domingo, 20 de novembro de 2016

Peixe-Aranha


O peixe-aranha é utilizado como acepipe astronómico em zonas do nosso País – é comparado à pescada -,nomeadamente em Porto Covo, no Alentejo.
A fama do peixe-aranha é conhecida por todos. Escondido na areia a poucos centímetros de profundidade, este peixe solitário provoca dores intensas nos banhistas mais incautos, através das suas picadas venenosas. No entanto, o homem é uma vítima inocente deste animal. O peixe-aranha desfere a picada sempre que se sente ameaçado e tanto o veneno como o esconder na areia são apenas técnicas de defesa.
As picadas têm origem nos três primeiros espinhos da barbatana dorsal e também num outro existente em cada uma das membranas branquiais. Outra característica é a sua grande vitalidade, que lhe permite resistir várias horas fora de água ou mesmo manter activo o veneno depois de morto. Este pormenor faz dos pescadores vítimas frequentes, no momento em que procuram soltar o peixe do anzol.
Os primeiros socorros para o veneno do peixe-aranha consistem em submergir a zona afectada em água quente. Esta acção deve ser realizada nos 30 minutos seguintes á picada e visa a destruição da toxina, fruto da sua sensibilidade a altas temperaturas. Quando tal  for impossível, aconselha-se o recurso a técnicas improvisadas, como o aproximar de um cigarro ou de outra fonte de calor. Qualquer que seja a terapêutica, deve-se ter o cuidado necessário para evitar queimaduras. Na maioria das situações estes procedimentos são suficientes para atenuar o efeito do veneno. Contudo, a consulta médica torna-se indispensável sempre que a vítima apresentar sintomas de vómitos, convulsões, dificuldades respiratórias, febre ou dores de cabeça. Isto acontece sobretudo com pessoas pertencentes a grupos de risco, como crianças, idosos ou grávidas. Para os portugueses, há muito que se tornou banal o convívio com este pequeno terrorista, uma vez que a sua presença é comum no litoral do País e nos  Açores. E como os portugueses são mestres na arte gastronómica, a cozinha nacional soube tirar proveito deste convívio pouco desejável, fazendo do peixe-aranha um ingrediente de diversos pratos, como as caldeiradas. Desfaz-se assim o mito do peixe predador que vê as pessoas como suas presas.

Fonte: Jornal DN
Texto: João Silva

sábado, 19 de novembro de 2016

A espantosa inteligência dos animais


Há pouco tempo, passei uma manhã a tomar café com Kanzi. Foi ele quem me convidou, à sua habitual maneira arrevesada. Kanzi é um tipo de poucas falas – 384 palavras, numa contagem formal, embora provavelmente saiba mais algumas dezenas. Tem uma voz perfeitamente audível – clara, expressiva e muito alta. Mas não é especialmente bom a formar palavras. Nada de anormal, quando se é um bonobó, o parente mais próximo e sereno do chimpanzé.
Mesmo assim, Kanzi é conservador. Durante a maior parte do dia conserva uma espécie de glossário bem á mão, três folhas com centenas de símbolos coloridos que representam todas as palavras que lhe foram ensinadas pelos seus mentores ou aprendidas por ele próprio. Consegue construir pensamentos e frases, e até conjugar verbos, simplesmente apontando. As folhas incluem não apenas substantivos e verbos fáceis, como «correr» e «coçar», mas também palavras conceptuais como «de» e «mais tarde», e elementos gramaticais como as terminações para os gerúndios e pretéritos.


Kanzi sabe quebrar o gelo, antes de ir ao assunto. De modo que aponta para o ícone do café, no seu glossário. E, depois para mim. Chama então, pela primatóloga Sue Savage – Rumbaugh, investigadora do Great Ape Trust – o centro de investigação de Des Moines, no Lowa, onde Kanzi vive – e pelo supervisor de laboratório, Tyler Romine. Romine prepara quatro cafés e leva um a Kanzi, no seu recinto, por detrás de uma janela de plástico. O bonobó bebe – engole um trago, em boa verdade – e, como as nossas vozes são recolhidas por microfone, escuta o que dizemos.
«Dissemos-lhe que vinha cá um visitante», explica Savage – Rumbaugh. «Esta manhã, tem estado excitado e obstinado, e não conseguimos levá-lo para o quintal. Em troca, tivemos de negociar um pedaço de meloa.» Meloa ainda não faz parte da lista de palavras de Kanzi, pelo que o nosso amigo aponta para os símbolos de verde, amarelo e melancia. Quando provou couve, chamou-lhe «alface lenta», porque leva mais tempo a mastigar.


A Great Ape Trust, sem fins lucrativos, aloja sete bonobós, incluindo o filhote de Kanzi, Teco nascido a 1 de Junho de 2010. Kanzi não é o primeiro macaco a quem foi ensinada linguagem. Este centro adopta uma nova abordagem, criando macacos desde a nascença com linguagem falada e simbólica como característica constante dos seus dias. Tal como as mães humanas levam os bebés a passear e falam com eles sobre o que vêem, mesmo que a criança ainda não entenda, os cientistas deste centro também narram a vida aos seus bonobós. Com a ajuda dessa imersão total, os macacos aprendem a comunicar melhor, mais depressa e com maior complexidade.
Seja como for, Kanzi não está hoje interessado em falar muito, preferindo correr e saltar para mostrar os seus dotes físicos. «Bola», escolhe ele nas suas folhas do glossário, quando acaba o café. «Diga-lhe que a vai buscar», sugere-me Savage – Rumbaugh, mostrando-me onde estão os símbolos necessários na folha que tenho na mão. «Sim-eu-vou-caçar-a-bola», escolho lentamente. Caçar é uma palavra que Kanzi usa alternadamente com obter. Levo algum tempo a encontrar a bola num gabinete e, quando regresso, Savage-Rumbaugh pergunta verbalmente a Kanzi: «Estás pronto para jogar?» olha para nós sinistramente. «Passado pronto», indica.
Criaturas Conscientes
Os seres humanos têm uma relação plena com os animais. São nossos companheiros e nossos bens, membros da nossa família e nossos criados, nossos animais de estimação e nossas pestes. Adoramo-los e metemo-los em jaulas, admiramo-los e abusamos deles. E, claro, cozinhamo-los e comemo-los.
A nossa justificação sempre foi a de que podemos fazer com os animais o que quisermos porque eles não sofrem como nós. Não pensam, pelo menos de qualquer maneira significativa. Não se preocupam. Não têm sentido do futuro ou da sua própria mortalidade. Podem dedicar-se, mas não amam. Tanto quanto sabemos, podem nem ser conscientes. Para muita gente a Bíblia dá o argumento mais poderoso. Foi concedido aos seres humanos o «domínio sobre os animais do campo», e aí a discussão pode mais ou menos parar.
Mas as bermas que construímos entre nós e os animais estão a ser eliminados. Costumamos dizer que os seres humanos são os únicos animais que utilizam ferramentas. Então e os pássaros e macacos que sabemos que as usam? Os seres humanos são os únicos capazes de empatia e generosidade. E então os macacos que praticam a caridade e os elefantes que velam os seus mortos? Os seres humanos são os únicos que sentem alegria e conhecimento do futuro. Então e o estudo recentemente publicado, no Reino Unido, a mostrar que os porcos criados em ambientes confortáveis exigem optimismo, movendo-se em direcção a um novo som, em vez de fugirem temerosamente dele? E quanto aos seres humanos serem os únicos animais com linguagem? Kanzi explicar-nos-ia que não é verdade. Não basta, pois, estudar o cérebro dos animais, dizem agora os cientistas. Temos de conhecer a sua mente.


Já aceitamos que os macacos e os golfinhos são conscientes. E gostamos de pensar que os cães e os gatos também o são. Mas e os ratos? E uma mosca? Passa-se com eles alguma coisa? Um cérebro diminuto num animal simples tem o suficiente para controlar apenas as funções básicas do corpo? A nossa avaliação é, com frequência, toldada por sentimentos adquiridos em relação a uma dada espécie. É provável que uma barata não tenha menos poder cerebral do que uma borboleta, mas somos céleres a negar-lhe consciência, porque é uma espécie que nos repugna. Ainda assim, a maioria dos cientistas concorda que a consciência brilha mais intensamente nos humanos e em outros animais superiores, diluindo-se para uma luz vacilante e, por fim, para a escuridão, nos seres inferiores.
Embora o tamanho do cérebro tenha, por certo, alguma relação com a esperteza, muito mais se poderá aprender da sua estrutura. O pensamento superior tem lugar no córtex cerebral, a região mais evoluída do cérebro e que falta a muitos animais. Os mamíferos são membros do clube do córtex cerebral e, como regra, quanto maior e mais complexa se mostra essa região, mais inteligente é o animal. Mas não é a única via para o pensamento criativo. Veja-se a utilização de ferramentas, através das lontras: dominaram a tarefa de esmagar moluscos com pedras para chegar à carne que está lá dentro, o que, embora primitivo, conta. Mas se a criatividade reside no córtex cerebral, porque razão os corvídeos a classe de aves que inclui os corvos e os gaios, usam melhor as ferramentas do que quase todas as espécies não humanas? Os corvos, por exemplo revelam-se adeptos de dobrar arame para criar um gancho que possa pescar comida no fundo de um tubo de plástico. Mais notável, ainda, verificou-se que a gralha, uma ave da família dos corvos, conseguia raciocinar o suficiente para deitar pedras num recipiente parcialmente cheio de água, a fim de fazer subir o nível e poder saciar a sede.
O modo como as aves realizaram tal habilidade sem possuírem um córtex cerebral tem provavelmente a ver com uma região cerebral que partilham com os mamíferos: os gânglios basais, estruturas mais primitivas envolvidas na aprendizagem. Os gânglios basais dos mamíferos são feitos de várias estruturas, enquanto os das aves se resumem a uma. Sucede porém que o cérebro das aves é multifacetado, efectuando diferentes tarefas ao mesmo tempo. O resultado é igual, com a informação processada. Só que as aves atingem-no de maneira mais eficaz.


No caso dos corvídeos e de outros animais, o que pode activar ainda mais a inteligência é a estrutura, não do seu cérebro, mas das suas sociedades – sobretudo quanto à caça. Veja-se o rei dos animais. 


«Os leões fazem coisas extraordinárias», diz a bióloga Christine Drea, da Universidade de Duke. «Um animal coloca-se para a emboscada, e outro espanta a presa nessa direcção.» Mais impressionante, ainda, é a hiena. «Só por si, uma hiena pode derrubar um gnu, mas são precisas várias para deitar ao chão uma zebra», explica Christine Drea. «De modo que planeiam previamente o tamanho da presa e saem para caçar uma em particular. Decidem que vão caçar uma zebra. Ignoram até um gnu, se passarem por algum no caminho.»
É certamente significativo que os corvos sejam as aves mais hábeis e sociais, com longas e estáveis ligações ao grupo. Também é elucidativo que os animais de manada, como as vacas e os búfalos, exibam pouca inteligência. Embora vivam colectivamente, a sua sociedade tem reduzida forma. «Numa manada de búfalos, o Manel não quer saber quem é a Maria», diz Drea. «Mas entre os primatas, carnívoros sociais, baleias e golfinhos, cada indivíduo tem o seu próprio lugar.»

Nós e os outros

A teoria da mente revela-se essencial para a comunicação e a autoconsciência – e alguns animais mostram-na. Os cães têm o entendimento inato do que significa apontar: há alguém com informação para partilhar e que está a chamar a sua atenção para que possa aprender também. Parece simples, mas só porque nascemos com essa capacidade e, a propósito, temos dedos para apontar. Os grandes macacos, apesar do seu impressionante intelecto e mãos com cinco dedos, não parecem programados de fábrica para apontar. Mas pode, tão só, faltar-lhe a oportunidade de o fazer. Um macaco bebé raramente se afasta da mãe, agarrando-se ao seu abdómen. Mas Kanzi, que foi criado em cativeiro, andou muitas vezes nos braços de seres humanos, e teve assim as mãos livres para comunicar.
Apontar não é o único indicador de uma espécie inteligente que adquire a teoria da mente. 


Os gaios azuis – outro corvídeo – escondem alimentos para usarem mais tarde, e têm muito cuidado com a possibilidade de animais intrusos os estarem a ver. Se notar que foi observado, o gaio espera que o outro animal se afaste, e depois dissimula a comida num sítio diferente. Compreende, pois, que a outra criatura tem mente – e manipula-a.
O padrão ouro para demonstrar uma compreensão da distinção entre nós e os outros é o teste do espelho. Ou seja, se um animal consegue ver o seu reflexo e reconhecer o que é. Pode ser adorável ver um gato observar-se num espelho e correr para o outro lado em busca do imaginário companheiro. Mas não é sinal de grande cabeça. Os elefantes, os macacos, e os golfinhos são das poucas criaturas que conseguem passar o teste do espelho. Os três reagem apropriadamente, depois de ter sido aplicada uma marca na tinta na sua testa ou noutra parte do corpo. Os macacos e os elefantes irão tocar na marca com o dedo ou com a tromba, em vez de tentarem chegar ao reflexo. Os golfinhos colocam-se de maneira a verem melhor o reflexo da marca.
Se os animais podem raciocinar – mesmo de uma forma que consideremos rude -, a questão inevitável passa a ser: podem sentir? Sentirão empatia ou compaixão? Podem amar, preocupar-se, ansiar ou ter desgosto? E o que diz sobre o modo como os tratamos? São perguntas armadilhadas a que a Ciência não pode furtar-se.


Os elefantes parecem chorar os seus mortos, debruçando-se sobre um companheiro inerte com aparente desgosto. Os macacos também ficam durante dias perto do corpo sem vida de um dos seus. A empatia para com os membros vivos da mesma espécie não é, igualmente, novidade. 


«Quando os ratos estão em sofrimento, os companheiros que o vêem começam também a contorcer-se, partilhando a dor», diz Marc Hauser, professor de Psicologia e Biologia Antropóloga, em Havard. «Não precisamos de Neurobiologia para concluir que isso sugere consciência.» Já Frans de Waal, do Centro Nacional Yerkes de Investigação de Primatas, em Atlanta, coordenou um estudo em que macacos mostravam gosto em oferecer comida a companheiros, desde que fossem familiares ou, pelo menos, conhecidos. Estamos bem perto de pesquisas no cérebro humano, que revelam actividade nos centros de recompensa de alguém que concretiza u ato de solidariedade.


O glossário de Kanzi inclui, aliás, palavras como «bom» e «feliz», «ser» e «amanhã». Se é verdade que todos estes termos têm significado para ele, então a sua vida – e, por extensão, a de outros animais – pode ser rica e valer a pena.

Fonte: Revista Visão
Texto: Jeffrey Kluger
Fotos da net
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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Viagem aos alicerces da Excentridade

Imagine Fred Astaire e Ginger Rogers a sapatear alegremente nas margens do Rio Moldava. Repita o exercício adicionado a este compasso no Centro de Praga uma boa porção de aço Inoxidável, vidro e cimento. Se preferir, para ajudar à dança, perspective um gelado a derreter num dia de Verão escaldante. Resultado? Uma ‘Casa Dançante’, um dos edifícios mais insólitos que a Republica Checa viu despontar na sua paisagem urbana pelos traços da dupla Frank O. Gehry e V. Milunic. Um entre vários pretextos para uma volta ao Mundo em edifícios excêntricos, alheios aos roteiros convencionais, numa escapadinha de férias perto de si.

(Dancing House)

Construída em 1989, a famosa ‘Dancing House’ trazia na manga uma lufada de ar fresco para a cidade, erigida como símbolo da libertação, sequiosa de afugentar um passado político cinzento. A sua forma, semelhante à imbatível parelha de bailarinos, representou uma verdadeira loucura arquitectónica que abriu alas para o cosmopolitismo a Leste. Chegado a Praga, se perguntar pela estrutura ‘Ginger e Fred’, todos saberão indicar-lhe o caminho. Inusitadamente inclinado, o edifício ocupa uma superfície de 5400 metros quadrados e põe em relevo a impressionante torre de vidro que rompe com todas as normas estabelecidas ao ser quebrado pela metade e suspenso por pilares curvos. Entre os seus habitantes contam-se multinacionais e um restaurante Francês.

(Ray and Maria Stata Center, MIT)

A milhares de quilómetros de distância, os jogos visuais despertam nova curiosidade. No estado de Massachusetts, nos EUA, o mesmo Frank O. Gehry confiou o protagonismo da sua obra à estética da banda desenhada e dos filmes da Disney para dar vida a um edifício científico. O Stata Center, sede da computação científica e inteligência artificial do Instituto de Tecnologia (MIT) dá provas da união entre o talento e a imaginação sem limites do seu criador. O ‘pai’ do Stata alude a uma ‘festa de robôs embriagados’ para caracterizar o seu arrojado projecto.

(‘Ripley’s’? Ex-libris da cidade de Branson)

E que dizer do ‘Ripley’s’? Ex-libris da cidade de Branson, no Colorado, é uma das casas mais fotografadas da região. Concebido com uma enorme fenda, em 1988, homenageia o sismo na escala 8 de Richter que devastou a zona em 1812.

(o ‘The Wilson Hall’)

Menos exuberante, mas igualmente apelativo, o ‘The Wilson Hall’ foi construído em 1971 e 1974 em Sumter, Carolina do Norte. O seu design único deu um novo fôlego ao sentido da arquitectura e ajustou-se como uma luva ao espírito dos seus ‘inquilinos’ mais de 1500 cientistas dispersos por espaços laboratórios e centenas de escritórios.

(A casa ‘Astra’ de Hamburgo)

Na Alemanha, a casa ‘Astra’ de Hamburgo, actual cervejeira, volta a por em relevo a originalidade. Outras obras únicas testemunham os desafios superados pela arquitectura de autor, como um simpático restaurante em Windsor, Inglaterra.

(‘Robot Building’)

Em 1985, o coração financeiro de Banguecoque, abria os seus braços ao ‘Robot Building’, um robô gigante, símbolo da modernidade, que deu abrigo ao grande Banco da Àsia.

(O Hotel Sofitel Tóquio)

Já na cidade de Tóquio, ergue-se um edifício inspirado nos templos japoneses e na árvore da vida. O Hotel Sofitel, desenhado por Kikutake Kiyonori, é um dos mais espectaculares do país. 

(o Restaurante Sakasa)

Do Japão chegam outros regalos para a vista. Será que o Restaurante Sakasa saiu do meio de um cenário dos Playmobil? Construída com um ângulo de 135 graus, parece impossível descobrir vida lá dentro. Mas que há, há!

(‘Crooked House’)

Como um boneco animado as linhas sinuosas da (‘Crooked House’), assemelha-se a uma pisadela de gigante. Atracção turística de um centro comercial de Sopot, na Polónia, foi edificada em 2004 por Szotynscy & Zalesky. Há quem arrisque perguntar, qual será a reacção de uma pessoa sobre o efeito do álcool quando conhece esta casa.

(A Casa da Música no Porto)

A Rotunda da Boavista entre o centro histórico e a Foz do Porto, é habitada por uma das mais recentes e arrojadas obras em território Português que merece uma visita in loco pela sua origina volumetria. A Casa da Música, da autoria do arquitecto e urbanista holandês Rem Koolhaas, foi concebida para servir o projecto Porto 2001 – Capital Europeia da Cultura. Actualmente é palco para todas as variantes da sua convidada mais nobre: a música. Da clássica, à electrónica passando pelo fado e pelo jazz, pelas grandes produções internacionais e pelos pequenos projectos experimentais, a diversidade habituou-se a pisar esta sala de espectáculos situada a Norte. Aliando a arquitectura e a engenharia, a Casa destaca-se pelos elementos estruturais principais do edifício dos Auditórios, como a casca formada pelos painéis das paredes exteriores em betão armado, com 0,40m de espessura. A ideia inicial pressupunha um edifício ‘ translucido’ com uma estrutura metálica, mas razões de custo e a perda do efeito de transparência a que a densidade de elementos estruturais inevitavelmente obrigaria, levaram à opção pelo betão branco (pouco comum nos países do Norte da Europa). Mesmo assim, a ideia agradou a Rem Koolhaas.

Fonte: Revista Domingo
Texto: Maria Ramos Silva
Fotos da Net
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quinta-feira, 17 de novembro de 2016

9 Mitos da História de Portugal


Pequenas histórias que fazem a História constroem também a identidade do País – que sem elas pouco mais seria do que o rectângulo de terreno onde vivemos.
O que é um país?
Um território? A população que nela habita? Os políticos que o governam? Um Hino? Uma bandeira? Uma representação desportiva?
Mais do que tudo isto somado, um país é uma identidade. E esta constrói-se tanto à custa de realidades como de mitos. Com o importante contributo da Pequena História.
A França não seria a mesma sem a inacreditável epopeia de Joana d´Darc ou o tragicómico episódio do colar da Rainha Maria Antonieta. Os Estados Unidos são indissociáveis de figuras como Daniel Boone, David Crockett ou Buffalo Bill, que devem tanto aos factos como à ficção. A Inglaterra sem as lendas bretãs em torno do mítico Rei Artur ou sem as alegres façanhas de Robin Hood não seria a Inglaterra que todos conhecemos.
E Portugal? Tirem-lhe o semifantástico Viriato, o  ambíguo D. Afonso Henriques, a lenda do milagre das rosas, os Amores de Pedro e Inês, o impoluto Nuno Álvares Pereira, o galente torneio dos Doze de Inglaterra, a fúria castigadora da padeira de Aljubarrota, O Infante D. Henriques de olhar perdido no oceano – e vajam o que fica: para lá das duras realidades, apenas uma selecção de futebol absorvendo todas as frustrações de um povo que cada vez menos aprende a identificar-se.
Vamos viajar através de alguns dos mitos que fazem Portugal.

1

(Monumento a Viriato - Marianno Benlliure)

(Viriato foi o primeiro português) – Mas combatia em toda a península Ibérica e falava uma língua que hoje ninguém conseguiria entender.
Toda a gente conhece Viriato – ou julga conhecê-lo. A cultura geral do português médio descreve-o como um «pastor dos Montes Hermínios» que, à frente dos Lusitanos, combateu vitoriosamente os invasores Romanos, preservando a independência portuguesa. Montes Hermínios, aprendia-se na escola, era o nome dado em tempos remotos à Serra da Estrela. Imaginamos os patriotas lusitanos, semiocultos nas vertentes, lançando pedregulhos sobre as legiões que desfilavam pelos vales. Entre dois combatentes, Viriato e a sua gente recolhiam-se à Cava que tem o seu nome, em Viseu. De acordo com a ideia feita, terá sido esta a primeira guerra portuguesa pela independência.
Na verdade, Viriato, que nada tinha de pastor, era um poderoso chefe do povo dos Lusitanos que viveu e combateu no Sul da Península Ibérica, do Alentejo à Estremadura espanhola e á Andaluzia. Entre os anos 147 e 140 antes de Cristo infligiu de facto algumas derrotas aos Romanos, que acabaram por levar a melhor depois de o terem feito assassinar à traição.
Provenientes da Europa Central, os Lusitanos eram um dos muitos povos que então habitavam a Península, estabelecidos numa área que se estendia por ambos os lados da actual fronteira luso-espanhola. Já vencedores, os Romanos deram o nome de Lusitânia a uma província do seu império que se estendia pela moderna Espanha adentro, com a capital em Mérida. Mas no século XVI começou a dizer-se e a escrever-se que os portugueses descendiam dos Lusitanos. N’Os Lusíadas, Camões afirma que a Lusitânia foi fundada por Luso, filho de Baco (o deus grego-romano do vinho), do qual todos nós seríamos tetranetos. Tal fantasia foi totalmente descartada por Alexandre Herculano em meados do século XIX, mas isso não
impediu que o Estado Novo retomasse, para efeitos de propaganda patrioteira, a ideia de que os portugueses descendem dos Lusitanos. Na verdade, somos uma mistura de múltiplos povos, onde talvez entre a componente lusitana, mas em menor medida do que a fenícia, a romana, a germânica, a árabe, a berbere, a judaica, a europeia do tempo das Cruzadas, a africana da época esclavagista, a francesa do período napoleónico ou até (basta olharmos em volta) a brasileira, a ucraniana ou a africana dos nossos dias. Devemos muito mais aos Romanos – que nos organizaram e de quem herdámos a língua, que bebiam vinho e comiam pão de trigo – do que aos Lusitanos, que tinham costumes estranhos e falavam um idioma perdido e que agora nos seria totalmente ininteligível.
O Viriato histórico, esse, é tanto «português» como «espanhol» visto que actuou de ambos os lados de uma raia que no seu tempo não existia. E quanto á Cava de Viriato, nada tem a ver com o caudilho Lusitano, embora uma pequena estátua sua ali tenha sido erguida pelo Estado Novo em 1940. Trata-se de uma fortificação da época muçulmana, embora com vestígios romanos atestando a sua utilização já em épocas anteriores. Só no século XVI é que começou a ser associada a Viriato – que provavelmente nunca pôs os pés na bonita cidade beirã, nem na agreste Serra da Estrela.

2

(D. Afonso Henriques)

(D. Afonso Henriques batia na mãe…) – O que fez foi, no entanto, derrotar os partidários de D. Teresa.
Arquivado o «Caso Viriato», e avançando uns bons 1200 anos na máquina do tempo, aparece-nos como primeiro português D. Afonso Henriques. Para trás, no Portugal de hoje e na Península Ibérica em geral, tinham ficado os seis séculos de domínio romano, as invasões dos povos germânicos (dos Bárbaros como se dizia), o reino dos Visigodos que abrangeu quase todo o moderno Portugal, o dos Suevos que englobou o Minho e o Douro e a invasão muçulmana do ano 711, que originou muitos séculos de permanência dos «mouros» por cá. A designação «mouros» não é correcta, pois para além de naturais da Mauritânia muitos outros seguidores de Maomé, incluindo árabes, se estabeleceram na Península. Mas foi a que ficou.
A memória popular, o mais longe que vai é ao tempo destes «mouros» considerando o mais recuado que se pode imaginar; daí a Casa Mourisca do romance de Júlio Dinis que de «moura» tinha apenas a característica de ser antiga. Logo no século VIII, estes mouros começaram a ser combatidos pelos nobres cristãos do Norte, muitos deles de origem germânica e mais ligados aos costumes europeus do que aos orientais ou norte-africanos.
Nasceram assim novos reinos à custa de território conquistado aos mouros. Um desses reinos foi o de Leão, depois unido ao de Castela. Portugal era um condado pertencente a esse reino, derivando o nome Portus e Cale (Porto e Gaia), as importantes povoações da foz do Douro que justificavam a sua autonomia. Para o governar o Rei de Leão nomeou o Conde Henrique, ou Henri, um nobre francês da Borgonha que viera para a Península a fim de combater os «infiéis», a quem ofereceu a mão da sua filha bastarda, Teresa, ou Taraja.
Da união nasceu, Afonso, filho de Henrique (Henriques, portanto), que após a morte do pai entraria em ruptura com a mãe por defender um ponto de vista diferente do dela quanto ao futuro do condado: enquanto Teresa era adepta da união com a Galiza, o jovem Afonso tornou-se o chefe-de-fila dos barões de Entre Douro e Minho, que sonhavam com uma maior autonomia. Era inevitável um choque entre as duas facções, e este teve lugar no dia 24 de Junho de 1128 no campo de S. Mamede, em Guimarães; há quem pense que não se tratou de uma batalha, mas de um mero torneio, o que não impede que o confronto entre mãe e filho tenha existido – e daí o mito de que este «batia» naquela.
Afonso Henriques passou depois a intitular-se rei e alargou os seus domínios à custa de territórios tomados aos mouros do Sul e aos leoneses do Leste. Este novo estado, independente de Leão e Castela, é o Portugal em que vivemos. Ele foi o seu inventor.
Mas nunca será de mais lembrar que Portugal, como entidade física, já existia antes do seu tempo. Quer dizer existiam muitas das actuais cidades, os campos, as vias de comunicação, as pontes construídas pelos Romanos, uma população formada pelo cruzamento de diversas etnias e a língua que hoje continuamos a falar (embora talvez só com grande dificuldade conseguíssemos conversar com um «português» do século VIII ou IX …).

3

(Batalha de Ourique)

(…e derrotou cinco reis mouros em Ourique) – Não se sabe ao certo, porém, se essa batalha existiu mesmo.
São muitas as crenças associadas ao primeiro Rei português. Outra delas é a de que, à frente de uma pequena hoste, ele derrotou um poderoso exército comandado por cinco reis mouros numa grande batalha que teve lugar em Ourique, no dia 25 de Julho de 1139. Reza a lenda que, antes do combate, o fundador do Estado Português teve uma visão de Jesus Cristo crucificado acompanhado de uma corte de anjos, que lhe garantiu a vitória. Inebriado com o êxito das suas armas e com a aparição sobrenatural, Afonso Henriques ter-se-á autoproclamado ali mesmo Rex Portugallensis, «Rei dos portugueses», título que passou a utilizar no seu selo a partir de 1140 – ainda que a confirmação pelo Papa, e o inerente reconhecimento do Estado Português, date apenas de 1179. Mas, para lá do caracter lendário da aparição, é de pôr em dúvida a própria existência da batalha tal como a tradição e algumas crónicas medievais no-la contam.
Com efeito, é altamente improvável que em 1139, Afonso Henriques e os seus se encontrassem tão longe do território «português», no Baixo Alentejo, em pleno coração dos domínios sarracenos. Falou-se da possibilidade de a Ourique da batalha não ser a vila alentejana, mas sim Vila Chã de Ourique, no Ribatejo, mas ai a improbabilidade é a de os «cinco reis mouros» (um dos quais poderia ser o emir de Badajoz) ali se encontrarem, o mesmo sucede com a hipótese de Campo de Ourique, próximo de Leiria. Na imaginação popular entra ainda a possibilidade do Campo de Ourique lisboeta, quando a verdade é ser o nome do bairro uma evocação da semilendária batalha. A própria data em que esta se terá travado também é pouco crível, por ser demasiado artificiosa: trata-se do dia de Santiago, um santo que tem a alcunha de Matamouros.
Quanto à introdução do elemento divino – a aparição de Cristo e dos anjos – no contexto de uma batalha já de si controversa, data apenas do século XIV, da altura das grandes guerras como Castela (de que já falaremos), e foi utilizada como argumento político para justificar a independência portuguesa.
Mas foi tal a importância para Portugal desta misteriosa batalha de Ourique que os cinco pontos brancos (ou besantes) que figuram em cada uma dos escudetes (ou quinas) da bandeira são normalmente interpretados como simbolizando as cinco chagas de Cristo crucificado – chagas essas que D. Afonso Henriques terá «visto» antes do combate. De acordo com outra interpretação, os besantes representam as moedas com que Judas vendeu Jesus, levando-o à crucificação. Também existe uma explicação segundo o qual os escudetes representam os tais cinco reis mouros derrotados em Ourique. Ourique sempre…

4

(Pedro I e de Inês de Castro)

(Inês de Castro foi a única paixão de D. Pedro) – Sem falar da atracção pelo escudeiro Afonso Madeira
Os amores do rei Pedro I e de Inês de Castro são um dos mitos fundadores da identidade nacional. Expulsos definitivamente os mouros, o País entrara numa era de paz e de prosperidade.
Pedro ainda era príncipe e reinava o seu pai, Afonso IV, quando, em 1339, casou com a nobre  castelhano - aragonesa Constança Manuel, destinada a ser a futura Rainha de Portugal.
O problema foi que no séquito desta vinha uma belíssima dama, bastarda de um nobre galego, chamada Inês de Castro, por cujos encantos o infante português se deixou seduzir, como o arrebatado romance fosse vindo à luz do dia. Constança convidou Inês para madrinha do primeiro filho que teve de Pedro, o que, à luz dos costumes da época, tornava incestuosas quaisquer relações de caracter amoroso entre os dois protagonistas desta história. A morte da criança com uma semana de idade veio, porém, a fazer incidir as maiores desconfianças sobre os amantes. Constança não tardaria a morrer também (quando dava à luz o futuro rei D. Fernando), deixando o ainda príncipe Pedro e a bela Inês livres para viverem a sua ligação, da qual haveriam de nascer quatro filhos.
Ora, não tardou que toda a gente começasse a murmurar, tanto mais que se dava o caso de os irmãos da beldade serem grandes senhores de Castela, o que poderia pôr em causa a legitimidade sucessória de Fernando.
O rei Afonso IV, que já em vida de Constança ordenara o Exílio da galega, decidiu então mandar assassiná-la. Segundo outra versão, ordenou antes que fosse julgada e condenada à morte. Vem a dar no mesmo: Inês foi degolada em 1355, enquanto Pedro andava à caça, o que o deixou preso de uma fúria incontrolável. Coadunava-se com o seu perfil; o príncipe era epiléptico e muito gago. Morto o pai, e já rei, mandou arrancar o coração aos carrascos da amada, cujo cadáver – conta-se – fez desenterrar e coroou rainha de Portugal. Mas o tétrico episódio da «Rainha Morta», muito presente no imaginário popular e glosado por várias literaturas europeias, não tem grande credibilidade, devendo tratar-se de uma efabulação de finais do século XVI, posterior ao aparecimento das Trovas à Morte de Inês de Castro de Garcia de Resende, à inclusão do episódio da bela Inês n’Os Lusíadas e à representação da tragédia de António Ferreira A Castro.
O estranho caso da «mísera e mesquinha que depois de morta foi rainha (no dizer de Camões) não é, porém, o único episódio de Petite Histoire relacionado com os amores funestos de D. Pedro, que a História cognomina ora de justiceiro ora de Cru (ou Cruel). Conta-nos Fernão Lopes na sua crónica deste reinado que o arrebatado soberano teve uma assolapada paixão… pelo escudeiro Afonso Madeira, ao qual «amava mais do que se deve aqui dizer». Como este tivesse um caso com uma tal Catarina Tosse, mulher do corregedor Lourenço Gonçalves, o rei, furioso, «mandou-lhe cortar aqueles membros que os homens em maior apreço têm, de modo que não ficou carne até aos ossos que tudo não fosse cortado». O pobre Afonso, ainda segundo Lopes, foi tratado, «curou-se, engrossou nas pernas e no corpo e viveu alguns anos engelhado de rosto e sem barba e morreu depois da sua natural morte».
Paradoxos afectivos de um rei cruel e semi-louco que o povo mesmo assim recorda ainda vagamente como O Justiceiro.

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(A padeira de Aljubarrota)

(A padeira de Aljubarrota derrotou os espanhóis) – Mas «apenas» matou sete que estavam escondidos dentro de um forno.
O pequeno Fernando, filho de Pedro I e de Constança Manuel, cresceu e tornou-se rei. Era, sempre segundo Fernão Lopes, «mancebo valente, ledo e namorado amador de mulheres e achegador a elas». Fazendo jus a esta fama, enamorou-se de uma mulher casada e muito bela, Leonor Teles, que conseguiu desposar e tornar rainha depois de ter obtido a anulação do seu anterior matrimónio. Mas o povo não gostava da Aleivosa, como lhe chamavam. Do enlace desta com o Formoso (assim ficou na História cognominado D. Fernando) nasceu uma única filha, Beatriz, que casou com o rei Juan I de Castela. Quando D. Fernando morreu, o rei castelhano achou-se com direito à coroa portuguesa e decidiu reivindica-la. Segundo as leis da época, tinha razão, e a nobreza portuguesa de um modo geral pôs-se toda a seu lado. O povo, sobretudo a população de Lisboa, é que não esteve pelos ajustes: revoltou-se sob o comando de D. João, mestre da Ordem de Avis (um filho bastardo do nosso velho conhecido Pedro I), matou o amante galego de Leonor Teles e elegeu o mestre Regedor e Defensor do Reino, antes de o fazer coroar Rei, como D. João I.
Juan de Castela invadiu então Portugal com um grande exército de, 30 mil homens, incluindo toda a nobreza, a cuja marcha se opôs uma pequena hoste de 6 mil portugueses comandada por Nuno Álvares Pereira, nomeado Condestável (generalíssimo) pelo novo Rei. Estes números fornecidos por Fernão Lopes, não devem ser rigorosos, mas a desproporção de forças era decerto flagrante. A batalha feriu-se em Aljubarrota, ao entardecer do dia 14 de Agosto de 1385. Surpreendentemente, os portugueses venceram, levando aos castelhanos a uma debandada desorganizada.
Conta a lenda que sete desses castelhanos á beira de um ataque de nervos se esconderam no forno de uma padeira chamada Brites de Almeida que, autêntica mulher de armas, saíra para ajudar na batalha. Ao regressar a casa, Brites deparou com os indesejados hospedes e matou-os um a um com a sua pá de padeira.
Correm muitas histórias em torno da figura de Brites de Almeida. Diz-se que era algarvia, muito feia, forte como um touro e que vivera muitas aventuras, incluindo a morte de um pretendente à espadeirada e a captura por piratas argelinos.
Mas o que subsiste na cultura popular é a sua actuação em Aljubarrota. toda a gente ouviu falar da «padeira» e a maioria dos portugueses pensa vagamente que foi ela quem derrotou os «espanhóis» (nesse tempo eram apenas castelhanos) na mais decisiva de todas as batalhas pela independência nacional.
Claro que se é preciso encontrar uma estratégia da vitória, ele é D. Nuno Álvares Pereira, também um mito em si mesmo, já que congrega as componentes guerreiras e religiosas. Canonizado muito recentemente como S. Nuno de Santa Maria, já antes era chamado em Portugal «Santo Condestável».
Foi tão rude o golpe sofrido pelos castelhanos em Aljubarrota que o país vizinho de Portugal tardou a recompor-se. Assinadas as pazes entre os dois estados, Portugal definitivamente separado do tronco «espanhol» e geograficamente isolado da restante Europa, voltou-se para o mar – dando inicio a uma «viagem» de que só regressaria passados mais de cinco séculos.

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(O Infante D. Henrique fundou uma escola náutica em sagres)

(O Infante D. Henrique fundou uma escola náutica em sagres) – Só que tal escola nunca existiu.
O Infante D. Henrique, um dos filhos de D. João I e da inglesa Philippa of Lancaster (a nossa D. Filipa de Lencastre)  é uma  das figuras portuguesas com mais projecção mundial. Equivalente a ele, só Vasco da Gama, pioneiro de uma nova era de trocas planetárias enquanto descobridor do caminho marítimo para a India, e Fernão de Magalhâes, autor da primeira viagem à volta do Mundo. Não falando é claro, de Eusébio, Figo e Cristiano Ronaldo, mas isso são grandezas efémeras num mundo globalmente formatado…
É inegável o papel decisivo desempenhado por este Henrique, o Navegador, como é conhecido lá fora (embora pessoalmente nunca tenha navegado para lá de Ceuta) no arranque da expansão europeia para outros continentes. Foi por sua iniciativa i sob o seu impulso que, na primeira metade do século XV, navegadores portugueses começaram a explorar a costa africana e a aventurar-se pelo Atlântico. Grande parte dos gastos eram cobertos pelos cofres da Ordem de Cristo (sucessora da dos Templários), do que o Infante – como nós, simplesmente, costumamos designá-lo – era dirigente. E diz-se que para formar comandantes e pilotos, fundou uma escola náutica em Sagres, para cujo corpo docente convidou peritos em Astronomia, Cartografia e Geografia provenientes de diversos países. Na realidade, tal escola nunca existiu.
Terá sido o grande Oliveira Martins que, embalado pelo som das palavras que tão bem sabia alinhar no papel, idealizou, na sua oitocentista História de Portugal, um Infante erudito rodeado de sábios e mergulhado na leitura de enormes cartapácios. Em complemento, telas românticas e azulejos patrióticos mostram-nos aquela figura de vestes negras e largo chapeirão bolonhês sentado nas rochas da ponta de Sagres, junto da sua escola, olhando o mar infinito e meditando. Historiadores posteriores demonstraram, porém, que não foi bem assim, e que se o Infante promoveu as explorações marítimas que o celebrizaram foi mais à custa de empirismo do que de ciência certa. Outra ideia a desfazer é a do local de partida das caravelas, que era Lagos, e não Sagres. Onde não existem condições para a atracagem.
E se há quem defenda que o Infante D. Pedro, irmão de D. Henrique, teve papel igualmente importante na organização de expedições marítimas, a matéria permanece controversa. Como controversa é a identificação visual do Infante D. Henrique, que afinal pode não ser a figura do chapéu de abas largas que tão familiar se nos tornou. Esta, baseada na representação de um rosto constante do manuscrito original da Crónica da Guiné, de Zurara, pouco ou nada tem que ver com a escultura jacente do seu túmulo, na Batalha.

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(Pedro Álvares Cabral)

(Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil em 1500) – mas o Brasil já tinha sido descoberto antes.
O nome de Pedro Álvares de Cabral está indelevelmente ligado ao Brasil. Considerado durante séculos o seu «descobridor», teve em anos mais recentes esse estatuto alterado para qualquer coisa como «comandante da esquadra que pela primeira vez aportou ao Brasil». A ditadura do politicamente correcto obrigou a essa nuance: na verdade, como pôde um território ser «descoberto» se já era habitado desde épocas imemoriais pelos povos de remota origem asiática a que normalmente chamamos «índios»?
O mito a que aqui nos referimos não é porém este. Trata-se antes da primazia da descoberta europeia do Brasil (e, postas as coisas nestes termos, a palavra «descoberta» já pode bem passar).
Morto o Infante D. Henrique, em 1460, a procura de novas terras pelos portugueses prosseguiu. É certo que durante cerca de 20 anos se verificou algum abrandamento, uma vez que o Rei Afonso V estava mais interessado em conquistas militares no Norte de África do que na exploração de costas tropicais, mas a subida ao trono de D. João II, o Príncipe perfeito, revelou-se benéfica para as expedições ao desconhecido. Sob o seu impulso, Diogo Cão subiu o rio zaire à procura de uma passagem para o Índico, que Bartolomeu Dias viria a encontrar ao dobrar o Cabo da Boa Esperança. Aberta a rota para a Índia das especiarias, coube a Vasco da Gama comandar a esquadra inaugural de uma das mais rendosas rotas comerciais marítimas da História. O comando da segunda esquadra com destino à Índia foi confiado a Pedro Álvares Cabral. E eis que, por um erro de navegação difícil de admitir, a maior frota constituída pelos portugueses até então (mais de mil homens embarcados em dez naus, duas caravelas e uma naveta de mantimentos) se aproxima da costa da América do Sul e, no dia 22 de Abril de 1500, «descobre» o Brasil.
Na verdade, é quase certo que não foi este o primeiro contacto dos portugueses com a maior e mais rica das suas futuras colónias. Ao mesmo tempo que procuravam no Sul da África uma passagem para a Índia, os navegadores de D. João II e D. Manuel I aventurava-se sigilosamente nas ondas do Atlântico, a oeste, à procura de um continente desconhecido que por aí constava que existia. O futuro brasil terá sido alcançado em 1492 por João Coelho e mais tarde, em 1498, por Duarte Pacheco Perira. O segredo destas viagens, conhecidas por «arcanos», devia-se ao facto de D. João II estar a negociar com os espanhóis, sob arbitragem papal, o traçado do meridiano que dividia o mundo em duas esferas de influência: o conhecimento exacto da localização do «Novo Mundo» permitir-lhe-ia negociar com conhecimento de causa. Assinado em 1494, em Tordesilhas, o tratado que repartia entre os dois estados ibéricos as terras a descobrir, D. Manuel I (D. João II morrera em 1495) pôde assim «descobrir» oficialmente, para a Coroa Portuguesa, uma terra que de lendária nada tinha.
Mas nada disto impede que «Seu Cabral», eterno descobridor do Brasil, continue a morar em letras de sambas-enredo e a manter um quarto alugado com vista para as nossas memórias de infância.

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(D. Sebastião)

(D. Sebastião regressará numa manhã de nevoeiro) – Esta crença teve, contudo, objectivos políticos no tempo dos Filipes.
Se existe um mito fundamental da nacionalidade portuguesa, esse mito é o do Sebastianismo. Independentemente da classe social e do nível de educação, quase toda a gente vive à espera de alguém que «venha endireitar isto». Se, para os mais esclarecidos, esse alguém deverá ser legitimado por eleições, nem por isso é menos ardente a fé generalizada no aparecimento de um salvador. Os ditadores Sidónio Pais, em 1917, e Salazar, em 1928, encarnaram bem a figura do Desejador, o primeiro governou apenas um ano, o segundo 40 – mas ambos deixaram marcas.
O «legítimo» Desejado, fundador inconsciente do mito, foi S. Sebastião. Paradoxalmente, tratou-se talvez do pior Rei da História portuguesa, se é que tais coisas podem ser medidas com fiabilidade. Vejamos como pôde isto acontecer.
Sentado no trono aos 14 anos de idade, em 1568, o neto de D. João III (o pai morrera com 16 anos, de diabetes juvenil) pensava em tudo menos governar o País. Sem fazer grande caso do que os conselheiros lhe diziam, misógino e desprezando totalmente a descendência (nunca lhe passou pela cabeça ter um filho), sonhava com caçadas e guerras contra os «infiéis». Um dia embarcou em paço de arcos para Tânger sem dar palavra a ninguém e ali quis convencer a guarnição daquela praça-forte ocupada pelos portugueses a reconquistar Larache e arzila, abandonadas pelo avô. Conseguiu regressar com vida mas ia naufragando numa tempestade que o atirou para a Madeira. Sempre a sonhar com um império cristão no Norte de África, resolveu em 1578 intervir numa disputa entre dois senhores da guerra marroquinos, aliando-se a um deles. Arrastou para aventura toda a nobreza portuguesa, à frente de um exército de 25 mil homens. Partiram como se fossem para uma festa, e a maioria perdeu a vida em Alcácer-Quibir, numa batalha absurda – sem objectivo, sem táctica, sem liderança. Oliveira Martins escreveu que no areal onde se travara a batalha se acharam 10 mil guitarras, mas isso também deve ser um mito.
Feitos prisioneiros, muitos nobres foram regressando á medida que iam sendo pagos os resgates exigidos pelos marroquinos. Quem não se lembra do «Romeiro» da peça de Almeida Garrett Frei Luís de Sousa, que não era outro senão D. João de Portugal, um nobre desaparecido em Alcácer-Quibir? Chegavam também muitos cadáveres de nobres. Como o corpo do rei não fosse encontrado, nasceu a crença no seu regresso com vida, mais tarde ou mais cedo. O desejo popular de que isso sucedesse devia-se ao facto de D. Sebastião não ter descendentes, o que significava que a coroa deveria passar para Felipe II de Espanha, filho de Isabel de Portugal e neto de D. Manuel I. Isso veio efectivamente a acontecer, tendo Portugal estado ligado à Espanha entre 1580 e 1640.
Durante esses 60 anos os patriotas não pararam de sonhar com o regresso do Desejado, também chamado Encoberto e Adormecido. O seu aparecimento deveria verificar-se numa manhã de nevoeiro, à proa de um navio, para resgatar Portugal e fundar um novo império. Mas durante os primeiros tempos de «dominação filipina» (como costuma dizer-se) esta aspiração popular não era compartilhada pela maioria da nobreza, que esteve aliada aos reis espanhóis, só vindo a mudar de opinião muito mais tarde, já na década de 1630. Um grupo de fidalgos lideraria então a Restauração, um movimento largamente apoiado pelo povo.

9

(A Maria da Fonte)

(A Maria da Fonte foi uma grande revolucionária) – na verdade foi uma grande reaccionária.
Braço no ar, foice ao ombro, por vezes pistola na mão, busto generoso moldado por um corpete justo, saia rodada e pés descalços – eis o retrato-robô de Maria da Fonte, uma mulher que todos conhecem mas que ninguém sabe ao certo quem foi. Fica a ideia de que se tratou de uma grande revolucionária, e as estátuas espalhadas pelo país fazem que, na nossa imaginação, outra entidade abstracta com corpo e rosto femininos.
Mas está tudo errado.
Maria da Fonte foi o nome de um movimento colectivo de cariz marcadamente conservador, e que portanto nada teve de revolucionário.
Passado o turbilhão das Invasões Francesas (1807-1811) e ganha pelos liberais a guerra civil de 1824-1834 contra os absolutistas. Portugal andava ainda á procura da «normalidade democrática». Tudo começou no dia 19 de Março de 1846, quando o pároco de uma freguesia da Póvoa de Lanhoso, no Minho, não conseguiu fazer cumprir a nova lei segundo a qual, em nome da higiene público e para evitar os focos de epidemias, os enterros passavam a fazer-se em cemitérios e não no interior das igrejas. A oposição ao decreto foi protagonizada por um grupo de mulheres armadas de foices e gadanhas. O rastilho alargou por toda a vasta região minhota e transmontana, e da contestação à «Lei da Saúde» rapidamente se passou para uma insurreição generalizada contra o governo de Costa Cabral, da direita moderada. Essa oposição juntou no mesmo saco os esquerdistas radicais conhecidos por setembristas e os reaccionários miguelistas saudosos da monarquia absoluta.
Falhada a tentativa de esmagamento da sublevação, a rainha D. maria II viu-se obrigada a demitir o governo e a mandar para exílio (em Espanha) Costa Cabral e o seu irmão José Cabral, ministro da Justiça – os célebres «Cabrais» que permanecem no imaginário popular. As rivalidades entre Saldanha, palmela e o Duque da Terceira levaram depois á guerra civil de 1846-47 que ficaria conhecida por Patuleia e que só terminou com a intervenção inglesa e espanhola que reconduziu Costa Cabral ao poder. Regressada a instabilidade, só em 1851 a Regeneração inauguraria o longo período «normalidade democrática» da Monarquia Constitucional, que duraria até ao golpe de 28 de maio de 1926.
Porque se chamos a este movimento contestatário de 1846 Revolta da Maria da Fonte? Porque reza a moderna lenda que uma das mais assanhadas líderes da luta contra os enterros nos cemitérios foi uma tal maria, residente na freguesia de Fonte Arcada, perto de Penafiel. Necessariamente conservadora, como todas as que a acompanharam de foice ao ombro e braço erguido.
Mas são assim os mitos duradouros. Mas fortes, coloridos e sedutores do que a apagada e vil realidade.

Fonte: Revista Visão
Texto: Luís Almeida Martins
Fotos da net
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