descanso por um momento se não estou presente, e se não oiço e vejo o que se está a passar, e toda a gente, incluindo as minhas tias (que muito sabem destas coisas), diz que devo voltar após o segundo dia, pois, porque devo estar rodeada da minha corte, não a posso deixar sozinha. Este é também o meu verdadeiro desejo. Relativamente ao Brasão: não tens direitos enquanto príncipe inglês, e o tio Leopold não tem direito se dividir o Brasão inglês, mas a Soberana tem o poder de o permitir por Ordem Real: isto foi feito ao meu tio Leopold pelo príncipe regente e eu fá-lo-ei novamente por ti. Mas só pode ser feito por Ordem Real. Irei, então, sem demora, mandar gravar um selo para ti… Li nos jornais que tu, querido Alberto, recebeste muitas Ordens; e que a rainha de Espanha te enviará o Tosão de Ouro… Adeus, queridíssimo Alberto, e pensa bastante na tua fiel Vitória R.

Rainha Vitória
Para o marido, Alberto, Príncipe Consorte.


Imperatriz Alexandra da Rússia (1872-1918)


Querido amor, os meus telegramas não podem ser muito calorosos, pois passam por muitas mãos militares – mas lerás todo o meu amor e desejo nas entrelinhas. Meu doce, de se alguma forma não o sentires, deverás chamar o Feodorov – e fica de olho nos Fredericks. As minhas orações mais sérias irão seguir-te dia e noite. Recomendo-te à protecção de nosso Senhor – possa Ele guardar-te, conduzir-te e trazer-te de regresso em segurança e são. Abençoo-te e amo-te, como raramente alguma vez um homem foi amado – e beijo todos os sítios amados e aperto-te com ternura de encontro ao meu coração. Para sempre tua. Da tua velhinha esposazinha. A imagem ficará esta noite debaixo da minha almofada, antes de ta dar com a minha bênção fervorosa.

Imperatriz Alexandra da Rússia
Para o marido, O Czar NicolauII da Rússia

Ofélia Queiroz (1900-1991



Fernando, há já quatro dias que não me aparece e nem ao menos se digna escrever-me. Sempre a mesma forma de proceder. Vejo que não faço nada de si, porque compreendo perfeitamente que é para me aborrecer que assim procede, que me terá mesmo chamado parva algumas vezes. Como o Fernando não tem motivos para acabar, procede então da forma que procede. Pois bem, eu assim não estou resolvida a continuar. Não sou o seu ideal, compreendo-o claramente, unicamente o que lastimo é que só quase ao fim de um ano o senhor o tenha compreendido. Porque se gostasse de mim não procedia como procede, pois que não teria coragem. Os feitios contrafazem-se. O essencial é gostar-se. Está a sua vontade feita. Desejo-lhe felicidades.

Ofélia Queiroz
Para o namorado Fernando Pessoa.

Claire Clairmont (1798-1879)



Pediste-me que te escrevesse pouco e tenho tanto para dizer. Também me fizeste acreditar que era uma fantasia que me levava a estimar o afecto que tenho por ti. Não pode ser uma fantasia, porque foste ao longo do último ano, o objecto acerca do qual todos os momentos solitários me levaram a meditar. Não espero que me ames, não sou merecedora do teu amor. Sinto que és superior, no entanto, para minha surpresa, mais para minha alegria, traíste paixões que acreditava já não viverem no teu peito. Tenho eu de viver com sofrimento o querer da felicidade? Devo rejeitá-la quando me é oferecida? Posso parecer-te imprudente, imoral; as minhas opiniões detestáveis, a minha teoria depravada; mas pelo menos o tempo há-de mostrar que amo carinhosamente e com afecto, que sou incapaz de algo que se aproxime da vingança ou da malícia; asseguro-te, o teu futuro será meu e tudo o que fizeres ou disseres não será por mim questionado. Tens alguma objecção ao plano que se segue? Na quinta-feira à noite podemos sair juntos da cidade por algum caminho ou correio com a distância de dez ou vinte milhas. Aí seremos livres ou desconhecidos; podemos voltar cedo, na manhã seguinte. Arranjei aqui as coisas para que não seja levantada a mínima suspeita. Reza para que aí aconteça o mesmo. Permites que, por dois momentos, eu me acomode aí contigo? Não ficarei um único instante depois de me dizeres para partir. É que é possível dizer e fazer num curto espaço de tempo, num encontro, o que não é possível escrevendo. Faz o que quiseres, ou vai onde quiseres, recusa ver-me e comporta-te com maldade, nunca hei-de esquecer-te. Vou sempre lembrar a tua ternura e a estranha originalidade do teu rosto. Tendo tu sido visto uma vez, não mais és esquecido. Talvez esta seja a última vez que te escrevo. Mais uma vez, então, deixa-me assegurar-te que não sou ingrata. Agiste honradamente em todas as coisas e só me irrita a estranheza da minha maneira de ser e que, até agora, algo como a minha timidez não me tenha permitido expressá-lo pessoalmente.

Claire Clairmont
Para Lord Byron, de quem Claire teve uma filha, numa altura em que Byron já não estava interessado na relação.

Fonte: Revista Notícias Magazine
Texto: Do Livro (Cartas de Amor de Grandes Mulheres)
Autor: Ursula Doyle
Fotos da Net
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