Salvador Ribeiro de Sousa
Um português rei do Pegú
No rico país da Birmania, onde
até há pouco ardeu cruenta a guerra e, no seu govêrno de Pegú, foi outrora Rei
um grande Capitão português.
Alma de aventureiro
gentil-homem, coração ardente, sequioso de aventuras que lhe mitigassem as
ansiedades de glória, Salvador Ribeiro de Sousa largara da sua aldeia de
Quintães, de Entre Douro e Minho, para Militar na Índia com dois dos seus
irmãos.
Portugal jazia sob o jugo
castelhano. Não devia ser agradável a vida na pátria, vendo-se a tôda a hora os
inimigos seculares passeando seu orgulho aos olhos de cavaleiros que os valiam
ou sobrepassavam.
Havia lá longe, largos campos
de luta, onde as espadas portuguesas pudessem vingar-se em bárbaros das vanglórias
dos castelhanos. Aquêle fidalgo de poucos teres, arribado ao Ganges, no verão
do ano de 1600, pensou em ir mais além do que era costume das hostes da
conquista. Ela já estava feita: tratava-se, agora, de colher os resultados dos
esforços anteriores.
Existiam, porém, terras de
muita fama, de que falavam histórias, corridas de bôca em bôca, com o sabor de
lendas. Tudo quanto se conhecia de fabuloso, desde as pedrarias rutilantes, que
os rajás prodigalizavam, até ás preciosas cargas de produtos exóticos
alucinavam as imaginações dos chatins que viajavam, correndo riscos pelas
riquezas e dos capitães em busca de triunfos e também de opulência.
Chegado ao porto de Sirião, o
cavaleiro português antevia a glória e o lucro. Pensou em edificar uma feitoria
naquele local, e, para isso teve de solicitar licença do Rei de Arracão. Já
estava naquelas paragens, um europeu, para demais nascido em Lisboa, de pais
franceses, e que se chamava Felipe de
Brito Nicote. Foi ele o intermediário para a concessão. Como por milagre os
poucos portugueses que acompanharam salvador Ribeiro de Sousa construíram
rapidamente a feitoria que era, ao mesmo tempo, fortaleza.
Entrou em aborrecimentos o
monarca de Arracão, pressentiu possível hostilidade do cavaleiro e voltou com a
palavra atrás. Não queria fortes nas suas terras: desejava muito longe delas os
estrangeiros e ameaçou-os de extermínio se não destruíssem imediatamente aquele
monstro de madeira e pedra que fazia larga sombra ao seu reino.
A-pesar de não contar com
muitos elementos de combate, o gentil-homem de Entre o Douro e Minho não lhe
sofreu o ânimo aguardar o ataque do Rei bárbaro. Foi ao seu encontro demonstrando
que não o temia. Dispunha de três barcos e artilhou-os; tinha consigo pouco
mais de cinquenta portugueses e mostrou-lhes a glorificação do seu nome e da
pátria. Encontrou peitos leais e rijos como habituados por corações leoninos e
forrados de aço.
A frota imponente do soberano
de Aracão subia o rio de Pegú em som de guerra, tripulada pelos melhores
guerreiros e que desdenhavam dos pobres baixeis do inimigo. Em breve,
destroçados e cheios de pasmo, julgando ter-se batido com as fúrias dos
infernos, os peguanos mal tinham voz para contar o que de susto os tolhia.
Grandes foram os despojos
colhidos na aventurosa batalha. Arranjou-se com que aumentar a defesa do forte;
não faltaria viveres nem pólvora; tampouco riquezas. Os vencidos tinham-se
encarregado de as fornecer e, mais ainda, de aumentar o ânimo dos portugueses.
Se com três barcos destroçavam uma armada, aquela fortaleza seria inexpugnável
em suas mãos!
Já vinham as grandes mesnadas
do Banha Lão para acometer quem os desonrara; formigavam os soldados bem
apetrechados, à maneira indígena, e seus gritos de guerra ressoavam
terrivelmente. Pareciam mais fortes de língua do que de braço.
Salvador Ribeiro de Sousa,
fazendo uma sortida, quando eles o julgavam cercado, rompe as fileiras
peguanas, estilhaçou as defesas, calcou cadáveres, pôs fogo á tenda de campanha
e, apanhado o Banha Láu, matou-o e mostrou
sua cabeça decepada aos soldados abatidos. Os portugueses tinham desprezo por
tanto gentio aniquilado. Poderiam vir mais, muitos mais, desfazer-se contra a
fortaleza todo o reino que, eles lá estavam para o conter. Não tardou nova
investida comandada por Banha Dalá, genro do assassinado. Desta vez não foi
fácil a vitória; tornou-se mais apertado o cerco e quando da nova sortida, o
cavaleiro português retirou a custo, retalhada a sua face por um golpe qua a
marcaria desde a orelha esquerda até à bôca.
Apareceram no rio, embora a
distância, brancas velas que pareciam anunciar socorros de europeus. Não
passavam de barcos de traficantes que iam em busca de negócios pingues.
Serviram para amedrontar o inimigo, com a ardência que Salvador Ribeiro de
Sousa lhes comunicou, na batalha travada, as tropas do Dalá sofreram derrota
que lhes enfraqueceu o ardor. Retiraram; e, naturalmente, como os derrotados
tinham por costume e lei abater os generais, e até os reis, vencidos, ficou
vago o trono. O Rei do Pegú fôra assassinado. Prestou-se alto preito ao
vencedor, cuja fama alastrava pela Indo-China. Os peguanos elegeram-no seu Rei
e uma vistosa embaixada lhe foi oferecer a corôa em grandes galas.
Seria ele o Massinga, o
soberano. Sorriu-lhe o desfecho da aventura. Imaginava talvez que seria um bom
Rei naquelas terras onde chegou, ao acaso de uma arribada. Deixou-se aclamar,
folgou dignamente nos festejos, nobilitou os seus cavaleiros, amigos e
aderentes e preparou-se para fundar uma dinastia.
Muitos anos depois Voltaire
diria que «o primeiro Rei do Mundo foi um soldado feliz». Salvador Ribeiro de
Sousa ganhou batalhas e no seu sangue derramado colhera uma corôa: a do Pegú.
Mandou um embaixador a Aires de
Saldanha, vice-rei da Índia e aguardou a sua sanção a tantas vitórias.
Andava, porém alguém a tecer
uma teia negra: o Nicote. Tantas coisas dissera e de tal maneira influíra no
espírito do vice-rei, que ele o nomeou capitão general da conquista feita pelo
grande guerreiro, que ficaria subalterno do intrigante.
Na carta que Aires de Saldanha
lhe escrevera lia-se: «A Salvador Ribeiro de Sousa, Capitão da Fortaleza de
Sirião, na ausência de Felipe de Brito Nicote». Os usurpadores sempre medraram.
Quando aquele chegou, o nobre cavaleiro arremeçou-lhe a coroa com os insultos e
embarcou na nau que o conduziu ao reino, triste e desolado sentindo decerto que
mais ganham os habilidosos e lisonjeiros do que os altivos e esforçados.
Chegou ao reino, onde acabaria
com sua Comenda de Cristo, por único galardão e a lembrança de mil ingratidões.
Fonte: Revista Ver e Crer nº 2
de Junho 1945
Texto: Rocha Martins
Fotos da Net
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© Carlos Coelho
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