terça-feira, 22 de novembro de 2016

O Sangue

Líquido maravilhoso


Já pensaram alguma vez na complexidade e importância vital do sangue?
É um líquido precioso com a estrutura de um tecido especial que tem a faculdade de se infiltrar pelos demais tecidos orgânicos, levando a cada célula o oxigénio, a água, o equilíbrio iónico, enfim o alimento que lhe é indispensável.
Abandonado a si próprio depois de retirado da circulação, o sangue coagula e da retracção desse coágulo formado por fibrina encerrando nas suas malhas os glóbulos vermelhos e brancos, transuda um líquido amarelo citrino denominado – sôro.
Impedida a coagulação pela adição de um anticoagulante – o citrato de sódio, a hirudina ou a heparina – o sangue divide-se numa parte sólida constituída pelos vários glóbulos sanguíneos e uma parte líquida – o plasma.
Essa massa sólida de glóbulos sanguíneos contém, no total, cêrca de trinta mil biliões de glóbulos vermelhos, cinquenta biliões de glóbulos brancos e mil biliões de plaquetas.


Os glóbulos vermelhos desempenham um papel importante pela substância que lhes dá a côr – a hemoglobina, substância química de composição muito semelhante á clorofila das plantas.
A quantidade de hemoglobina que passa pelos pulmões num segundo é cêrca de dez gramas de substância e ao nível dos capilares pulmonares fixa uma enorme quantidade de oxigénio, que conduz aos tecidos e aí descarrega.


A composição química da hemoglobina é como dissemos muito semelhante à clorofila das plantas, com a diferença que na composição da clorofila entra o magnésio e na da hemoglobina – o ferro.
O sangue humano contém aproximadamente 15 gramas de hemoglobina por 100c.c. e como a percentagem de ferro na hemoglobina é de 0,336% a quantidade de metal em 100c.c. é de cerca de 50 miligramas e de 4 gramas no sangue total do corpo humano.
A quantidade de hemoglobina que possue, em todo o seu sangue, um homem de altura e pêso médios, anda ao redor de 1 quilograma.
O sangue total pode fixar perto de 1200c.c. de oxigénio (200 c.c. por litro de sangue) e esta quantidade de oxigénio é utilizada pelos tecidos num tempo de cinco minutos em estado de repouso e numa simples fracção de minuto, durante o exercício muscular.
Importância de hemoglobina
Se por acaso não houvesse hemoglobina no corpo humano e fosse o plasma encarregado de transportar o oxigénio necessário à vida, quantos litros julgam os leitores que seriam necessários?
Em vez de cinco a seis litros, seriam necessários cerca de trezentos e cinquenta litros!


Ficaria o homem nesse caso com um volume cinco vezes superior à média em geral, transformando-se quási num… gigante Adamastor!
Os glóbulos vermelhos andam á volta de 4,5 a 5 milhões por milímetro cúbico, diminuindo nos casos anémicos, em geral na mesma proporção que a hemoglobina; em determinadas anemias esta baixa paralela não se verifica, como acontece na anemia perniciosa.
Êste facto constitui até um sinal importante de que os médicos se servem para orientação clinica. Os glóbulos rubros podem aumentar em certas circunstâncias como acontece em algumas doenças do sistema cardio-respiratório: enfisema, doença de Ayerza, em certos envenenamentos, doenças congénitas do coração e policitemias ou eritremias, em que a taxa por milímetro cúbico pode ser superior a 7 milhões e mais.
Os glóbulos rubros ou eritrócitos são formados na medula óssea – a que o povo vulgarmente chama o tutano – e destruídos pelas células (macrófagos) do baço, pela acção de substâncias hemolíticas do sangue ou por desintegração na corrente circulatória.
Tem-se observado estudando a perda diária de hemoglobina, que em estado normal se destroem perto de dez milhões de glóbulos vermelhos por segundo, com consequente igual regeneração pelos órgãos formadores do sangue. Os glóbulos brancos os leucócitos distinguem-se facilmente dos vermelhos por não possuírem hemoglobina e conterem um núcleo, enquanto que os glóbulos vermelhos dos vertebrados não têm núcleo, com excepção apenas dos camelídios.

Exército defensor


Os glóbulos brancos são muito menos numerosos que os vermelhos: a sua taxa oscila, em geral, entre 6000 a 8000 por milímetro cúbico.
Na primeira infância encontram-se valores bastantes superiores aos do adulto e até aos 7 ou 8 anos o seu número é normalmente mais elevado.
A contagem dos glóbulos brancos é de uma alta importância para os médicos, porque os orienta no diagnóstico de muitas doenças.
Assim os glóbulos brancos diminuem em algumas doenças como a febre tifóide, o sarampo, a febre-de-malta, kala-azar, a anemia perniciosa, etc, e aumentam em muitas outras, sendo geral êsse aumento em todos os estados inflamatórios e supurações.
Descoberto no final do século XVIII por Spallanzani, o glóbulo branco começou a ser conhecido sob o ponto de vista hematológico com Schultze, que lhe descreveu vários tipos, mas os progressos só se fizeram quando Paul Erlich, o descobridor do 606, deu a conhecer ao mundo científico os seus métodos de coloração ainda hoje seguidos na rotina laboratorial para o exame de esfregaços de sangue.
Os glóbulos brancos ou leucócitos são células semi-móveis de protoplasma contráctil semelhante ao das amibas e que poe duas qualidades primordiais, denominadas amibismo e diapedese, então particularmente aptos a entrarem em luta contra os microorganismos invasores.
Foi o sábio russo Elias Metchnikoff quem, pela primeira vez, notou esses fenómenos, designando essas células sob o nome de fagócitos.
Os glóbulos brancos são, portanto para o organismo humano uma espécie de oitavo exército na luta contra os infinitamente pequenos…
Suponham, por exemplo, o caso de uma apendicite: numa primeira fase há uma chamada de glóbulos brancos ao nível da mucosa do apêndice inflamado (a testa de ponte) e umas horas depois a medula óssea reage e entram precipitadamente na corrente circulatória um número bastante elevado, por vezes ainda jovens, tal como uma chuva de paraquedistas lançados com grande finalidade estratégica.

Mistérios da coagulação


Outros elementos figurados do sangue muito importantes para a coagulação apresentam-se como pequenos corpos redondos, ovais ou irregulares, de tamanho inferior aos glóbulos vermelhos e denominam-se plaquetas, globulinos ou hematoblastos.
Já pensaram alguma vez como se faz a coagulação do sangue? É um fenómeno bastante complexo cujo mecanismo suscita ainda duvidas. A teoria geralmente aceite hoje pelos biologistas compreende quatro elementos que se encontram no sangue normal: a tromboplastina dêsses minúsculos corpos denominados plaquetas, a protrombina que se encontra em solução na corrente sanguínea, fabricada no fígado á custa da vitamina K e o cálcio. Estas três substâncias actuam entre si para formarem um quarto elemento, a trombina, a qual, reagindo com o fibrinogénio do plasma, dá origem à fibrina. É esta fibrina que, encerrando nas suas malhas os elementos figurados do sangue, dá origem ao coágulo.
Por aqui se vê facilmente que todos os estados patológicos com perturbações da coagulação sanguínea são devidos a deficiências da tromboplastina, da protrombina, do cálcio ou do fibrinogénio.


Decerto já ouviram falar na hemofilia: é uma doença do sangue em que está seriamente retardada ou melhor impossibilitada a perfeita coagulação sanguínea. A doença é hereditária e ligada ao sexo (sex-linked) sendo transmitida pelas mulheres e sofrida pelos varões.
Uma das maiores transmissoras da hemofilia que a História nos relata foi a Rainha Vitória. Suas netas portadoras da mesma doença, vieram depois continua-la; a princesa Vitória Eugénia casou com o falecido rei Afonso XIII de Espanha transmitindo ao herdeiro do trono espanhol, o príncipe Afonso das Astúrias a herança… de um tempo de coagulação superior a uma hora!
O principe das Asturias faleceu em 1939 na Florida vitimado por uma enorme hemorragia em consequência de um desastre de automóvel.
Outra neta da Rainha Vitória, a princesa Alexandra, casou com o Czar da Rússia, Nicolas III e o seu único filho era também hemofílico. Felizmente para a corôa de Inglaterra, o filho mais velho da Rainha Vitória, mais tarde Rei Eduardo VII, não herdou o fatídico cromossoma X transmissor da doença e assim a casa de Windsor escapou à herança maldita. Ainda não se sabe com segurança qual a causa da hemofilia; supõe-se no entanto que seja devida a uma elevada resistência das plaquetas, que não se desintegraram completamente, libertando a tromboquinase necessária para o mecanismo da coagulação.
A coagulabilidade normal do sangue anda ao redor de 5  a 8 minutos, mas na hemofilia pode atingir uma hora e ainda mais!
Os grupos sanguíneos
Uma outra qualidade interessante do sangue é a imutabilidade do grupo sanguíneo.
É provável que você já tenha dado sangue para uma transfusão e lhe tenham verificado portanto o grupo.
Os grupos sanguíneos fôram descritos pela primeira vez por Landsteiner que em 1900 – 1901 admitia já a existência de quatro grupos.


A classificação internacional hoje adoptada em todos os centros médicos é a seguinte: grupo O (dador universal), grupo A, grupo B e grupo AB (receptor universal).
Como se reconhece o grupo sanguíneo de um individuo?
Muito facilmente, usando sôros testemunhas ou hemo-testes (anti-A) e (anti-B) e pondo em presença dêsses soros os glóbulos vermelhos do dador ou do doente.
Se os glóbulos vermelhos não são aglutinados por nenhum dêstes soros, o indivíduo pertence ao grupo O (dador universal); se só são aglutinados os glóbulos pelo sôro (B) trata-se do grupo (A), se a aglutinação se produz com o sôro (A) o indivíduo pertence ao grupo (B) e no caso da aglutinação se verificar em presença de ambos os sôros, estamos em face de um grupo (AB) – receptor universal.
O próprio recém-nascido tem já segundo Riddel, um grupo sanguíneo que se mantém imutável em todas as circunstâncias através da vida.
Tem-se observado algumas vezes aglutininas transitórias que passam da mãe ao filho através da placenta, mas estas aglutininas desaparecem, no entanto, passados alguns meses.
Para maior garantia na escôlha de um grupo sanguíneo, deve fazer-se a prova cruzada que tem por objecto demonstrar se os glóbulos vermelhos do dador se podem misturar com o sôro do receptor e se a hematias ou glóbulos rubros do receptor se podem misturar com o sôro do dador sem que produza hemólise ou aglutinação.
Esta prova serve para controlar qualquer êrro na classificação do grupo sanguíneo e não deve portanto omitir-se.
A característica de grupo não é propriedade exclusiva dos glóbulos vermelhos mas existe em quási todas as células do organismo com excepção das células cartilagíneas, ósseas, do cristalino, corpo vítreo e cérebro.
Nos líquidos orgânicos também se observam substância especificas de grupo como por exemplo no leite e na urina, mas especialmente na saliva e no suco gástrico. No entanto só 70% dos indivíduos possuem estas propriedades de grupo fora dos glóbulos vermelhos.
A maior percentagem de indivíduos do grupo O enco9ntra-se na América e proximidades do Polo Norte. Na Europa a maior percentagem pertence ao grupo (A) e na África e na Ásia ao grupo (B).
O grupo (AB) é mais frequente na Ásia, principalmente entre os Persas, onde atinge a percentagem de 18% contra 5% apenas na Europa.
Numa gota de sangue existe, portanto, um pequeno mundo, fisiológico: água, sais, variados componentes minerais e orgânicos, hormonas e vitaminas, milhões de glóbulos vermelhos, milhares de glóbulos brancos e como afirmou Carrel, «do ajustamento recíproco das células e do meio dependem a saúde e a doença, a fôrça ou a fraqueza, a felicidade ou infelicidade de cada um de nós».

Fonte: Revista Ver e Crer nº 2 Junho 1945
Texto: Dr. Egidio Chaves
Fotos da net
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