“A listagem dos mecanismos de
defesa de que fazemos uso para enfrentar a vida e viver todos os dias é
extensa, complexa e por vezes pouco compreendida.”
As pessoas, tal como os outros
animais, as máquinas e praticamente todos os sistemas que construímos e
inventamos, têm defesas. Estas defesas são de diferentes níveis. Umas
dirigem-se ao meio envolvente, quer dizer, aos recursos de que fazemos uso para
modificar o que à volta nos incomoda ou agride. É por exemplo o caso de
evitarmos ir a um sítio ou colocarmo-nos numa situação que antevemos nos
provoque sarilhos ou desconforto.
Mas há também, e talvez mais
importante, as defesas internas, quer dizer, os recursos psicológicos que ao
longo da vida vamos acumulando no sentido de nos protegermos em relação àquilo
que nos faz mal. Estas defesas não são as mesmas para toda a gente. Alguns de
nós fazemos de conta que não vemos ou percebemos situações potencialmente
críticas. Aquela coisa típica de o marido ser sempre o último a saber prefigura
um mecanismo de defesa bem afinado, em que o que desejamos interfere de tal
forma no que percepcionamos que nos torna selectivamente palermas.
Outros de nós chateamo-nos
permanentemente ao lado, quer dizer, deslocamos a nossa agressividade para
pessoas, objectos ou situações com sabemos e podemos lidar e passamos a vida em
lutas de alecrim e manjerona quando a fonte do nosso mal-estar é outra, que não
admitimos nem para nós próprios.
Vulgar, muito vulgar, é
atribuirmos aos outros os nossos próprios sentimentos, sentirmo-nos frustrados
e dizermos que vivemos num círculo de gente frustrada, sentirmos inveja de
alguém e acharmos de pedra e cal, que é esse outro que nos inveja a nós por
razões que sistematizamos e apresentamos depois de forma lógica e estruturada.
A listagem dos mecanismos de
defesa de que fazemos uso para enfrentar a vida e viver todos os dias é extensa
complexa e s vezes pouco compreendida, sobretudo porque algumas dessas defesas
se vão transformando em verdadeiros empecilhos, que, em vez de nos protegerem
dos eventuais ataques à nossa integridade psicológica, se instalam como vírus
num sistema operativo, a inventar ataques que não existem. De facto,
verifica-se com uma frequência surpreendente que muitas pessoas não precisam de
inimigos. Elas sozinhas, sem ajudas nem estímulos, encarregam-se de se
boicotar. Assumem que não podem, não sabem, não são capazes. Assumem que têm
medo, que irão perder o amor de alguém muito significativo se fizerem isto ou
aquilo. Acreditam que o destino, as fadas ou os astros exigem delas atitudes e
comportamentos especiais, de que ninguém se lembraria. Vivem ensombrados por
regras, que elas próprias inventaram, por expectativas irrealistas, por
fantasmas que os outros não conhecem.
As razões por que as defesas se
tornam em resistências, quer dizr, os motivos por que os mecanismos que temos
disponíveis para lidar com os problemas se transformam, eles próprios, em
problemas, também são múltiplas e complicadas por agora, sublinhe-se apenas a
responsabilidade que temos em ir actualizando o que somos, em ir pensando o que
nos acontece, em dar nome ás coisas que sentimos.
(Pode ser que um dia se
inventem antivírus humanos, que procedam automaticamente á actualização das
defesas.)
Fonte: Revista Caras
Texto/Autor: Isabel Leal
(Professora de Psicologia)
Foto da Net
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