São um símbolo de elegância, um
fetiche sexual, uma tortura para os pés. Os saltos altos transformam uma Gata
Borralheira numa Cinderela, uma Maria rapaz numa Mata Hari, uma secretária numa
executiva. Elevam a estatura, o estatuto e sublinham a autoridade. Desafiam as
leis da gravidade, os conselhos médicos e a sensatez das mulheres. São
idolatrados por quem quer sentir-se sexy e odiados por quem nunca aprendeu a
caminhar sobre eles.
Anita Ekberg pôs a cabeça dos
homens a andar à roda quando ergueu um dos seus magníficos «salto agulha» para
tomar um «sapato»de champanhe com Marcelo Mastroianni numa das cenas
fellinianas mais emblemáticas em La Dolce Vita (1960). Elisabeth Taylor
reconquista o marido (Paul Newman) com o sex appeal com que tira um par de
sapatos de salto alto em Telhado de Zinco Quente (1958). O balançar de ancas de
Marilyn Monroe em Os Homens Preferem as
loiras (1953) conseguido graças a uns
exclusivos sapatos vermelhos que viriam a render 42 mil dólares num leilão da
Christie’s só conseguiram rival à altura com Kim Basinger em Nove Semanas e
Meia (1986) nuns inesquecíveis sapatos
abertos… de salto.
A
culpa é da Rainha
Claro que no século XVI
Catarina de Médicis estaria muito longe de imaginar o furor que fariam
quatrocentos anos depois os saltos com que resolveu elevar a sua baixa estatura
para ir ao encontro do futuro marido, que ficaria para a história como Henrique
II de França. Diz-se que foi esta rainha a verdadeira introdutora dos saltos altos nas cortes
europeias – ao que consta, no século XVIII a moda tinha pegado de tal maneira
que os exageros na elevação obrigavam as damas a apoiar-se em bengalas, criados
ou maridos para conseguirem andar em cima das plataformas que não dispensavam.
Mas os saltos nos sapatos não
são, nem foram, um exclusivo feminino. A história dos objectos indica que nos
séculos XV / XVI eram um acessório muito utilizado no meio militar, porque
permitiam um encaixe perfeito nos estribos dos cavalos e ajudavam a um melhor
controlo do galope. E para quem tem de exercer autoridade não há nada como
estar uns centímetros acima dos outros
para se fazer respeitar. Nas cortes europeias do Renascimento, os saltos altos
permitiam a distinção: acima da plebe e acima da lama dos caminhos.
Toda
a vaidade é castigada
Se é lícito supor que os
sapatos surgiram para proteger os pés, a verdade é que rapidamente (em termos
históricos, claro) se tornaram símbolo da vaidade feminina. E o facto de as
mulheres sofrerem estoicamente horas a fio em cima de uns afilados e altos
sapatos para garantirem a elegância do seu pé encontra explicações nos
arquétipos mais profundos do imaginário europeu. Que o diga a Gata Borralheira,
transformada em princesa Cinderela pela herança genética que lhe permitiu
enfiar o pé num delicado – e afilado – sapatinho de cristal de salto bem alto e
assim ser recompensada pela abnegação com que aguentou anos de maus tractos
pelas malvadas irmãs. E o politicamente correcto dos dias de hoje apagou das
«histórias de encantar» a moral da história, o verdadeiro fim das duas manas
más, que fizeram um pacto com o diabo para conseguirem calçar o sapato de
cristal. Quem ainda não conseguiu um exemplar da história anterior à versão
açucarada da Disney ficará a saber que a irmã mais velha levou o sapato para o
quarto e tentou calça-lo em frente à mãe. Mas o seu pé grande e gordo não
entrava de maneira nenhuma. A mãe deu-lhe uma machadinha e disse-lhe para cortar
o dedo grande do pé: «quando fores rainha não precisarás de andar a pé.» A fila
assim fez, enfiou o pé no sapato, mordeu os lábios para não gritar de dor e foi
ter com o príncipe.
E claro, toda a vaidade é
castigada e era para isso mesmo que serviam os «contos de fadas» Na triste
história da menina dos sapatinhos vermelhos, a protagonista, que tanto desejava
uns para poder dançar, acaba por também firmar um pacto com quem não deve e
recebe os desejados sapatos. Começa a dançar e nunca mais para - «dançou pelos
campos, dançou pelos prados, dançou à chuva, dançou ao sol, de dia e de noite e
continuou sempre a dançar». Quando tentou tirar os seus lindos sapatinhos não
conseguiu – estavam demasiado apertados. Rasgou as meias, mas nem assim
conseguiu. Continuou sempre a dançar, atravessou florestas e bosques, dançou
sobre silvas e espinhos que a arranharam até fazer sangue e acabou por aceitar
a ajuda de um camponês, que lhe cortou os pés com os sapatinhos vermelhos – e
mesmo assim estes continuaram a dançar, com os seus pés lá dentro, e a menina
ficou a vê-los desaparecer, sempre a dançar, em direcção á negra floresta.
A
marca da diferença
O que torna o pé o centro das
atenções e dá ao salto um protagonismo inusitado é que a forma como assenta no
chão é que vai ditar a sexualidade do corpo da mulher: quanto mais vertical for
o salto, mais o peito se projecta para a frente. Quanto mais reduzida for a
superfície de apoio do peso do corpo maior o ondular das ancas ao andar – lei
da física de que Marilyn Monroe foi um perfeito exemplo.
Os saltos altos para as
mulheres, estão de forma incontornável, associados a «ser sexy». O salto agulha
é a marca diferencial de uma longa lista de actrizes tornadas objecto de
desejo. E sabe-se que os saltos são muito apreciados por drag queens e actrizes
porno, embora nas suas variantes de «plataforma» e sola espessa, e de
preferência de verniz. E claro, objecto de culto nas gavetas escondidas de
muitos fetichistas. Difícil é esquecer os Tacones Lejanos em que se empoleirou
Miguel Bosé em Saltos Altos, de Pedro Almodóvar.
Para as mulheres do final do
século XX, os saltos altos – e afiados – também surgem como símbolos da sua
capacidade de se imporem perante os homens, sobretudo no mundo do trabalho.
Porque as tornam mais altas – dez artificiais e psicológicos centímetros são
suficientes para mudar a carreira de uma mulher – e lhes dão mais autoridade.
Constatação passada para a tela por Hollywood no filme: Uma Mulher de Sucesso (1988) em que a
«secretária» Melanie Grifith substitui os seus inestimáveis ténis pelos
elegantíssimos saltos agulha de Sigourney Weaver, «roubando-lhe» assim não só o
lugar de executiva como também o bem sucedido e bonitão candidadato a namorado
Harrison Ford.
Mulheres
altas, homens pequenos
Mas não há bela sem senão, e
esse acréscimo de altura que pode ser um trampolim profissional pode também
significar a descida aos infernos numa relação amorosa. O imaginário cultural
ocidental admite com dificuldade que num casal a mulher seja mais alta do que o
homem. E mais do que imaginário é o homem que se sente mesmo mal com a sua
(menor) altura. Não terá sido por acaso a malograda Princesa Diana optou por
elegantes sapatos rasos depois do seu casamento com o herdeiro da coroa
britânica. E foi ver Nicole Kidman abandonar as sabrinas e regressar aos saltos
altos e finos depois de se divorciar de Tom Cruise. Para já não falar das
recentes imagens da novíssima primeira-dama francesa, a modelo Carla Bruni
(Sarkozy), que até mesmo de elegantíssimas sabrinas ultrapassa o marido nuns
bons centímetros tornando a vida dos responsáveis pelo protocolo um autêntico
pesadelo.
Mas se os saltos altos e
afilados concorrem insdiscutivelmente para o aumento da auto-estima de uma
mulher, os médicos garantem que também podem contribuir para lhe arruinar a
saúde, a começar pelos pés, coluna, má postura. E há quem defenda que são
também responsáveis pelo aparecimento de rugas prematuras, dores de cabeça e
acessos de fúria devido ás dores que é preciso suportar quando se passa algumas
horas em cima destas verdadeiras obras de arte.
Se há personagem que sacralizou
os sapatos de salto alto foi Carrie, interpretada por Sarah Jessica Parker em O
Sexo e a Cidade. A sua paixão por sapatos, especialmente os Manolo Blahnik e os
Jimmy Choo, vai ao ponto de suplicar a um assaltante que lhe leve tudo o que
tem, mas lhe deixe ficar os «Manolo» que
acabara de comprar por um bom preço numa sessão de saldos…
Manual de Utilização
Há regras de ouro para poder
usar saltos altos. A primeira é aprender a andar em cima deles para que a
candidata a sexy do ano não se transforme na desconjuntada da festa. Cinzia
Felicetti, direrectora da edição italiana da revista Cosmopolitan, aconselha,
no seu livro Absolutamente Glamourosas!, a que se use o salto agulha com saias
justas, pelo joelho (no caso de saias muito curtas ou muito compridas é melhor
não exagerar na altura do salto). Também são adequados os clássicos casual como
calças de ganga/top de seda, ou com um vestido preto justo, estola de pele
(imitação!) e brincos chandelier. Sugere que se reservem os sapatos de veludo
ou de seda para a noite. Dourados e prateados, «que alternam nas passerelles de
estação para estação», devem guardar-se para o verão: o dourado vai bem com o
branco e o prateado com os tons pastel. As chinelas com saltos, que dão pelo
afrancesado nomes de mule vão bem com corsários.
A jornalista italiana
desaconselha o uso de saltos altos e finos a quem tiver de caminhar ou
manter-se de pé por várias horas: «Lágrimas e sangue por um par de sapatos
nunca vale a pena.» Mas como terapia para um dia desastroso sugere a frenética
busca pelas lojas para encontrar o salto agulha perfeito. E cita George Bernard
Shaw: «Se não se consegue adaptar aos saltos altos, procure pelo menos
compensar com um chapéu muito elegante».
Fonte: Revista Notícias
Magazine
Texto: Sofia Barrocas
Fotos da Net
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