As aves possuem um maravilhoso
instinto de orientação que está vedado à espécie humana. O homem não saberia
orientar-se se, carecendo dos aparelhos que para isso se têm inventado, o
situássemos numa planície deserta ou na imensidade dos mares, onde não
encontrasse um ponto de referência.
Sabemos que, com o auxílio da
agulha náutica, cruza o marinheiro os mares duma para outra parte do globo com
precisão matemática; que também serve a bússola para determinar o caminho
conveniente se pretendêssemos atravessar os imensos areais dos desertos do
Sahara ou da Arábia. Mas tão úteis instrumentos, ainda que date o seu uso de
era remotíssima, não existiam, sem dúvida, na época das primeiras navegações.
Se isso foi assim como se orientariam no mar os primeiros aventureiros que se
atreveram a sulcá-lo?
Primeiras navegações
Segundo o testemunho assente
dos historiadores, foram os fenícios os primeiros navegantes: povo
eminentemente produtor e comerciante, não é de estranhar que, impelido pela
necessidade de expansão, surgissem dele os iniciadores da navegação, que, anos
mais tarde, devia unir entre si os povos e confundi-los numa comum civilização.
Naquela época isto representava
uma proeza que só podia ser levada a cabo pelos povos superiores. O perigo não
estava só nos temporais que nos aterram ainda hoje, navegando nas modernas
moles transatlânticas, tôdas solidez, luxo e confôrto; nem nos furacões que
faziam naufragar facilmente as frágeis canoas, mas também em que os perigos
mais terríveis nasciam na imaginação daquelas gentes como fruto das
superstições religiosas da época. Segundo aqueles seres, as águas do mar, que
por isso eram amargas, achavam-se coalhadas de sereias, ninfas, tritões e
demais monstros aquáticos, que devoravam sem compaixão o ser humano que se
atrevesse a profanar, penetrando no seu
elemento, o segrêdo das suas impúdicas leviandades. De bôca em bôca, contadas e
acreditadas cegamente, divulgavam-se tôdas estas lendas tenebrosas…
Os primeiros navegantes
transferiam-se, por isso, de um para outro país, ao amparo das costas, que não
se atreviam a abandonar por temor do misterioso influxo das fascinantes
nereidas.
Os pontos de referência que iam
descobrindo, os acidentes das costas, os montes elevados, a variada vegetação,
o desaguamento dos rios eram conhecimentos preciosos que se gravavam em sua
mente para as próximas expedições e, assim, em cada viagem, navegavam com mais
segurança, devido à acumulação de dados obtidos em anteriores expedições.
Sempre mais longe…
Dêste modo, foi decorrendo o
tempo, sem que experimentassem a necessidade de inventar melhores meios de
orientação.
Mas esta necessidade surgiu por
fim: já não bastavam aos fenícios as costas do Mediterrâneo para as suas
expedições. Mais que o desejo de expansão, o afã aventureiro levou aquelas
gentes muito longe, mais longe de onde lhes parecia que terminava o Mundo.
Existem dados históricos de navegações efectuadas pelos fenícios até ao Golfo
da Guiné. Ainda que não saibamos a forma em que tais viagens se realizaram,
poderia supôr-se que as fizessem sem perder de vista a costa. Mas contra
essa suposição está o facto de que, numa
navegação longa como aquela, o embate dos ventos e das ondas e correntes marinhas
do Atlântico dominariam as frágeis embarcações e a vontade férrea daqueles
titãs.
E, uma vez internados num mar
sem limites, rodeados de um imenso círculo de água que, além nos longes, se
confunde com o céu, como se arranjariam para voltar às costas perdidas de
vista?...
Aqueles homens, à falta de uma
cultura que não podiam possuir, tinham engenho e talento naturais. Não poderia
assegurar-se, entretanto que os fenícios, na sua viagem à Guiné, tivessem usado
o simples sistema que vai expôr-se para averiguarem de que lado estava a terra;
mas, estando enraizado o processo entre os primeiros navegantes, que nas suas
incursões chegaram até aos países do Norte da Europa, muito posteriores aos
fenícios, nada aventurado resulta o juízo, atendendo a que a origem do sistema
pode atribuir-se a um episódio bíblico: aquele em que Noé, quando o diluvio
universal tinha submergido o Mundo, lançou da sua arca uma pomba para que
explorasse o estado do tempo…
Aves de exploração
Imitando Noé, aqueles
primitivos navegantes, que desconheciam ainda as vantagens da agulha magnética,
embarcavam corvos e, quando a incerteza de encontrarem a terra que tinham
abandonado os embargava; soltavam um e observavam a direcção que empreendia. Se
não regressava, podia deduzir-se que, seguindo o caminho do corvo, encontrariam
terra em tempo relativamente curto. Outros corvos rectificavam ou ratificavam a
direcção que seguiam, e já não cessavam de lança-los até que chegavam
finalmente à vista de terra firme.
Reconhecido o terreno,
observavam, mediante a direcção dos raios solares, a sua situação com respeito
ao ponto da sua partida; examinavam detidamente, para que ficassem gravadas em
sua mente, as irregularidades das costas e adquiriam, enfim, conhecimentos
geográficos práticos, muito benéficos para o feliz êxito das posteriores excursões
às mesmas paragens.
Entregues os fenícios à
navegação, foi-lhes preciso, para poderem praticá-la com relativa segurança,
adquirir, em Astronomia, Geometria e Matemáticas, conhecimentos superiores aos
que possuíam os demais povos.
A Bússola
Naquele tempo era o Império
Chinês o que possuía uma cultura mais sólida e uma maior civilização.
Tinham os chineses realizado
importantes inventos, que não se generalizavam, por um lado, pelas dificuldades
de comunicação entre os povos, por outro, pela grande aversão que os chineses
sentiam pelos naturais dos outros países. Conheciam êles, de longa data, a
propriedade do íman e, quando conheceram a sua polaridade, tiraram disso
inúmeras e úteis consequências.
Há historiadores que afirmam
que os povos do Oriente, nas suas viagens marítimas através do Oceano Índico,
durante os primeiros séculos da era cristã, já usavam bússola. E Destres
comenta que, dez séculos antes de J.C., para caminharem pelas áridas terras da
Tartária, se orientavam por meio de uma balança magnética que «semelhava uma
figura humana, um dos braços indicando constantemente o sul».
Não obstante, datam do século
XII as primeiras notícias que da existência dêste aparelho têm os povos do
Oriente. Parece incrível que, sendo a bússola conhecida de recuados tempos
pelos orientais, tardasse tantos séculos em propagar-se aos outros povos.
Caminho aberto!
A primeira bússola empregada
pelos povos do Ocidente foi uma agulha magnetizada, a que davam o nome de
«Pedra Marinheira» e era usada pelos navegantes do Mediterrâneo. A agulha
flutuava num recipiente de água sôbre um pedacito de cortiça, indicando sempre
o mesmo ponto do horizonte, e era igual á que usavam os navegantes do mar da
Síria.
Mais tarde, no século XIII, um
napolitano chamado Flavio Gioja, que efectuou frequentes viagens pela Arménia e
pelo Japão, viu a aplicação que na Ásia davam à propriedade do íman e
aperfeiçoou notavelmente a bússola. Por isso algumas vezes o navegante
napolitano é apontado como inventor de tão importante instrumento.
Fonte: Revista Ver e Crer nº3
(Julho 1945)
Autor: Desconhecido
Fotos da Revista e da Net
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