Uma amendoeira estende os
ramos por cima de uma campa discreta. Sobre uma pedra redonda, gravado numa
laje, lemos em letras brancas: Paul Gauguin, 1848-1903. No cemitério de
Atuona, na Ilha d’Hiva Oa, nas Marquesas, Polinésia, repousa o célebre pintor
francês. Tal como Van Gogh (muito menos desprezado, no entanto), Paul
Gauguin não assistiu em vida, ao reconhecimento da sua obra.
(“Cavaliers
Sur la Plage”)
(“Vairumati
(1892)”)
Até aos 34 anos teve uma
vida perfeitamente normal. Foi aprendiz de piloto da marinha mercante e
empregado de um agente de câmbios, tendo alcançado sucesso como corrector da
Bolsa de Paris. Começou a sua actividade na pintura na qualidade de amador e
expôs, pela primeira vez, no ano de 1876. Foi em 1883 que rompeu radicalmente
com o passado, ao sair de casa, abandonando a família e um emprego estável. Mudou-se
para Pont-Aven, na Bretanha, onde repartiu a casa com o pintor Charles Laval.
Posteriormente, fez uma série de viagens e regressa, novamente á Europa. Em Arles,
aprofunda a sua relação com Van Gogh, de quem se tornaria grande amigo. Foi
o próprio artista holandês que o convidou para uma estada em sua casa. Ao fim
de alguns meses, uma terrível discussão entre os dois – ambos de temperamento
difícil – colocou um fim à convivência. Gauguin partiu e Van Gogh,
num acto de desespero e remorso, cortou a sua própria orelha.
(“Sob
o Pandanus (1891”)
Paul Gauguin aproximou-se do
impressionismo, na altura, uma corrente de pintura que fazia moda em Paris. No entanto,
o pintor manteve sempre alguma relutância em relação a alguns métodos do
movimento. O extremo cuidado com o tratamento da luz, típico dos
impressionistas, era posto de lado pelo artista. Este entendia que a luz
deveria ser “exterior” à pintura; por isso, centrava-se em aspectos “interiores”,
como a superfície, a cor e o desenho. Por ter criado uma linguagem artística que
contemplava a autonomia da cor e o tratamento do tema com expressão simbólica, Gauguin,
a par de Cézanne e Van Gogh, foi integrado na corrente
pós-impressionista. Este movimento surge, assim, como consequência da constante
renovação e pesquisa plástica implementadas pelos pintores impressionistas.
(“O
Nascimento de Cristo (Te tamari no atua) (1896)”)
Em reacção contra a rotina
parisiense, Paul Gauguin sofreu de neurastenia. Por esta razão, em 1891,
fugiu para o Taiti, num “acesso de irresponsabilidade”. Deixou a sua mulher no
momento em que esta esperava o quinto filho. Alguns meses mais tarde, a mulher
de Paul Gauguin voltaria para casa da família, em Copenhaga, com o
intuito de proteger a sua prole.
(“Jeunne
Fille á La Mangue”)
O Taiti deslumbrou Gauguin.
Andou descalço por aquelas terras paradisíacas, pescou com os aldeões e
partilhou a sua vida com uma jovem havaiana, de quem teve um filho. À procura
de dinheiro e sedento de reconhecimento público, o pintor regressa a Paris. Porém
a venda dos seus quadros é um fracasso. Em 1895, parte, novamente, para o Taiti.
No cais da estação de
comboios de Lyon, Paul Gauguin está lavado em lágrimas, pois sabe que nunca
mais regressará a França.
(“Spirit
of the Dead”)
Um novo ponto de viragem
dar-se-ia na vida de Gauguin quando um merchand d’art lhe oferece uma mensalidade
de 300 francos pela produção de quadros. Com este dinheiro, o pintor parte para
as Ilhas Marquesas, na Polinésia, e instala-se numa palhota de bambu. Como provocador
que era, baptiza-a com o nome de Casa do Orgasmo e aí “acolhe” uma rapariga
muito jovem, espicaçando o colégio interno católico seu vizinho. Desta união, e
tal como tinha acontecido no Taiti, nasce mais uma criança, da qual descende
todo o ramo genealógico de Gauguin nas Ilhas Marquesas.
No centenário da sua morte, toda
a família do pintor se juntou para a fotografia, na ponte do Iate Paul Gauguin.
Encontramos maria, bisneta Dinamarquesa do pós-impressionista, tal como uma
amálgama de casais, de filhos e netos, todos eles descendentes seus nos mais
diversos graus. Além disso, os habitantes de da Atuona, uma “capital de bolso”
nos trópicos participaram nas celebrações do centenário da sua morte. Sem ressentimentos,
o pároco daquela localidade celebrou uma grande missa em memória do artista e foi
inaugurado um centro cultural dedicado a Gauguin.
(“Two
Thaitian Woman”)
Como nos tempos de Koke
(contracção do nome de Gauguin no idioma marquisienne), as jovens
desfilaram envergando vestidos de missionárias, retomando, assim, a pose dos
quadros mais célebres do pintor. Por fim, esteve patente, no Grand Palais, em
Paris, uma exposição intitulada Gauguin – Tahiti, L’Atelier des Tropiques, focalizada
em torno das duas estadas consecutivas do artista no Taiti (1891-1893,
1895-1901) e, depois nas Ilhas Marquesas (1901-1903). Desde 1949 que não era
feita uma mostra desta dimensão com os seus trabalhos.
(“Ta
Matete”)
A “viagem” que iniciou no
pacífico começa a ser entendida como uma grande aventura. No fundo, e como
muitos acreditam, esta foi uma entrega á sua grande paixão: a pintura. No meio dos
autóctones, livrou-se das influências da civilização. Nada mais quis do que a
arte simples, muito simples e, para o conseguir, necessitou de se retemperar na
natureza virgem…
Fonte: Revista Vip
Texto/Autor: Jorge Freitas
Ferreira
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