Herança maldita
Quando Salvador Dali disse “
Para mim, o erótico deve ser sempre feio, o estético divino e a morte bela “
nunca imaginou que, após a sua própria morte (23 de Janeiro de 1989), os
direitos de utilização das suas obras fizessem correr tanta tinta…
A mais recente sentença, saída
de um tribunal alemão, estabelece que a Demart Pro Arte, dirigida por Robert
Descharnes – amigo e colaborador íntimo do pintor espanhol, tem todos os
direitos sobre a obra de Dali e obriga a sociedade de autores Bild Kunst a
pagar àquela empresa todas as transacções realizadas até ao momento, incorrendo
numa multa de 250 mil de euros. A sentença serve também para o estado espanhol,
a Fundação Gala-Dali e a companhia Vegap – dentro do território da Alemanha, até
11 de Maio de 2004, data em que expirou o contrato celebrado entre Dali e o
amigo.
O tribunal civil de Frankfurt,
na Alemanha, determinou ainda que a
sociedade de autores do seu país deve entregar a Descharnes toda a informação relativa às licenças outorgadas
desde 1997, altura em que decidiu rescindir o contrato que existia entre as
partes, condenando-a igualmente a pagar à empresa Demart todos os gastos e
perdas ocasionais pelas suas ações.
Toma lá dá cá contudo a
fundação Gali-Dalí representante legal do Estado espanhol- não reconhece tal
sentença, nem tão pouco a veracidade do contracto realizado entre o pintor e o
amigo, afirmando que o mesmo foi apenas verbal. Um processo que se adivinha
moroso, já que não se vislumbra uma solução satisfatória para os homens que
fazem um braço-de-ferro sem cessar – Robert Descharnes, empresário e Ramon Boixodós, presidente da fundação –
ambos interessados na gestão dos direitos de propriedade intelectual do pintor.
Senão vejamos já em Setembro de
1994, o Ministério da Cultura espanhol enviara uma carta a Robert descarnes
advertindo-o de que o documento firmado entre ele e Dalí não era um contrato de
cedência de direitos, mas sim um mandato verbal que se extinguiu imediatamente
após a morte do pintor. Mas há mais. Em Março um julgado de primeira estância
de Madrid despojou Descharnes de tais direitos em benefício do Estado espanhol.
Ficou ainda sentenciado que; até Janeiro de 2003, a Demart Pro Art deverá dar
conta da sua gestão e entregar bens e rendimentos obtidos ao longo dos anos ao
Ministério da Cultura espanhol.
O descobrimento da América por Cristóvão Colombo
Ainda sobre a decisão do
tribunal alemão, a fundação e o Estado espanhol consideram que a mesma não
interfere na situação actual nem no contencioso existente entre a Demart e a
Fundação. Esta entidade não só remeteu a sentença para o território Alemão,
como é peremptória em afirmar que a tudo isto se sobrepõe as palavras de Dalí.
“ Sempre que haja qualquer dúvida, dever-se-ão pautar pela legislação
espanhola”. Quanto à cobrança, diz fonte daquela instituição que “Demart cobra
agora à Bild Kunt, mas mais cedo ou mais tarde terá de prestar contas ao Estado
Espanhol”.
Fontes de discórdia discreta
tem sido a postura de Robert Descharnes, mas o empresário não deixa os seus
créditos em mãos alheias e já recorreu ao tribunal de oito países, em quatro
dos quais obteve sentença favorável contra o Estado espanhol e a Fundação Gala-Dalí.
Os tribunais do Japão, França e Suiça reconheceram a veracidade do contrato
celebrado entre Dalí e o seu colaborador sobre a “utilização dos direitos de
propriedade intelectual” do mestre, vigente até 2004. Contudo tanto a Fundação
como o Ministério da Cultura espanhol minimizam as sentenças de outros países.
Alegam que compareceram apenas no tribunal francês para solicitar que se
suspendesse o processo e afirmam que “determinar os direitos sobre a obra do
pintor é competência dos tribunais espanhóis”.
O grande masturbador
Fonte da Fundação afirmou que o
país vizinho lhe deu ouvidos, tanto que Descharnes foi expulso da sociedade de
direitos franceses (ADAGP) e, ainda que tenha havido irregularidade nesta
expulsão, a verdade é que nada se alterou. O Juiz não concedeu àquela sociedade
de autores o direito de gerir a obra de Dalí em representação da Demart.
Mas afinal a quem pertence a
exploração dos direitos de autor de Salvador Dalí? Para já é uma incógnita. Por
muito surreal e bizarro, este é um conflito que se adivinha interminável e,
infelizmente é graças a ele que muitos países não têm podido apreciar a obra do
mestre espanhol. Sobretudo quando se trata de exposições comissariadas por
Robert Descharnes.
O mestre Excêntrico
As suas aptidões para as
belas-artes manifestaram-se bem cedo. Filho de um notário de Figueres, Salvador
Dalí nasceu em Port Lligart, a 11 de Maio de 1904 e, desde muito jovem,
dedicou-se ao desenho e à pintura. Em 1922 entrou nas Belas-Artes, em Madrid, e
durante a sua estada na residência de estudantes manteve uma grande amizade com
o Poeta Garcia Lorca e o cineasta Luis Buñuel, com o qual levou a cabo
numerosos projectos artísticos vanguardistas.
Depois de estudar em Madrid e
de participar nos debates artísticos renovadores dos anos 20 na Catalunha, Dalí
rumou a Paris e integrou-se num grupo de pintores e escritores surrealistas.
Deste período datam algumas das obras que o converteram num dos máximos
representantes do surrealismo, como “O grande masturbador” ou “O Espectro do
sex-appeal”.
O Espectro do sex-appeal
Em 1929 conheceu a jovem russa
Helena Diakonova, conhecida por Gala, que se tornou sua modelo e companheira.
Com o ínicio da Segunda Guerra Mundial, Salvador Dalí e Gala estabeleceram-se
durante alguns anos nos Estados-Unidos, onde a sua pintura de estilo realista e
onírica obteve enorme êxito.
Dali converteu-se num dos
pintores mais famosos do outro lado do Atlântico mas em 1948 regressaria à Europa.
A religião, a história e a
ciência ocuparam grande parte da sua obra durante os anos 50 e 60. “A Última
Ceia” e “O descobrimento da América por Cristóvão Colombo” são desse período e
das pinturas mais conhecidas de Dalí.
Fundação Gala-Salvador
Nos anos 70 o pintor dedica-se
à criação e inauguração do Teatro-Museu Dali em Figueres, onde se encontra
exposta a maior colecção da sua obra, e em 1983 criou a Fundação Gala-Salvador
Gali, a instituição que gere, protege e fomenta o seu legado artístico e
intelectual.
Fonte: Revista Correio da Manhã
Domingo
Texto de: Teresa Oliveira
Fotos da Net
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© Carlos Coelho