sábado, 15 de outubro de 2016

Defesas


“A listagem dos mecanismos de defesa de que fazemos uso para enfrentar a vida e viver todos os dias é extensa, complexa e por vezes pouco compreendida.”

As pessoas, tal como os outros animais, as máquinas e praticamente todos os sistemas que construímos e inventamos, têm defesas. Estas defesas são de diferentes níveis. Umas dirigem-se ao meio envolvente, quer dizer, aos recursos de que fazemos uso para modificar o que à volta nos incomoda ou agride. É por exemplo o caso de evitarmos ir a um sítio ou colocarmo-nos numa situação que antevemos nos provoque sarilhos ou desconforto.
Mas há também, e talvez mais importante, as defesas internas, quer dizer, os recursos psicológicos que ao longo da vida vamos acumulando no sentido de nos protegermos em relação àquilo que nos faz mal. Estas defesas não são as mesmas para toda a gente. Alguns de nós fazemos de conta que não vemos ou percebemos situações potencialmente críticas. Aquela coisa típica de o marido ser sempre o último a saber prefigura um mecanismo de defesa bem afinado, em que o que desejamos interfere de tal forma no que percepcionamos que nos torna selectivamente palermas.
Outros de nós chateamo-nos permanentemente ao lado, quer dizer, deslocamos a nossa agressividade para pessoas, objectos ou situações com sabemos e podemos lidar e passamos a vida em lutas de alecrim e manjerona quando a fonte do nosso mal-estar é outra, que não admitimos nem para nós próprios.
Vulgar, muito vulgar, é atribuirmos aos outros os nossos próprios sentimentos, sentirmo-nos frustrados e dizermos que vivemos num círculo de gente frustrada, sentirmos inveja de alguém e acharmos de pedra e cal, que é esse outro que nos inveja a nós por razões que sistematizamos e apresentamos depois de forma lógica e estruturada.
A listagem dos mecanismos de defesa de que fazemos uso para enfrentar a vida e viver todos os dias é extensa complexa e s vezes pouco compreendida, sobretudo porque algumas dessas defesas se vão transformando em verdadeiros empecilhos, que, em vez de nos protegerem dos eventuais ataques à nossa integridade psicológica, se instalam como vírus num sistema operativo, a inventar ataques que não existem. De facto, verifica-se com uma frequência surpreendente que muitas pessoas não precisam de inimigos. Elas sozinhas, sem ajudas nem estímulos, encarregam-se de se boicotar. Assumem que não podem, não sabem, não são capazes. Assumem que têm medo, que irão perder o amor de alguém muito significativo se fizerem isto ou aquilo. Acreditam que o destino, as fadas ou os astros exigem delas atitudes e comportamentos especiais, de que ninguém se lembraria. Vivem ensombrados por regras, que elas próprias inventaram, por expectativas irrealistas, por fantasmas que os outros não conhecem.
As razões por que as defesas se tornam em resistências, quer dizr, os motivos por que os mecanismos que temos disponíveis para lidar com os problemas se transformam, eles próprios, em problemas, também são múltiplas e complicadas por agora, sublinhe-se apenas a responsabilidade que temos em ir actualizando o que somos, em ir pensando o que nos acontece, em dar nome ás coisas que sentimos.
(Pode ser que um dia se inventem antivírus humanos, que procedam automaticamente á actualização das defesas.)

Fonte: Revista Caras
Texto/Autor: Isabel Leal (Professora  de Psicologia)
Foto da Net
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